José Moniz, o adeus a um grande do nosso futebol
Foi pedagogo e inovador, percursor da vaga académica de treinadores, figura marcante do futebol português e incontornável no futebol madeirense. A ele devo boa parte do arranque da minha carreira de futebolista…
Haverá sempre a tendência de dizer-se que com a morte de José Moniz desapareceu um dos maiores vultos do futebol madeirense. Sendo verdadeira, esta afirmação não é absolutamente exata, porque o professor Moniz foi, de facto, uma grande figura do futebol português, pioneiro em muitas matérias, pedagogo e humanista, sempre à frente do seu tempo, inquieto com a inovação e a modernidade.
José Moniz, desaparecido aos 88 anos, nunca treinou grandes clubes, mas a marca que deixou foi profunda em quem com ele trabalhou, privou e aprendeu. Não foi por acaso, por exemplo, que Leonardo Jardim, seu adjunto no Camacha, lhe ofereceu a medalha correspondente ao primeiro título relevante que conquistou na carreira, quando levou o Beira-Mar à I Divisão…
Conheci José Moniz em outubro de 1974. David Sequerra (que com Pedroto como treinador tinha sido campeão europeu de juniores em 1961) era o selecionador nacional das camadas jovens, que nessa temporada, além da tradicional seleção de juniores, incorporaram, pela primeira vez, uma seleção nacional de juvenis. Acompanhavam o jornalista-selecionador (que dá nome ao prémio-carreira do CNID), José Moniz, responsável pelos juniores, e Manuel Jesualdo Ferreira, que se encarregava dos juvenis.
Foram tempos de enorme intensidade, não só pela condição política e social do país, em plena revolução, mas também porque os dois treinadores, com uma formação académica que contrastava com a generalidade dos técnicos, que em esmagadora maioria provinham do ‘terreno’, eram adeptos de estágios constantes, que fizessem dos grupos de selecionáveis verdadeiras equipas. Na época de 1974/75, apesar dos estágios serem conjuntos, estive mais perto, como guarda-redes da primeira Seleção Nacional de juvenis (Saint Malo, 1975), de Jesualdo Ferreira, que formava com José Moniz - uma espécie de Dupont e Dupond. Na temporada seguinte, já na seleção de juniores, o trabalho começou por ser com José Moniz, mas seria transferido temporariamente para Jesualdo Ferreira, porque o professor madeirense foi atropelado, fraturou uma perna, e ficou impossibilitado de acompanhar a equipa numa digressão à Checoslováquia. Depois, retomaria as suas funções, com uma equipa que tinha Fernando Chalana como estrela mais cintilante (era impossível, claro está, alguém brilhar mais do que o pequeno genial…).
Só por isto, José Moniz teria sido importante nos primeiros passos da minha carreira de futebolista, mas há mais, muito mais. Regressado do Torneio de Toulon, onde tinha estado ainda com idade de júnior em 1976, recebi uma chamada do professor Moniz a desafiar-me para ingressar no Montijo, recém promovido à I Divisão, que seria treinado por ele. José Moniz encarregou-se das apresentações e lá cheguei a acordo, num restaurante de Sesimbra, com o clube da margem sul. Para alguém saído dos juniores, a transição para a I Divisão, sem as almofadas que hoje existem, era por vezes traumatizante. E nessas alturas tive sempre o apoio de José Moniz (e a excelente camaradagem do Manuel Abrantes, com quem rivalizava pela camisola número 1) e foi-me possível realizar uma temporada que me permitiu voltar a ser convocado para Toulon e receber um convite do Belenenses para ingressar no clube do Restelo, onde viria a permanecer quatro fantásticos anos. Depois da ajuda preciosa que me deu no arranque da carreira, não voltei a cruzar-me profissionalmente com José Moniz, a quem serei sempre grato (e ele sabia-o) por ter acreditado em mim.
A MADEIRA E JOSÉ MONIZ
Corria o ano de 1875 e D. Luís I reinava em Portugal, quando se realizou o primeiro jogo de futebol no nosso País, no Largo da Achada (onde um pequeno monumento assinala o acontecimento), freguesia da Camacha, na ilha da Madeira. Foi graças a um britânico, residente na Pérola do Atlântico, mas que estudava em Londres, Henry Hinton, que uma bola de futebol, por ele trazida - ainda no reinado de Guilherme IV, um ano antes de se iniciar a era vitoriana - da capital do Império britânico, rolou em solo pátrio antes de qualquer outra, depois de explicados aos intervenientes na partida os rudimentos do jogo. Muita água correu debaixo das pontes desde esse dia de 1875, ano em que Bizet, três meses antes de falecer, estreou, em Paris a sua obra-prima, ‘Carmen’, e os ingleses compraram ao Egito o controlo do canal do Suez, até 5 de fevereiro de 1985, 110 anos depois, data do nascimento de Cristiano Ronaldo, que veio ao mundo a 11 quilómetros do local onde se jogou futebol em Portugal pela primeira vez.
Entre estes dois factos - a ‘futebolada’ na Achada e o nascimento daquele que foi, em vários períodos, o melhor jogador do Mundo (intercalando o estatuto com Messi) e maior goleador da história do ‘beautiful game’ - o Marítimo do Funchal, de verde-rubro vestido, sagrou-se campeão de Portugal, oito dias depois de o marechal Gomes da Costa ter saído de Braga, a 28 de maio de 1926, para protagonizar o golpe militar que terminou com a I República e implantou o Estado Novo. Os ‘Leões da Almirante Reis’ (que derrotaram o FC Porto, na meia-final, por 7-1) foi ao campo do Ameal, na Cidade Invicta, levantar a Taça que continua a ser o troféu mais emblemático do futebol madeirense, após vencer o Belenenses por 2-0, com golos de José Fernandes e Manuel Ramos.
Entretanto, depois da estreia do Marítimo na I Divisão em 1977/78, seguiram-se Nacional em 1988 e o União em1990, chegando a estar, em simultâneo, as três equipas do arquipélago, em simultâneo, na principal divisão do futebol luso. As presenças nas competições da UEFA de maritimistas e nacionalistas e a ida, por duas vezes, do Marítimo à final da Taça de Portugal, são igualmente marcos relevantes do futebol madeirense.
José Moniz, Leonardo Jardim, Leonel Pontes, Ivo Vieira, Rui Mâncio, Agostinho Rodrigues e Luciano Magno Sousa, foram apontados para ‘treinador madeirense dos 100 anos da AF Madeira’, galardão entregue a Leonardo Jardim, discípulo de… José Moniz.