«Fico com o amor incondicional dos adeptos do Sporting»
Adán, com o filho ao colo, foi duas vezes campeão nacional em quatro épocas de Sporting (FOTO: MIGUEL NUNES)

«Fico com o amor incondicional dos adeptos do Sporting»

NACIONAL30.05.202421:13

Antonio Adán, guarda-redes de 37 anos, abriu o coração à SportingTV e passou a pente fino os quatro anos de leão ao peito

- Foi feliz em Portugal, no Sporting e nesta família leonina?

- Obrigado da minha parte, sinto uma felicidade enorme por ter feito parte desta família. Tive muitos momentos bons nestes quatro anos, a grande maioria foram momentos felizes. A nível pessoal também tive o nascimento do meu filho. Tudo correu muito bem durante estes quatro anos. Desportivamente está aqui a prova [apontou para os cinco troféus conquistados], a nível pessoal a minha família foi muito feliz aqui. Fomos recebidos de uma forma espetacular e isso fica para sempre.

- Já sente saudades ou a ficha ainda não se desligou por completo?

- Bem, ainda tenho ido trabalhar para a Academia [Adán recupera de lesão], para mim ainda não acabou. A vida de um futebolista é feita de capítulos e este está a acabar. A experiência e maturidade ajudam a lidar com isto. Graças a Deus pude estar aqui um largo período e de êxitos. É claro que vou ter saudades de tudo, dos colegas de equipa, do balneário, dos adeptos, que sempre me acarinharam, e da cidade, claro. Foi uma experiência espetacular.

- Acredito que ensinou muito aos sportinguistas, a acreditarem sempre, a não desistirem, mas o que é que os adeptos sportinguistas lhe ensinaram ao longo destes 156 jogos de leão ao peito?

- O respeito pelo jogador que vem de fora. A união dos adeptos connosco foi muito importante, o amor incondicional ao clube, sempre estiveram ao nosso lado. Uma das coisas que levo daqui é o amor incondicional dos adeptos do Sporting.

- Alguma vez vai esquecer este país e o Sporting?

- Nunca! Meu período aqui foi o melhor da minha carreira. O que ganhei aqui não ganhei nos outros clubes por onde passei. A nível pessoal o meu filho nasceu aqui. Foram muitos momentos bons no clube e na cidade que são impossíveis de esquecer. Voltarei aqui muitas vezes. Agradeço a todos.

- Acha que o seu filho [também de nome Antonio] tem perceção do que o pai fez no Sporting?

- Era muito pequeno quando fui campeão pela primeira vez, agora já vai tendo uma ideia e para ele é sempre especial ir ao Estádio José Alvalade, vestir a camisola do Sporting, ir ai relvado, marcar um golo. É pequenino, mas acredito que vai ficar com algumas coisas guardadas na memória. Vamos mostrar-lhe os vídeos e as fotografias...

- Passou em alguns clubes com muita história, Real Madrid, onde fez a formação, Atlético de Madrid e o Bétis. Quando chegou ao Sporting tinha a noção da grandeza do clube?

- A nível de história sabia que chegava a um grande clube, basta olhar para a quantidade de troféus nesta sala [a entrevista foi feita no Museu do Sporting]. Poucos clubes conseguem mobilizar tantos adeptos como este, não só em Portugal, mas também na Europa. Tinha a noção do que era o clube, mas não tinha a noção de que iriamos conseguir tanto como conseguimos nestes quatro anos. Sabíamos que íamos lutar por troféus, o clube estava num projeto novo, para crescer, para voltar a unir os jogadores com os adeptos e isso correu muito melhor do que imaginei.

- Vou dizer alguns nomes: Peter Schmeichel, Tiago, Nélson, Mészáros, Damas e Carvalho. Todos estes guarda-redes foram campeões pelo Sporting. Também se pode juntar o seu nome. Sente que fica ligado à história do Sporting?

- É especial poder estar entre tantos nomes importantes na história deste clube. Quando cheguei, das primeira coisas que fiz foi visitar este museu. Poder estar entre eles é algo incrível, espectacular. É um orgulho o que consegui durante estes anos e ser bicampeão pelo Sporting.

- Foi várias vezes capitão do Sporting. A braçadeira tem muito peso?

- Sim, claro, foi uma enorme responsabilidade, passas a ter importância especial no funcionamento do balneário e do clube. Já o tinha sido no Bétis. Foi um orgulho. Vital e Tiago fazem um trabalho espetacular com os guarda-redes da formação. Sempre fui de poucas palavras, mas tentei passar-lhes alguns dos meus ensinamentos: trabalho diário, esforço e disciplina. Esta camiseta pesa muito. Espero que tenham muito sucesso no Sporting.

- Mudava alguma palavra, alguma virgula, nesta história de quatro anos de Sporting?

- Também houve alturas que me enganei, desportivamente é claro que cometi erros, mas é difícil tirar algo. Mesmo nos momentos mais complicados deu para aprender e continuar a lutar, não baixando os braços.

- Aprendeu muito com os seus companheiros de equipa?

- Sim, claro. Nem sempre é fácil manter as rotinas de um jogador, ir treinar todos os dias. Mas vê-los motivados também fez com que a minha motivação aumentasse. Sou muito competitivo, não podia ter momentos de relaxamento ou baixar os braços. Foi uma aprendizagem continua. As palavras do mister [Rúbem Amorim] e do Viana [Hugo, diretor-desportivo] deram-me ainda mais motivação e desde o primeiro dia sempre quis fazer parte deste projeto, deste processo. Correu bem desde o primeiro ano. Além dos títulos, tivemos algumas pequenas conquistas, como participar dois anos na Champions.

- O mister Rúbem Amorim ajudou-o muito? E Vital e Tiago [treinadores de guarda-redes]?

- [Sobre Amorim] É uma pessoa muito inteligente neste mundo do futebol, sabe conduzir, lidar com um balneário. A mensagem para dentro e para fora sempre foi muito clara. Tem uma força mental espetacular para alguém com poucos anos como treinador. Foi uma relação espetacular com ele e estou certo que vai continuar a dar muitas vitórias ao Sporting. Há que dividir o mérito de um guarda-redes entre ele próprio e as pessoas que diariamente ajudam um guarda-redes a melhorar. Vital tem experiência no treino como poucos. Tiago complementa-o de uma forma espetacular. O Tiago dá mais carinho, o Vital é mais duro [risos].

- Vamos percorrer as épocas e os títulos conquistados. Na primeira, logo o de campeão nacional. Estava escrito nas estrelas que o Sporting tinha de ser campeão?

- Desde o início que se notou algo especial no balneário. As vitórias foram surgindo, nas dificuldades aparecia alguém a marcar  nos últimos minutos... Recordo-me de irmos ao Porto com sete/oito pontos de avanço e dizia aos meus companheiros de equipa que era impossível perder o campeonato, não nos podia fugir das mãos. E assim foi. Foi especial, não tínhamos adeptos nas bancadas, mas no último dia [não foi no último, sim a 11 de maio de 2021, após o 1-0 ao Boavista na 32.ª jornada da Liga] fomos ao Marquês de Pombal, mesmo em tempo de Covid, foi espetacular. Estavam milhares de adeptos nas ruas. Olhava para a Avenida da Liberdade e só via verde. Aquele ano foi especial.

- Na apresentação de Rúben Amorim ficou célebre a frase: ‘E se corre bem?’ E realmente nesse ano correu quase tudo bem…

- Essa frase gerou uma tremenda ilusão e confiança em nós. E porque não? Porque não tentar? Estamos aqui, somos 11 para 11, representamos um enorme clube. Um dos momentos mais difíceis foi a visita ao Nacional da Madeira. Uma chuva tremenda, mas a união foi decisiva para a vitória. Estávamos muito confiantes.

- Foi importante acabar com as frases feitas do género ‘o Sporting não chega ao natal’?

- Um ano pode correr bem, difícil é fazer duas vezes em quatro anos ou ganhar mais troféus. É aí que esses clichés começam a ficar sem efeito. Mesmo esta época, em que não perdemos no José Alvalade para a Liga, ainda havia alguma desconfiança na parte final. Ouvíamos que isto ainda não está, vamos a ver o que acontece, etc. Este grupo ensinou aos adeptos que é possível desde que se acredite. Somos um grupo forte inserido num projeto forte.

- E o mar de gente que encontrou a 11 de maio de 2021, naquela que foi a sua primeira comunhão com os adeptos, privados nessa época de irem aos estádios devido à pandemia de Covid-19, marcou-o? Foi tudo aquilo que imaginou na festa de um título no Sporting?

- Já nas semanas anteriores víamos muitos adeptos do Sporting à chegada aos estádios onde íamos jogar e não apenas no José Alvalade. As pessoas mobilizavam-se nas ruas, acreditavam em nós. Passámos de estádios vazios para ruas cheias de adeptos. Aquele dia foi incrível, jamais o esquecerei.

- A confiança para esse título chegou em janeiro, com a conquista da Taça da Liga [vitórias frente ao FC Porto na final e SC Braga na final]. Esse troféu foi o clique para o do título? A partir dai sentiram ainda mais que era possível serem campeões nacionais?

- Desde o início que percebemos que seríamos capazes de ganhar a qualquer equipa, mas a Taça da Liga serviu para alimentar ainda mais a confiança do grupo.

- Passemos para a segunda época [a de 2021/2022], que começou logo com a conquista da Supertaça no primeiro jogo com alguns adeptos nas bancadas [meia casa, ainda com muitas restrições por força do Covid], continuou com nova vitória na Taça da Liga e o segundo lugar na Liga. Como define a temporada?

- Foi a confirmação de uma nova era no clube. É verdade que não fomos campeões, mas conquistámos dois troféus. E penso que fizemos um campeonato muito bom, lutámos até final, escapou-nos por pouco. A época confirmou o que pensávamos, que o grupo estava a crescer aos poucos e que estava feito e preparado para lutar por títulos.

- Nesses dois anos foi importante a mistura entre os jogadores mais experientes e os mais jovens?

- A experiência foi muito importante, lembro-me várias vezes do Antunes, de como era no balneário. Foi uma simbiose perfeita. Os mais jovens só queriam jogar à bola, marcar golos, notava-se, fruto da idade, alguma inexperiência. Cabia aos mais velhos a parte da experiência…

- Nessa segunda época teve alguns momentos mais complicados a nível exibicional. Como os conseguiu ultrapassar?

- Por mais importante que seja o jogo, acho que não há nenhum que seja decisivo para a definição da carreira de um jogador, no caso de um guarda-redes. É verdade que o jogo em Marselha foi catastrófico [derrota 1-4, com o guarda-redes a ver o cartão vermelho direto aos 23 minutos depois de dois golos sofridos, o primeiro dos quais num pontapé que levou a bola contra Alexis Sánchez e a entrar na baliza]. mas os três anteriores na Champions foram muito bons. Isso muda de um dia para o outro. A seguir, jogámos contra o Santa Clara e fui o homem do jogo. A experiência dá-te que não é um jogo em particular, se cometes um erro, ou estás mal, que vai mudar vai dar o futuro da tua carreira. O que acho que te ajuda a crescer cada dia é o trabalho, a consistência, cuidar-te, trabalhar todos os dias, e assim estás mais perto de que as coisas corram bem, apesar de que há dias em que correm mal.

- Falando agora da temporada 2022/2023, é a única na qual não conquistou qualquer troféu, mas que se começou a construir o título de campeão nacional em 2023/2024…

- A época de 2022/2023 foi muito dura, não a começámos bem. Perdemos muitos pontos no início do campeonato e não conseguimos entrar na luta pelo título nacional. Ajudou o grupo, há momentos em que tudo corre bem, mas também há aqueles em que tudo corre mal. O grupo uniu-se, esteve mais junto do que nunca.

- Esta era a época do tudo ou nada?

- A mensagem do treinador no início da temporada foi clara. Tínhamos de ganhar, ou então todos tínhamos de sair do cluibe [risos], não estávamos aqui a fazer nada, não merecíamos representar o Sporting. Este clube não podia passar mais anos sem conquistar um campeonato. Dia a dia, jornada a jornada, fomos criando aquele espírito de que éramos muito bons e tínhamos de ser campeões.

- Essa foi a chave do sucesso?

- Durante estes quatro anos que aqui estive é difícil encontrar uma equipa que nos tenha ganho e que nesse jogo tenha sido muito superior à nossa. Tivemos sempre a perceção que perdemos determinado jogo por este ou aquele motivo, mas nunca porque a equipa rival tivesse sido tremendamente superior. Esta ideia aplica-se, sobretudo, no campeonato. Tivemos sempre muita confiança, o mister também nos soube transmitir essa confiança.

- Lesionou-se no último terço da época. Como foi encarar a parte final da época?

- Houve jogos que passei mal [risos]. Os com o Benfica para o Campeonato e Taça de Portugal. Sofri muito de fora. Mas graças a Deus a equipa respondeu sempre bem. Foram momentos duros, nunca uma lesão é bem-vinda. Orgulhoso pelo que consegui ajudar a equipa. Há que saber estar nos dois lados, a jogar ou de fora. Sempre houve muita empatia entre quem jogava e os que não jogavam.

- Onde sentiu que o título já não podia fugir ao Sporting?

- O jogo com o Benfica [êxito por 2-1] foi importante, mas sempre vi a equipa muito bem durante a temporada. Jogávamos bem, sempre com uma confiança tremenda. O jogo na Amadora [vitória por 2-1 depois de recuperar de 0-1] também foi importante. Parecia que se ia complicar, mas acabámos por ganhar.

- E como foi a festa?

- Foi inacreditável, um mar de gente a um domingo. O jogo do Benfica [em Paços de Ferreira, derrota por 0-2] foi à noite, nós estávamos um pouco expectantes a ver daria. Não esperava uma festa com tanta gente. Quando via alguém a subir a um andaime só me preocupava em que não caísse. Ver o Marquês de Pombal repleto de sportinguistas é algo que jamais esquecerei.

- É mesmo diferente pertencer a este clube? E o que vai deixar mais saudades?

- Vivi coisas muitos especiais no Sporting. Saudades? O dia a dia. No balneário há realmente uma família. Desde o staff, aos médicos, aos roupeiros. Sentia-me em casa. Passava mais tempo do que com a família. Foi uma relação especial. Vai ser complicado deixar de ver alguns amigos no dia a dia. Mas vou continuar a acompanhar o clube. É emocionante recordar tudo o que vivi aqui.

- O Sporting vai ocupar um lugar especial no seu coração?

- Sem dúvida. Estes quatro anos foram muito especiais para mim. Foi uma honra, respeitarei para sempre este símbolo.

- O que diria este Antonio ao Antonio que há quatro anos assinou pelo Sporting?

- Agradeceria muito por ter assinado pelo Sporting, por ter dado este passo no momento cento. Não tenho dúvidas que o Sporting vai continuar a ganhar nos próximos anos. Que os adeptos continuem a apoiar sempre. Mesmo nos piores momentos sempre nos apoiaram e nos ajudaram.