Já passava das onze da noite de uma quarta-feira quente de julho de 2008. Ainda era dia 16. Quando o Cessna Citation SII aterrou na pista do aeródromo de Tires já eram muitos os jornalistas que aguardavam a chegada de uma das maiores estrelas que neste século passaram pelo futebol português. Rui Costa, então diretor desportivo do Benfica, foi o primeiro a sair pela porta do pequeno avião a jato, Pablo Aimar saiu logo atrás. Os encarnados tinham conseguido contratar um número 10 que jamais será esquecido na Luz. Passam já 15 anos desde a chegada a Lisboa de um futebolista fantástico, que deixou marca na Liga portuguesa e marca profunda na história recente do Benfica. Agora que Rui Costa, hoje o presidente, acaba de convencer Dí Maria a regressar à Luz, nada melhor do que recordar a primeira grande estrela que o ‘maestro’ encarnado foi capaz de convencer a jogar no Benfica, entregando-lhe mesmo a camisola 10 que deixara, naquele mesmo ano, de envergar. Pablo Aimar, conhecido mundialmente como El Mago, ainda agora reencontrou Dí Maria, em Buenos Aires. Aimar, Dí Maria, Saviola foram alguns dos maiores nomes do futebol argentino que passaram por Portugal. «O MELHOR!» Pablo Aimar foi, seguramente, para a maioria dos benfiquistas, um dos melhores jogadores que alguma vez vestiu de águia ao peito. Então para os mais novos, sem testemunhar décadas passadas, é provável que Pablo Aimar tenha mesmo sido o melhor futebolista que viram jogar de encarnado. Ainda hoje o treinador Jorge Jesus, com quem Aimar foi, pela única vez, campeão no Benfica, em 2009/10, responde sempre que o 10 argentino foi «o melhor jogador» com quem trabalhou. Excecional dentro do campo, mas igualmente admirado fora dele, Pablo Aimar, hoje com 43 anos, treinador de futebol, fez (como particular mentor, como é reconhecido pelos próprios pares) parte da equipa técnica de Lionel Scaloni, o selecionador argentino que conduziu a albiceleste ao título de campeã do mundo em 2022. Chegou ao Benfica fará 15 anos em julho, e no Benfica jogou por cinco épocas, deixando um legado inesquecível no que jogou, mas também no comportamento que sempre teve e pela personalidade elegante, sensível e culta que sempre revelou. UM RAPAZ SIMPLES Na noite em que chegou, com Rui Costa, ao aeródromo de Tires, arredores de Cascais, vindo de Saragoça num pequeno avião privado (para não mais de oito passageiros), Pablo Aimar vestia umas simples calças de ganga, discreta camisa branca de manga curta e calçava uns confortáveis ténis All Stars. Pelo tempo fora, todos puderam perceber como Aimar era (e continuará a ser) um rapaz simples. Deixava para trás oito anos de futebol espanhol, onde se converteu no maior ídolo do Valência antes de seguir para Saragoça, desafiado então pelo treinador espanhol Victor Fernández. Em Espanha jogou com compatriotas como Gabriel e Diego Milito, D’Alessandro ou Roberto Ayala, viu o despertar de jovens como Gerard Piqué, Raul Albiol ou David Villa, e partilhou ainda o campo (nos valencianos) com os portugueses Miguel, Marco Caneira ou Hugo Viana. De Pablo Aimar disse um dia Lionel Messi: «Foi o primeiro jogador que admirei no futebol!» TÃO ADMIRADO Já em 2020, também Andres Iniesta, uma das maiores figuras do futebol espanhol e mundial, se confessava admirador de Aimar. «Sim, gostava muito de ver jogar Pablo Aimar, gostava porque ele era um jogador distinto, com muita autoconfiança, com muito atrevimento e inteligência, no um para um, com drible e rápido. Sempre gostei de me identificar com jogadores destes», dizia Iniesta, para quem Messi sempre foi «o maior de todos». Curioso, porém, como outro dos que mereceram destaque de Iniesta foi… Dí Maria, hoje a um passo de voltar a defender a camisola do Benfica. Já Rúben Amorim, hoje treinador do Sporting, não teve qualquer dúvida em afirmar, numa entrevista ao EXPRESSO datada de 2017, que Pablo Aimar «foi o jogador mais inteligente com quem joguei»! «JOGUEI NUMA EQUIPA ENORME» Numa entrevista concedida em março de 2016 ao diário espanhol MARCA, que o seguiu, na La Liga, pelos seis anos em que jogou no Valência e mais dois no Saragoça, Pablo Aimar recordou com «muito carinho» a transferência para p Benfica. «Eu ia para Inglaterra [Newvcastle], mas quando um homem como o Rui Costa apanha um avião, vai à tua porta e diz-te 'vou deixar de jogar, quero que vistas a minha camisola'... É impossível ficar indiferente a esse gesto. Mais tarde, agradeci-lhe o que fez, porque o que vivi foi fantástico e diverti-me muito. Joguei numa equipa enorme, com companheiros gigantes [citou alguns, como Saviola, Dí María, David Luiz, Coentrão, Ezequiel Garay]... muitos deles, jogadores que mais tarde vieram a jogar em grandes clubes nas maiores Ligas da Europa.» FELIZ À CHEGADA À chegada, naquela noite de 16 de julho de 2008, Aimar foi, como sempre, de poucas falas, e rapidamente se percebeu como nunca gostou muito de dar entrevistas. «Estou muito satisfeito. É mesmo uma grande honra vir para um grande clube como é o Benfica», disse Aimar, após Rui Costa o incentivar a falar aos jornalistas. «Ele é que é a estrela, não sou eu», disse então aquele que é hoje, 15 anos depois, o presidente do Benfica. Pablo Aimar concordou ainda com a importância de Quique Flores o conhecer, uma vez que o treinador espanhol das águias, à época, o treinara no Valência, três anos antes, e o seguiu bastante em todo o tempo que Aimar levou na Liga do país vizinho. O craque argentino mostrou-se ainda muito feliz por vestir a camisola 10 do Benfica, que Rui Costa acabara de deixar. MARCADO POR BIELSA E JORGE JESUS Há sensivelmente três anos, Pablo Aimar voltou a recordar muito do que guardou da sua passagem pela Luz. Por exemplo, a admiração que ganhou pelo treinador Jorge Jesus. «Aprendi com ele coisas de sentido comum, sobre a paixão com que vivia o futebol, mas deu-me coisas maiores. Há uma altura em que o físico te pede para não jogares só por instinto. E Jesus dizia-me, ‘tens de pensar, posicionar-te melhor’. E depois ficaram três ou quatro frases dele, cheias de razão, e que ainda hoje uso com os miúdos quando me abordam e dizem 'a bola não me chega'. Isso é algo que se usa muito no futebol. Jesus dizia ‘não há problema, em 90 minutos, cada jogador apenas tem a bola dois ou três minutos. Mas nenhum grande jogador do futebol é ansioso’, era a mensagem que ele passava», recordou Aimar. Já na mesma entrevista à MARCA em 2016, Aimar tinha recordado o trabalho de vários treinadores, acima dos quais sempre esteve Marcelo Bielsa, com quem Aimar trabalhou na seleção argentina no Mundial de 2002, mas sem nunca esquecer, na verdade, o português Jesus. «A ideia de Bielsa era a melhor. Não que ele tente convencer-nos com o discurso, mas com factos, com sua maneira de explicar e viver. É um exemplo para muitos treinadores jovens. Também aprendi muito com Pékerman [com quem foi campeão do mundo sub-20 em 1997], mas os que mais me marcaram foram o Bielsa e o Jorge Jesus, no Benfica». Por mais de uma vez Aimar se referiu, aliás, a Marcelo Bielsa e Jorge Jesus, e voltou a não os esquecer quando, por fim, se despediu definitivamente dos relvados, em janeiro de 2018. «A metodologia de Bielsa pode não ser a que mais gosto. Mas a sua maneira de ser formou muita gente. O que transmites é bem mais importante do que o que dizes. Bielsa ajudou-me muito, ele faz o impossível para que te tornes melhor. Ajudou-me no entendimento do jogo, no posicionamento, trabalha a predisposição quando não tens a bola e outras coisas individuais que por repetição, acabas por aprender. Com Jorge Jesus aprendi muito de sentido comum, que até aí não me tinham dito». JUNTO COM SAVIOLA Um ano depois de ter convencido Pablo Aimar a jogar no Benfica, Rui Costa voltou a ser muito importante para outro astro argentino, Javier Saviola, aceitar mudar-se para a Luz. Aimar e Saviola eram muito importantes um para o outro desde que tinham jogado juntos, em toda a formação no River Plate. Na Luz, foram companheiros por três épocas. Campeões no Benfica em 2010, juntos apareceram num programa televisivo da ESPN argentina. Pablo Aimar falou da paixão pelo jogo, mostrou-se extremamente feliz por ter decidido continuar a carreira na Luz e falou do bom entendimento que sempre teve com Saviola. «Gosto de estar na organização das jogadas, vir buscar a bola atrás e servir os avançados. Agora tenho uma enorme sorte em atuar ao lado de Saviola. Não sei porquê, mas o Javier é o primeiro jogador que vejo quando tenho a bola nos pés. É inexplicável», confessou Aimar, voltando a recordar a transferência para o Benfica. «Rui Costa foi falar comigo a Saragoça e disse que queria que jogasse com a camisola dele. Disse-me bem do clube, da cidade e não mentiu». Já Javier Saviola confessou nunca ter imaginado que «o Benfica fosse um clube tão grande. Tive outras propostas, mas falei com o Rui Costa e depois com o Pablo. Vim e fiquei surpreendido com o que encontrei. É um clube com muita história». Faz agora 15 anos que Pablo Aimar chegou a Lisboa para jogar no Benfica. Em boa hora, porque pudemos testemunhar o talento e inteligência de um jogador que foi sempre, no campo, uma rara pedra preciosa.