ENTREVISTA A BOLA ‘Faísca-ball’, tambores e cornetas, num país onde o basebol é rei
Vasco Faísca satisfeito com a experiência na Venezuela, onde encontrou segurança e condições de trabalho ímpares; futebol de ataque que já encanta os apaixonados adeptos da Academia Puerto Cabello
Em fevereiro, Vasco Faísca aceitou uma proposta da Academia Puerto Cabello e partiu para a Venezuela, tendo qualificado o clube para a fase de grupos da Taça Sul-Americana. A A BOLA contou como está a correr a aventura.
- Foi um desafio ir treinar para a Venezuela?
- Foi e por vários motivos. Primeiro, pelo convite inesperado, e depois pela própria situação, em que as notícias que têm chegado nos últimos tempos a Portugal em relação à vida social não eram muito animadoras e eu estava um bocadinho de pé atrás. Nestes dois meses que estou aqui, posso garantir que essas notícias não correspondem, de todo, à verdade. Estou num país e numa cidade [Puerto Cabello] muito tranquila e segura. E mesmo em Caracas, que é uma cidade grande e é a capital e onde realmente há situações de maior perigo, já lá fomos jogar quatro vezes e não sentimos qualquer tipo de ameaça.
)
- Foi um passo atrás na carreira?
- Foi uma aventura. Sou sincero, não sabia bem o que esperar em relação ao campeonato. Mas foi uma agradável surpresa porque tem um nível bastante interessante, em termos qualitativos será mais ou menos equivalente à nossa Liga 2. Do que tem sido esta experiência, posso dizer que não foi um passo trás, foram 10 em frente, porque o clube tem condições de trabalho extraordinárias e digo, sem qualquer exagero, que as estruturas onde nós treinamos são equivalentes ao Seixal ou às do SC Braga, que eu conheço bem, porque lá trabalhei.
- Os jogadores venezuelanos têm valor ou são os estrangeiros que fazem a diferença?
- Há jogadores, tanto venezuelanos como estrangeiros, com qualidade. No nosso caso temos oito estrangeiros, entre eles o Miguel Tavares, que é português, e outros que passaram pela Liga 2. Há valor equiparável entre os que nós trouxemos de contextos de segundas ligas na Europa e o jogador venezuelano de primeira divisão.
)
- Teve de mudar rotinas de treino e de jogo?
- Não mudei praticamente nada. Claro que há alguns aspetos culturais que são diferentes e nós temos de ter essa capacidade de nos adaptarmos, e dou um exemplo que também é comum a muitos outros países da América Latina: os jogadores são muito religiosos e antes dos treinos rezam todos juntos, assim como antes de entrarem em campo. Nós respeitamos e não há qualquer tipo de problema. Do ponto de vista da metodologia do treino e do jogo, tem sido igual ao que costumamos fazer.
- Como é que se vive o futebol na Venezuela? Os adeptos são fanáticos?
- Não, porque o futebol não é o desporto número um no país. É o basebol. Mas vai muita gente aos nossos jogos e há muita participação, cantam e puxam do início ao fim. Temos uma claque, aquilo é quase uma banda, que toca tambor, tem cornetas, é um barulho que não acaba e eu nem consigo dar instruções para dentro do campo, porque não se ouve nada. Mas gosto, é uma forma festiva de viver o futebol.
- Já implementou o faísca-ball, como era conhecido o seu futebol de ataque entre os adeptos do Olhanense e do Farense?
- Já, sim senhor! Estou muito feliz e surpreendido pela rapidez com que os jogadores absorveram a ideia. A coisa está a correr muito bem, a equipa está a crescer, a jogar de pé para pé, com futebol de ataque e a defender também muito bem, a fazer pressão alta.
Centro de treinos em frente à praia
Vasco Faísca não se cansa de elogiar as condições de trabalho que tem em Puerto Cabello. «Neste momento estou dentro do meu escritório de treinador que é, de longe, o melhor onde eu já trabalhei nesta profissão. Tem uma janela muito grande em vidro, o campo de treino ao lado e o mar logo ali. Ou seja, é um centro de treinos praticamente na praia, que é uma coisa raríssima», enalteceu.
)
«Para já, o meu projeto é fazer um grande campeonato. Está a correr muito bem, estamos muito satisfeitos e só temos a cabeça aqui. Mas é evidente que sendo português e tendo a família em Portugal, mais tarde ou mais cedo, vou querer voltar», disse, sobre o futuro.
«Se estivermos próximos do título, vamos tentar»
Vasco Faísca qualificou o Puerto Cabello para a fase de grupos da Taça Sul-Americana. Lutar pelo (inédito) título venezuelano
- Qualificou o Academia Puerto Cabello para a fase de grupos da Taça Sul-Americana, que é um feito raro no clube...
- Sim, é a segunda vez que o clube participa nesta competição. Era o objetivo mais importante nesta primeira fase da época, que os dirigentes e o dono do clube me colocaram e a qualificação foi só um jogo e o vencedor teria acesso à competição, que é o equivalente à UEFA Europa League. Ganhamos 3-0 ao Metropolitano, também da Venezuela, e fizemos um jogo bem conseguido. No campeonato foi pedido andar nos primeiros cinco lugares e neste momento estamos dentro do objetivo. Se formos campeões, fazemos história e se estivermos próximo do título, vamos tentar.
- Na Taça Sul-Americana vai defrontar o Vasco Gama, o clube dos portugueses no Brasil...
- Vamos jogar com três equipas muito boas, mas é óbvio que o Vasco da Gama é aquela que tem mais prestígio, ainda por cima sendo um clube brasileiro e que se chama Vasco, que é o meu nome e de um grande navegador e um símbolo para nós, portugueses.
)
- Um grupo que integra também o Lanús (Argentina), onde joga Salvio...
- Com a qual empatamos [2-2] na 1.ª jornada, depois de estarmos a vencer por 2-0. E mesmo o clube menos conhecido, o Melgar (Peru), caiu da Libertadores e estão em 1.º no campeonato peruano e tem grande dimensão no seu país. É um grupo difícil e nós somos os maiores outsiders, mas vamos tentar. O futebol tem uma coisa bonita, em que às vezes o inesperado acontece. Vamos tentar fazer uma boa figura!
Vídeo sugerido: