Ex-Sporting conta vida difícil: bebida, pensamentos suicidas e depressão profunda
Matheus Pereira fez 27 jogos com a camisola principal do Sporting (A BOLA)

Ex-Sporting conta vida difícil: bebida, pensamentos suicidas e depressão profunda

INTERNACIONAL19.04.202411:23

Jogador formado no Sporting fala de todas as dificuldades por que passou

Matheus Pereira, que fez toda a formação no Sporting depois de emigrar com a família do Brasil para Portugal – desligou-se dos leões em definitivo em 2020 – abriu o coração e contou várias dificuldades por que passou na vida, desde parte da infância separado dos pais, que já tinham emigrado, até passar por momentos de depressão e até pensamentos suicidas na passagem pelos Emirados Árabes Unidos. Agora está mais feliz, entrando na segunda época no Cruzeiro, de volta ao Brasil.

Aos 27 anos, parece estar a caminho de estabilidade na saúde mental, mas o pico de inconstância, contou ao The Players Tribune, aconteceu nos Emirados, quando representou o Al Wahda, em 2022/23, por empréstimo do Al Hilal, da Arábia Saudita, hoje em dia treinado por Jorge Jesus. Morava com a mulher num apartamento de hotel e bebia. Treinava bêbado.

O fundo do poço e as palavras de Luís Castro

«Para mim era tudo escuridão e desespero. Estava cansado e cansado de ficar cansado. Queria livrar-me de sofrimento que nem entendia de onde vinha. Havia noites em que  bebia três garrafas de vinho. Treinei bêbado várias vezes e cheguei a ser internado no hospital com hipocalemia [níveis de potássio no sangue muito baixos] e a soro, porque eu não comia, só ingeria álcool. Um dia abri a janela do nosso apartamento com uma vista espetacular e só não me atirei porque a minha mulher foi mais rápida. Agarrou-me, puxou-me para dentro e ficámos sentados a chorar abraçados», conta. Depois disso ainda saiu de carro sem rumo, pensou até atirar-se de uma ponte, mas um telefonema da irmã a dizer que ia ser tio e uma avaria no carro abriram-lhe os olhos. Decidiu sair do Médio Oriente e deixar de jogar.

Matheus Pereira no Al Hilal (Imago)

Matheus recordou então palavras de Luís Castro, quando esteve no Chaves emprestado pelo Sporting (2017/2018). «Haverá sempre estrelas a iluminar o céu». Nessa altura partilhou com o treinador português dificuldades que sentia, referindo que no Sporting já tinha fumado cannabis e o seu comportamento errático tinha levado o leões a cedê-lo por empréstimo. A Castro acabou por contar todas as frustrações, recebendo bons conselhos. « ‘Miúdo, na vida, às vezes, quando a gente não consegue sozinho, tem que deixar outro guiar. Fique calmo. Haverá sempre estrelas a iluminar o céu, mesmo que não as vejas por causa dos dias nublados’. O futebol mais uma vez estendia-me a mão, agarrei-me a Deus e fui melhorando».

Matheus Pereira em Chaves com Luís Castro (ASF)

Sucesso e Médio Oriente

Ainda sob contrato com o Sporting foi depois emprestado ao Nuremberga, da Alemanha (2018/19) e depois o West Bromwich, de Inglaterra (2019/21), mas na vida pessoal tinha ainda problemas, tendo decidido cortar relações com os pais. «Tive de tomar uma decisão muito difícil: afastar de vez dos meus pais, cortei todos os contactos. Em duas temporadas estive bem no West Brom, mas depois aconteceu a pandemia de Covid, os clubes cortaram investimentos. Apareceu uma proposta absurda do Al-Hilal, da Arábia Saudita, e mudei-me», recorda. O afastamento da comunidade cristã que tinha em Inglaterra é apontado como fator para a depressão já referida.

Infância difícil e os pais em Portugal

A relação com os pais foi sempre difícil e o começo de vida ficou marcado por uma pneumonia aos dois anos, que lhe valeu internamento. «Só escorreguei para o lado da vida porque certa tarde o meu pai apareceu com uma bola de futebol e ela me encheu da energia que eu precisava para sarar», recorda. O pai foi o primeiro a mudar-se para Portugal, depois a mãe, e ele, com 11 anos, e quatro irmãos, ficaram a cargo de uma avó cega e surda num bairro que não era dos melhores: «A minha educação dali para frente seria responsabilidade de uma senhora de idade que não falava nem ouvia. Para completar, uns tios meus que também moravam ali estavam envolvidos com tráfico de drogas.»

A mãe voltou entretanto e, mesmo sem documentos legais, entrou em Portugal e começou a jogar futebol aos 13. Aos 15 conseguiu visto e assinou contrato com o Sporting, indo morar nas instalações do clube para jovens: «Mais uma vez sem ninguém olhando por mim ou me falando sobre as coisas importantes, fui brincar na beira do abismo.». Drogas leves, bebida, dinheiro ganho gasto na noite.

A esperança

Foi um Brasil-Senegal disputado em Alvalade em junho de 2023 que acabou por lhe dar um empurrão para não desistir de jogar: «Naquela altura, eu já tinha prometido que não voltaria para a Arábia e não cumpriria o resto do contrato no Al-Hilal. A Seleção Brasileira foi fazer um amigável contra o Senegal em Alvalade, o estádio do Sporting. Estava com tempo, comprei bilhete e fui assistir. De repente, sentado na bancada, fiquei emocionado…»

Foi contactado em julho pelo Cruzeiro e foi. «No Cruzeiro eu reencontrei mais do que paz. Reencontrei-me. Parece bobagem, mas não é. Porque no meio da escuridão, e eu andei muito por lá, a coisa mais difícil que há é conseguir reconhecer-me. A terapia ajudou-me muito e as estrelas guiaram-me.»

LINHA SOS VOZ AMIGA

Linha de apoio emocional e prevenção ao suicídio: 213 544 545 / 912 802 669 / 963 524 660 (diariamente das 15h30 às 00h30)