Ex-FC Porto recorda noite com Mourinho: «Não posso correr o risco de voltar com um olho negro»

NACIONAL13.11.202409:02

Grzegorz Mielcarski representou o FC Porto entre 1995/1996 e 1998/199

Grzegorz Mielcarski, antigo avançado polaco que passou pelo FC Porto entre 1995/1996 e 1998/1999, recordou a passagem pelo Dragão, onde se cruzou com José Mourinho, na altura adjunto de Bobby Robson.

«Voámos num jato, éramos quatro pessoas: o presidente Pinto da Costa, o treinador Bobby Robson, Józek Mlynarczyk e eu. Havia muitos jornalistas e fotógrafos no aeroporto. Um rapaz bastante jovem também estava à minha espera: calções curtos, chinelos de dedo, cabelo comprido, t-shirt. 'Olá, sou o José Mourinho, um dos adjuntos e tradutor do Bobby Robson, vou levá-lo a uma das clínicas daqui para fazer um check-up'. O caso da minha transferência do Widzew Lodz para o FC Porto arrastou-se durante várias semanas. Os jornalistas portugueses sabiam que algo se passava. Cheguei ao estádio para o referido jogo do dérbi de táxi. O meu carro tinha sido roubado. Saí do carro e ouvi o som de flashes. Mais tarde, descobri que não podiam ser fotojornalistas polacos, porque nenhum deles tem este tipo de objetivas. De volta a Portugal, o colega de Józek Mlynarczyk mostrou-me um artigo intitulado: 'Quem é Mielcarski? Até agora, sabemos que não tem telemóvel e que anda de táxi'. E foi assim que tudo começou», começou por contar, em entrevista ao TVP Sport.

Grzegorz Mielcarski (IMAGO / Newspix)

«O capitão era o lateral João Pinto, com mais de 30 anos. E pergunta: 'Bebes vinho branco?' Não. 'E tinto?' Também não. 'Então não vais jogar no nosso país'. Depois perguntou-me que palavras conhecia em português. Eu não sabia praticamente nenhuma. Enumerou alguns palavrões básicos e ordenou: 'Tens até amanhã para os aprender'. Pouco tempo depois, estávamos a jogar o torneio anual da Invicta, onde os adeptos podem ver os novos reforços do clube. Éramos sete e jogámos contra o Deportivo da Corunha, o Coventry e o Vitória de Guimarães. Fui eleito o melhor jogador do torneio, o melhor marcador foi Domingos Paciência, o principal avançado da equipa. 40 mil pessoas aplaudiram-me e eu estava preocupado se seria capaz de jogar sempre assim. Mentalmente estava em alta na altura, era levado pela motivação, pela vontade de me mostrar, lutava por três, jogava sempre de forma agressiva, era forte. Ouvi do capitão que se jogasse sempre assim, manteria o meu lugar no plantel. No quarto convivi sobretudo com Paulinho Santos, que me levava para todo o lado. Tentei integrar-me na equipa, não evitava ninguém, jogava às cartas mesmo sem perceber uma palavra», prosseguiu, admitindo que aprendeu a falar português ao fim de um ano e meio.

«O FC Porto trouxe o guarda-redes Andrzej Wozniak do Widzew. Fiquei contente, porque ia ter um compatriota, porque ia ter alguém com quem falar, porque ele ia estar no quarto comigo. Nada disso. Os nossos colegas não nos permitiam falar polaco, davam muita importância à integração na equipa. Os portugueses não falavam inglês ou falavam-no mal. Uma vez, durante um jogo de cartas, o Secretário perguntou-me: 'Quanto é que ganhas?'. Eu não queria dizer, na Polónia não se fala de dinheiro, pensei que estavam a gozar comigo. Não disse nada. No dia seguinte, o Secretário trouxe o seu contrato para o balneário e mostrou-mo. Quando me gabei do salário, começaram a rir-se. Mas sem qualquer malícia. Na altura, estava sentado com sete portugueses que ganhavam mais, mas eu não tinha o contrato mais baixo da equipa», atirou.

Sobre a relação com José Mourinho: «Inicialmente, passava a maior parte do tempo com os capitães do FC Porto, a assistir aos jogos do campeonato. Falava com sensatez, dava conselhos valiosos. Uma vez por semana, Robson deixava-o arbitrar um jogo de treino de 20 minutos. E naquele tempo não havia piadas. Quem não concordasse com ele era expulso do campo, não havia santos. Uma vez transferiu Vítor Baía para as reservas. Chegou atrasado ao treino e Mourinho mandou-o mudar de roupa noutro balneário. Baía não gostou e foi ter com o presidente, que gostava dele como um filho, e disse: 'Ou era eu ou Mourinho'. Pinto da Costa pôs os olhos no treinador. O mesmo aconteceu uma vez com Fernando Santos. Depois de alguns jogos fracos, o presidente entrou no balneário e disse: 'Se pensam que o vou despedir, estão muito enganados. Aqui está um contrato de dois anos com o Fernando Santos, ele vai ficar. Quem não concordar com isso, convido-o a ir ao meu gabinete agora ou amanhã. Vamos rescindir imediatamente o contrato por mútuo acordo.»

Grzegorz Mielcarski foi adjunto de Fernando Santos na seleção da Polónia (IMAGO / Newspix)

O ex-jogador contou também uma história relacionada com José Mourinho, em 2002, quando este era o treinador principal do FC Porto.

«O FC Porto defrontou o Polonia Varsóvia na primeira ronda das eliminatórias da Taça UEFA. Mourinho foi a Varsóvia para assistir a um dos jogos e, à noite, sugeriu uma saída. Eu não conhecia Varsóvia, apanhámos um táxi no centro e disse ao motorista para nos levar a algum lado. Fomos até aos arredores de Varsóvia. Havia um segurança à entrada com um taco de basebol, o Mourinho fez uma cara feia e decidimos voltar para trás. Disse ao motorista para nos levar a uma discoteca. Parámos e dois tipos saíram de lá e começaram a lutar e a puxar-se um ao outro. José ficou novamente aterrorizado. ‘Não posso correr o risco de voltar para o Porto com um olho negro'. Fomos para o hotel onde ele estava hospedado. Ele queria levantar dinheiro no multibanco, mas a máquina bloqueou o cartão. Era domingo e ele não tinha ninguém para o levantar. 'Não te preocupes, já liguei para o banco e bloqueei-o', diz. Talvez até hoje o cartão de José Mourinho ainda esteja algures na receção do hotel», afirmou.

Grzegorz Mielcarski  abordou ainda a rivalidade do FC Porto com Benfica e Sporting: «Aprendi que, quanto mais sério fosse o jogo, mais reação poderia haver nos treinos e no hotel na semana anterior. Podia-se jogar às cartas, havia muitas gargalhadas. Tínhamos mais stress antes dos jogos contra o Vitória de Setúbal e equipas médias semelhantes. Depois, era claro que tínhamos de ganhar. Com o Benfica ou o Sporting, mais ricos, tudo podia acontecer. Quando há tensão' o corpo não se movimenta em campo. Quando se joga descontraído, voa-se. Antes dos jogos contra os clubes médios, não havia cartões, telefonemas ou outras tolices e, em campo, a folga só aparecia quando se estava a ganhar por dois golos de diferença. Claro que, nos confrontos com os clubes de Lisboa, a luta em campo ia até ao fim. Numa ocasião, Paulinho Santos partiu o maxilar de João Pinto, do Benfica, colega de equipa da seleção de Portugal. Recomendo a todos que visitem o museu do clube do FC Porto, onde se pode ver, entre outras coisas, uma recriação, um a um, do autocarro que a equipa utilizava para percorrer a cidade, celebrando a conquista da Taça dos Campeões Europeus em 1987. Está decorado com uma fotografia de Jozef Mlynarczyk, que na altura defendeu a baliza do FC Porto. Nunca nada foi fácil para este clube, que deve todos os seus êxitos ao seu caráter, dedicação e empenho.»