ENTREVISTA A BOLA Bruna Lourenço trocou o Sporting pelo Celtic: «Jogar no estrangeiro era um objetivo. Seleção? Acontecerá…»
Defesa-central rumou a Glasgow depois de oito épocas e (muitos) títulos no (também) emblema verde e branco. Experiência positiva e com o sonho da Liga dos Campeões. Regresso à equipa das Quinas está no horizonte
Como é que está a correr a adaptação ao Celtic e à Escócia?
Achei que ia ser mais complicado. Acabou por ser uma adaptação bastante tranquila. Com alguns altos e baixos, é certo, devido às grandes diferenças, nomeadamente ao nível do tempo, algo que afeta sempre um bocadinho a nossa forma de estar durante o dia. O verão foi bastante chuvoso, ultimamente tem estado mais algum sol, portanto as coisas estão um pouco melhores. Mas o frio também anda por aqui [risos]. Ainda assim, eu recuso-me a usar muitas camadas de roupa durante os treinos porque quero guardá-las para o inverno [risos]. Mas tem sido uma adaptação tranquila, tenho estado a jogar e isso era o mais importante na minha vinda para cá. No fundo, as coisas estão a correr bem.
Olhando ao início da sua carreira, e sendo uma algarvia de gema, foi nessa região do País que começou a sua formação. O que recorda desse processo?
Foi uma fase muito bonita. E tendo em conta a evolução do futebol feminino em Portugal, agora, essa fase foi de uma diferença gigante para a atualidade. Mas acho que foi um caminho importante para mim. Jogar com rapazes foi muito bom, na altura ainda havia as equipas mistas. Nos dias de hoje, e na maior parte dos casos, já é muito mais fácil ter uma formação só com raparigas. Essa não era a minha realidade, uma vez que a minha formação foi feita com rapazes. Felizmente, e também com o apoio da Federação Portuguesa de Futebol e da Associação de Futebol do Algarve, também se foram alterando regras para que eu pudesse continuar a jogar com rapazes e isso deu-me outra intensidade e capacidade de liderança. No fundo, essa fase ajudou-me a evoluir.
Dá-se, depois, a mudança para o Sporting, onde esteve oito épocas, conquistou vários títulos e chegou à Seleção Nacional. Foi uma vida…
Digamos que foi a minha grande realidade no que concerne a equipas no futebol feminino. Foi um caminho muito importante. Houve, obviamente, altos e baixos, épocas em que joguei mais e outras em que joguei menos, mas foi um caminho de crescimento individual, tanto a nível desportivo como pessoal. Quando estamos a fazer algo que queremos muito, que é um sonho e um objetivo, as coisas tornam-se sempre muito mais fáceis. Sabemos para aquilo que vamos e sabemos aquilo a que estamos dispostos para atingirmos esse sonho. E foi um bocadinho isso que aconteceu. Na época antes de eu ir para o Sporting sabia que tinha de sair do Algarve e já estava preparada para esse passo. Felizmente que acabei por ir para um grande de Portugal e tive a oportunidade de acompanhar esse crescimento e essa aposta no futebol feminino que foi feita por parte do Sporting.
Conseguiu conciliar os estudos com o futebol? Como é que foi esse processo?
Isso foi sempre algo que eu defini como prioridade. Nem os meus pais deixavam que fosse de outra forma [risos]. Acabei o 12.º ano de escolaridade já em Alcochete e depois fiz a minha licenciatura. Não acabei em quatro anos, acabei em quatro anos e meio ou cinco. Mas está feito e isso é o mais importante. Sejamos sinceras, nós [jogadoras] temos muito tempo livre. Não é algo fácil [conciliar a vertente desportiva com a académica], vamos ser realistas, porque é impossível ter aulas e jogar futebol, mas é algo muito fazível e acho que com esforço e dedicação é possível. Tento passar isso às jogadoras mais jovens, quando falo com elas. A nossa realidade monetária não é a mesma que há no futebol masculino e nós precisamos sempre de um plano B para o futuro. Não digo que todas as jogadoras tenham de ir para a faculdade, não é isso que está em causa, porque nem toda a gente tem de ter uma licenciatura, mas pelo menos acabar o 12.º ano é sempre muito importante, seja em que área for.
Dois Campeonatos Nacionais, três Taças de Portugal, uma Supertaça. Foi um currículo cheio enquanto esteve no Sporting. Feliz?
[risos] Sim, claro. Felizmente que saí de um grande para outro grande, porque eu gosto dessa pressão. Mais do que encher o currículo, é viver essa pressão de ganhar títulos e disputar finais e jogar grandes jogos. Acho que é isso que um jogador de futebol quer. Gosto dessa pressão e dessa responsabilidade. O mais saboroso? Todos foram importantes. O primeiro campeonato foi importante porque, felizmente, tive um papel importante na equipa nessa época, apesar de ter-me lesionado no fim. Mas eu diria também a última Taça de Portugal, em 2021/2022. Na nossa primeira Taça de Portugal eu ia ser titular, mas lesionei-me no aquecimento, com toda a minha família e amigos lá… Pior dia da minha carreira? Talvez. Mas depois também acabou por ser um bom dia porque ganhámos e foi especial. Mas diria a última Taça porque é especial viver esse dia e jogar no Jamor com todas essas pessoas. Especial porque voltar lá depois de me lesionar, jogar e ganhar naquele ambiente fantástico foi muito especial.
Esta época dá-se a transferência para uma nova realidade, no Celtic. Tem sido Bruna Lourenço e mais 10. Como estão a ser estes primeiros tempos?
Estão a ser muito bons. Já estava a ser, mas depois de atingirmos a fase de grupos da Champions foi ainda mais especial. Jogar fora do país era um objetivo pessoal que eu tinha, concretizou-se esta época porque para ambas as partes seria o melhor, e a minha vinda para cá passava por desfrutar do futebol e ser feliz em campo. Isso está a acontecer, sinto-me cada vez melhor, a crescer individualmente e com a equipa, portanto, acho que por agora não posso pedir muito mais.
O campeonato escocês é mais competitivo que o português? Encontrou grandes diferenças ou, por outro lado, acha que há bastantes parecenças?
É um campeonato competitivo nas três equipas da frente, mas o fosso é maior que em Portugal. As equipas do fim da tabela são ligeiramente inferiores em relação às portuguesas. Isso é algo que também dá mérito ao crescimento das equipas portuguesas. Claro que em Portugal há duas ou três equipas que se destacam, mas há outras, do meio da tabela, que são capazes de roubar pontos às equipas da frente da tabela, algo que, de resto, aconteceu o ano passado. Aí, eu diria que o campeonato português é mais equilibrado até entre equipas de meio da tabela. O Celtic e o Glasgow Rangers estão ao nível de Sporting e Benfica, acho que sim. O campeonato escocês é mais físico, algo que também está a fazer-me crescer nos duelos e meter mais vezes o pé [risos].
Estão na Liga dos Campeões, num grupo com Chelsea, Real Madrid e Twente. Estamos a falar de um grupo duríssimo para o Celtic…
[risos] Sim, mas, sinceramente, também não havia grupos fáceis. Vamos ser realistas, nós seríamos sempre os underdogs de qualquer grupo. Sendo muito sincera, e tendo em conta os outros grupos, acho que até calhámos no melhor grupo. Obviamente que não vai ser fácil, mas também vai ser uma experiência muito boa para nós, que nos permitirá desfrutar da oportunidade e crescer enquanto equipa. Com jogos de tamanha dificuldade, é inevitável isso acontecer. Vai fazer-nos mais fortes, vai trazer-nos uma experiência que é o sonho de qualquer jogador e a minha escolha em vir para cá passou muito pela possibilidade de jogar Champions, nunca achei eu que ia chegar à fase de grupos, sendo muito sincera [risos]. Mas estou claramente a viver um sonho.
Tem apenas 25 anos. O que é que ainda tem por concretizar na carreira?
Por agora, só penso no Celtic. Tenho dois anos de contrato e por enquanto será por aqui. Mas gostava muito de experimentar o futebol espanhol ou o inglês, porque são campeonatos de topo na Europa. Mas deixo isso para o futuro, até porque também nunca pensei em vir para a Escócia e aqui estou.
Mas se houve algo que não lhe fez assim tanta diferença foi a cor do equipamento. Foi de verde e branco para… verde e branco.
[risos] Exato. Mas isso também se tiver de mudar, vamos mudar. Sou profissional [risos].
A Bruna teve dezenas de internacionalizações pelas camadas jovens de Portugal e soma também um jogo pela Seleção A. Esse foi o melhor momento da sua carreira? Que perspetivas tem para o futuro na Seleção A?
Foi obviamente um dos melhores momentos porque foi sempre um objetivo que tive e concretizá-lo tornou-se num dos melhores momentos da minha carreira. Eu nunca escondi que o objetivo individual passa sempre por chegar à Seleção, infelizmente ainda não consegui essa consistência e assiduidade, mas é algo que continuo a procurar. A época passada também foi mais complicada e esta época passa por ser feliz em campo e desfrutar do futebol. Não estou a forçar nada, estou a fazer o meu caminho e acredito que aquilo que tiver de acontecer, acontecerá. Por enquanto, estou feliz pelo que que estou a fazer, estou orgulhosa de mim. Acredito que se estiver feliz e a trabalhar para mim, continuando a evoluir como estou, as coisas podem acabar por acontecer. Mas mais importante do que tudo é mesmo desfrutar e depois esperar. Essa parte [convocatória para a Seleção] já não depende de mim, o que depender de mim eu vou fazer. Depois, as coisas podem ou não acontecer e eu espero que sim.
O futebol feminino em Portugal teve, recentemente, mais um grande impacto, com a entrada do FC Porto em competição. Enquanto mulher e jogador, ficou feliz com este facto?
Sim, claro. Obviamente que o FC Porto é um grande em Portugal e isso ainda intensifica mais essa importância. Até poderia ter acontecido mais cedo, mas acabou por ser agora e teve logo um impacto que ficou refletido no recorde de assistências num jogo amigável no Estádio do Dragão. Claro que ser um clube grande intensifica essa importância, mas acho que ficamos felizes por todas as entradas de clubes no futebol feminino. Porque depois também temos o contraste do Vilaverdense, que passou ali uma fase má no início da época, sem conseguir disputar a Taça da Liga. Portanto, acho que é importante a valorização do futebol feminino e a entrada de clubes com condições e que podem trazer mais jogadoras para o futebol feminino. Existe cada vez mais formação em Portugal, o que vai trazer mais jogadoras e é importante mantê-las em Portugal e aumentar essa competitividade, porque vai haver muito mais qualidade nas gerações futuras. Acredito que é importante aumentar a qualidade do futebol português e para isso é preciso termos mais equipas e com mais condições que permitam às jogadoras profissionalizarem-se e fazerem esse caminho. A Federação Portuguesa de Futebol tem feito essa aposta e o futebol feminino tem tido um crescimento brutal, algo que também é visível no caminho da nossa Seleção, como por exemplo nos dois últimos Europeus e no último Mundial. É um crescimento que é visível para todos e que tem muito trabalho por trás, não só das gerações de agora, como também de gerações anteriores. E também por isso é que estamos aqui. Acho que é, obviamente, um caminho positivo e que temos de continuar, porque acredito que ainda há muito por fazer.
Depois de um crescimento tão sustentado e competente nos últimos anos, até onde pode chegar a Seleção Nacional no futuro?
Vejo a nossa Seleção presente em todos os Europeus e Mundiais. Se, antigamente, seleções de grande nível olhavam para nós como uma seleção bastante inferior, isso agora já não acontece. Já jogamos olhos nos olhos com todas as seleções e isso foi visível no Mundial, com a nossa prestação. Acho que a partir daqui é só continuarmos a crescer e vêm aí muita qualidade nas gerações que estão a aparecer. Acho que podemos sonhar com grandes coisas.