ENTREVISTA A BOLA Antigo atleta olímpico do Benfica ajuda Florentino a quebrar barreiras
Jorge Paula é um dos mais rápidos barreiristas portugueses de sempre nos 400 metros, esteve nos Jogos Olímpicos de Londres e agora é 'personal trainer' de jogadores importantes. Em exclusivo, revela o trabalho que faz com o médio dos encarnados e como ajudou e foi ajudado por Nélson Semedo
— Atleta olímpico nos 400 metros barreiras, mais de uma década ligado ao projeto olímpico do Benfica, e, agora, aos 40 anos, é um respeitado personal trainer, com ligações aos mais variados desportos. Quem é, afinal, Jorge Paula?
— Desde muito cedo que sou apaixonado pelo desporto, pelo futebol principalmente, lembro-me de fazer desporto praticamente desde sempre. Fiz basquetebol, hóquei em patins, futebol e, finalmente, atletismo.
— O atletismo ganhou uma dimensão diferente na sua vida. Passou por clubes como Benfica, Sporting e SC Braga e chegou aos Jogos Olímpicos de 2012.
— Sou um jovem da linha de Sintra, sempre fui muito apaixonado pelo futebol, comecei a jogar federado aos 8 anos e o atletismo só surgiu na minha vida por volta dos 10, 11 anos. Por acaso, fui acompanhar amigos que iam fazer uma prova, estava na bancada simplesmente a ver, mas um professor chamou-me e perguntou se queria participar, só na brincadeira. Fui, participei, tive um bom resultado e ele perguntou-me logo se eu não queria juntar-me à equipa de atletismo da escola. E foi assim que comecei no desporto escolar, na brincadeira. Cedo percebi, porém, que tinha algum jeito e ganhei duas paixões. Até aos 16 anos pratiquei atletismo e o futebol chegou numa altura em que as coisas já estavam a ficar muito sérias e eu tive de tomar uma decisão e acabei por escolher o atletismo. A camaradagem, a amizade, os conceitos que ia aprendendo tornaram-me um homem e como atleta fiz a escolha certa. E tenho a sexta melhor marca nacional de sempre nos 400 metros barreiras.
— No Benfica, abraçou o projeto olímpico.
— Estive lá 12 anos e o projeto olímpico deu-me todas as condições para que fosse possível tornar o meu sonho realidade. Tive a sorte de ter as pessoas certas a meu lado, treinadores, departamento médico, colegas de treino, ajudaram-me a chegar ao patamar mais elevado do desporto mundial. Enquanto atleta, chegar aos Jogos Olímpicos foi um pouco agridoce, porque cheguei lá com uma lesão grave, estava no topo da minha carreira e ao mesmo tempo o mais limitado possível. Fiz a promessa de que aqueles primeiros Jogos iam ser só para conhecer e os segundos para competir, mas depois tive várias lesões, várias operações, e não foi possível chegar aos segundos Jogos Olímpicos.
— E chegamos ao personal trainer, ou, simplesmente, PT. Como é que se dá esse passo?
— Tem a ver com as minhas origens. Venho da zona de Sintra, de um bairro problemático, onde muitos jovens seguem o caminho que não é o mais correto. E eu sempre tentei ser um exemplo, uma referência na minha comunidade, sempre tentei aproveitar o meu dom e as minhas capacidades para incentivar e ajudar os outros. E, numa dessas situações, procurei ajudar o meu grande amigo Nélson Semedo, um amigo de infância e um grande amigo do meu irmão mais novo, pois cresceram juntos e jogaram juntos. Tentei ajudá-los a desenvolverem as suas capacidades físicas. E lembro-me de uma conversa em que o Nélson me diz: ‘acho que deverias mesmo seguir isto, tens mesmo jeito para dar treino, acho que deverias aproveitar’. Fui sempre um bocadinho contra, sempre gostei muito de contabilidade e economia, mas agora percebo que a minha ligação ao desporto vai ser para sempre.
— E o que tem um barreirista olímpico para ensinar a um jogador de futebol?
— O exemplo das barreiras. Muitas vezes as barreiras travam as pessoas. Toda a minha carreira foi ultrapassar barreiras. É uma mentalidade de sucesso para a vida, devemos ver as dificuldades como barreiras e não como objetos insuperáveis. Há sempre uma forma de superar as barreiras e tento passar essa ideia, no contexto desportivo ou no dia a dia.
— Como é trabalhar com Florentino Luís, médio do Benfica? Pode, por exemplo, torná-lo mais rápido?
— Acima de tudo, sou um privilegiado por poder trabalhar com um profissional como o Florentino. Toda a gente sabe o seu empenho e a sua dedicação. E ele tem qualidades físicas impressionantes, qualidades a nível físico e a nível mental. Muitas vezes, passa a sensação de não ser assim tão rápido, mas ele é o que costumo chamar de falso lento. Tem muito a ver com a sua postura de corrida. Se o metermos numa passadeira de alta velocidade, vamos ser surpreendidos e ele vai atingir altos picos de velocidade, é aquilo que me transmite nos treinos, pelo que tenho a certeza de que vai continuar a evoluir bastante. No mundo do futebol há muitos jogadores que têm só a mentalidade do jogo, parece que a semana não conta.
— Em relação a Florentino, como funciona?
— O Tino é, sem dúvida, daqueles exemplos de grandeza dentro e fora do campo. Ele rodeia-se de boas pessoas, tem uma excelente equipa, é um excelente profissional. Tem muito cuidado com a alimentação, com a recuperação, com o treino e é por isso que está onde está. Desde muito novo que o Florentino tem uma visão diferente. Sabe o que quer, sabe onde quer ir e tem trabalhado constantemente, diariamente, para chegar lá. E é isso que faz dele o atleta que é hoje e tenho a certeza de que ainda vai crescer muito mais.
— Os clubes de futebol aceitam bem o trabalho de um PT?
— Faz falta, mas penso que o mais importante, acima de tudo, é ter de haver comunicação. Comunicação clara entre o jogador e o preparador-físico com os clubes para não sobrecarregar os trabalhos. Cada vez mais as equipas têm bons preparadores-físicos, mas sabemos também que os plantéis são vastos e que cada jogador tem as suas necessidades e muitas vezes há essa abertura de trabalhar fora para benefício do clube. Desde que estejam em sintonia, acho que é o caminho a seguir. Por exemplo, na NBA e no futebol americano é muito usual os jogadores fazerem um excelente trabalho no clube e depois, à parte, terem um staff que os ajuda a serem mais fortes.
— Já nos falou da importância de Nélson Semedo na sua transição do atletismo para a carreira de PT. Fale-nos desse trabalho com ele.
— O Nélson foi também, desde cedo, um dos grandes exemplos que vi. A mentalidade, a capacidade de esforço e resiliência que colhem frutos. Ele, já na altura, era um atleta dedicado. Lembro-me de alguns que, à mínima dificuldade, paravam e ele, mesmo que vomitasse, queria sempre continuar. Dizia sempre: ‘não!’ Eu dizia, ‘Nélson, pá, já chega’, e ele dizia, ‘não, não, faltam mais três, é mais três.’ Ou seja, se eram três, era para fazer as três [séries]. Ele não gostava de deixar as coisas a meio. E é essa capacidade e mentalidade que ele tem, trabalhar sempre a 100 por cento. Lembro-me, na altura, de pensar: ‘ele vai longe’. E é curioso porque quando ele foi para o Benfica estava na equipa B e já trabalhava muito. O médico que o acompanhava, o Dr. Ricardo [Antunes] – passou depois para a equipa principal do Benfica e dou-me muito bem com ele, era o meu médico na seleção –, dizia-me ‘Jorge, o Nelsinho é uma máquina, ele vai vingar, de certeza, ele vai vingar, mais cedo ou mais tarde, ele vai vingar’. Era uma questão de oportunidades e ele ia explodir e foi o que aconteceu, mal teve uma oportunidade na equipa principal. É a garra, o empenho, ele dá tudo e não tem medo das consequências. Fico muito feliz com o sucesso que ele teve e uma das coisas que eu aprendi com ele foi exatamente isso: entrega e compromisso dão sempre frutos.