ADN do Sporting garantido de pais para filhos
Quatro atuais jogadores da formação têm progenitores que jogaram de leão ao peito; Quaresma, Silas, Marinho e Luís Filipe têm misto de emoções; descendente de Carlos Martins assinou há dias
Orgulho. É o sentimento unânime de quem vê os seus rebentos pisarem caminhos por si já percorridos. Orgulho, talvez seja das palavras mais utilizadas pelos pais quando se referem aos filhos. Neste texto falamos de quatro orgulhosos pais que apoiam os filhos numa escolha pessoal, que lhes enche o peito e engrandece a alma. Então, mas, o que têm em comum Ricardo Quaresma, Silas, Marinho e Luís Filipe, além de terem sido jogadores do Sporting?
Os filhos são aspirantes a jogadores profissionais e jogam todos de leão ao peito. Sem rótulo por seres descendentes de quem são, assim querem os progenitores que, a A BOLA, não escondem que a pulsação acelera e os nervos ficam à flor da pele de cada vez os seus petizes entram em campo.
«Fico feliz porque vejo que o meu filho além de me deixar feliz ele é feliz, isso é o que me importa, eu sentir que ele é feliz no que faz. É o mais importante olhar e ver que ele respira futebol e tem paixão pelo futebol. Então, enquanto ele tiver essa paixão é desfrutar e aproveitar, tem onze anos, não é por ser meu filho, mas tem muita qualidade. É deixá-lo voar», começou por dizer Ricardo Quaresma, que ingressou no Sporting aos 10 anos e nas camadas jovens já usava a famosa trivela, que chegou a fazer com que fosse convidado a sair de um treino.
Enquanto ele tiver essa paixão é desfrutar. Tem muita qualidade... É deixá-lo voar
Boloni foi o treinador que apostou nele, chamou-o para a pré-época em 2001/2002, estreando-se nos seniores num clássico logo na 1.ª jornada, em que o Sporting venceu o FC Porto (1-0). A partir daí, foi sempre a subir.
O filho, com o mesmo nome do pai, mas que no futebol é tratado por Ricky, já se destaca nos sub-12. Tem nos ombros o peso do apelido Quaresma e nos pés a magia de Harry Potter, e até já marcou de… trivela, pois claro.
«É uma nova geração, para os pais de uns já acabou, para outros está a acabar. Ver esta geração a seguir as pisadas dos pais todos nós ficamos felizes. Fico supernervoso de ver o meu filho a jogar, fico mais nervoso de o ver de que quando eu jogava. Agora entendo o porquê de a minha mãe, às vezes, dizer que quando eu fosse pai ia perceber os nervos dela, Tinha razão, às vezes estou a ver um jogo dele e leva uma pancada e parece que sou eu que estou a levar essa porrada, mas, ao mesmo tempo, é engraçado esse sentimento de o ver a jogar e a fazer coisas bonitas, é fantástico e um motivo de orgulho», disse, embevecido, Ricardo Quaresma.
Sofrer em dose dupla
Marinho, que cumpriu formação no Sporting e ainda estreou a Academia, em 2001/2002, tendo jogado na equipa B dos leões, cujo momento áureo foi a conquista da Taça de Portugal ao serviço da Académica, precisamente frente ao Sporting, em que marcou o golo da vitória (1-0), sofre em dose dupla: Duarte Tomás (sub-15) e Dinis Tomás (sub-12) são seus filhos.
Duarte até já foi viral nas redes sociais, após gesto extrovertido aquando de uma entrada em campo com a equipa principal do Sporting.
«Sinto orgulho, não posso esconder. Eles já são um orgulho, mas também no futebol enchem-me de orgulho. São apaixonados por um desporto pelo qual também sou. Claro que sou o torcedor principal, eu sou o fã número um dos dois», realçou.
São apaixonados por um desporto pela qual eu também sou. Eu sou o fã número um dos dois
Tenta acompanhar os filhos sempre que pode, mas, às vezes, é preciso dividir presença com a mãe Ana: «Sofre-se muito mais. Não a pensar que eles vão ser jogadores amanhã, mas no querer que estejam bem. Tenho grande conhecimento do que eles estão a fazer, vejo com olhar diferente, ou o que eles não estão a fazer [risos]. Este ano tem sido mais difícil vê-los todos os fins de semana. O mais velho está a jogar no campeonato da zona centro, em que a deslocação mais perto é Alverca, perde-se muito tempo em viagens. Mas, o sacrifício nunca foi nosso, enquanto joguei não fazia sacrifício, eles também não fazem, o sacrifício é maior para a mãe, que já tem um mestrado nestas andanças, primeiro comigo e agora com os filhos [risos].»
Ferramentas para a vida
Silas, que além de ter passado dois anos na formação dos leões (de 1987 a 1989) foi treinador da equipa principal (2019/2020), também tem dois filhos jogadores: Santiago Fernandes, que já passou pelo Benfica, joga de leão ao peito (sub-13) e o irmão, Gonçalo, é jogador do Cova da Piedade (sub-17).
Se é para jogar é para ser a sério, não é para dizer ‘ah hoje não me apetece treinar’
«A mim não me importa onde jogam, são escolhas feitas por eles, desde que joguem, pelo menos até ao primeiro ano de sénior, entendo que podem recolher ferramentas para a vida, que desfrutem, mas se é para jogar é para ser a sério, não é para dizer ‘ah hoje não me apetece treinar’ [risos]. São coisas que vão levar para a vida, por isso, têm de se empenhar. É o que procuro no futebol. Se quiserem ser profissionais cá estarei para os apoiar. Trabalhar em equipa, ultrapassar insucessos, interessa-me mais que aprendam isso», realçou o atual treinador do Mafra.
Fazer sacrifícios
Martim Diogo, jogador dos sub-14 dos verdes e brancos, é filho de Luís Filipe, antigo extremo-direito, que no primeiro ano de Sporting (2001/2002) foi campeão nacional e ganhou a Taça de Portugal, não ouve muito os conselhos do pai, mas ambiciona chegar à profissionalização.
Desde muito pequeno que diz que quer ser jogador, mas é um caminho longo e difícil, é bom que tenha esse sonho
«É um percurso natural, está numa fase em que se deve divertir, com responsabilidade, mas divertir-se. Torço por ele porque é o que gosta de fazer. Desde muito pequeno que diz que quer ser jogador, mas é um caminho longo e difícil, é bom que tenha esse sonho, correr por algo que ambiciona, perceber que tem de fazer sacrifícios, é bom para o crescimento dele, nem todos chegam lá, mas há que manter o foco. Se ouve os meus conselhos? É sempre difícil… Já pouco ouvem os pais [risos]. Às vezes até lhe dizem que devia dar-me mais ouvidos, porque fui jogador e sei do que falo. Sendo pai não aceitam certas críticas, acham que os pais estão contra eles», realçou.
Se ouve os meus conselhos? É sempre difícil… Já pouco ouvem os pais [risos]. Às vezes até lhe dizem que devia dar-me mais ouvidos, porque fui jogador e sei do que falo. Sendo pai não aceitam certas críticas, acham que os pais estão contra eles», realçou.
As conversas pós-jogo
Estes quatro pais dizem presente nos jogos dos filhos e, claro, no final, já dentro dos carros no regresso a casa, a conversa gira em torno do que foi a atuação dos jovens.
«Perguntam-me sempre ‘o que é que achaste?’ E eu respondo com uma pergunta ‘Como é que te sentiste e o que é que achaste?’ Não coloco pressão do género ‘tens de fazer tudo bem’, embora eu perceba onde é que erram. Muitas vezes já sentem essa pressão porque o pai foi jogador, e pensam ‘não o posso desiludir’. E como são dois há sempre comparações, ele corre mais do que eu, eu remato melhor... Mas, consigo ser comedido», contou Marinho.
Luís Filipe diz que o olho clínico de quem já lá esteve dentro, como se diz na gíria, está sempre presente: «É mais forte do que nós, olhamos o jogo de maneira diferente. Andámos lá dentro, sabemos ver o futebol de outra maneira. E é difícil não falar sobre isso. Seja no futebol ou noutra área, tento sempre apontar o positivo e o negativo, sempre foi a minha vida e tento dar-lhe ferramentas para tentar ser melhor.»
Já Silas é mais comedido: «Não gosto muito de dar a minha opinião, porque posso dizer algo que seja contrário àquilo que o treinador entende.»
Nani também orgulhoso
No passado mês de abril, através das redes sociais, Nani deu a conhecer que o filho mais velho, Lucas da Cunha, de 9 anos, tinha assinado pelo Sporting. Entretanto, Lucas já não joga de leão ao peito, tendo acompanhado o pai na ida para a Turquia, onde o extremo formado no Sporting representa o Adana Demirspor.
Do aprimorar a técnica aos vídeos no ‘Youtube’
A cumplicidade entre pais e filhos sai reforçada com a partilha da paixão pelo futebol, de experiências e, claro, de sorrisos na cara e chuteiras nos pés.
«A nível técnico vou dando umas dicas. E fazemos treinos num campinho perto da nossa casa, para tentar melhorar algumas coisas. São brincadeiras de pais com filhos, às vezes sou eu que desafio: ‘vamos jogar um bocadinho’ e há sempre espaço para trabalhar algumas coisas tecnicamente», confessou Silas.
Marinho senta-se no sofá com os petizes e é sempre feliz o serão a desfiar o novelo das recordações: «Às vezes entramos em comparações, vamos buscar fotografias, sempre de forma salutar e em tom de brincadeira. Querem ser jogadores profissionais, o mais velho ainda tem algumas recordações mais presentes do meu tempo de jogador, o mais novo vai ver ao Youtube e faz comentários do género ‘afinal até jogavas bem’ [risos].
Luís Filipe tenta passar ao filho Martim a sua perspetiva com exemplos da experiência vivida: «Não tive um caminho tão facilitado, mas vejo que está num patamar elevado na formação de uma das melhores academias do mundo. É um caminho difícil de trilhar, mas o importante é fazer o que gosta. Eu cá estarei para ajudá-lo a ser feliz, mas, para isso, tem de estar realizado.»
Cristianinho à leão
Em 2019 o filho mais velho de Cristiano Ronaldo, Cristianinho, participou num treino do Sporting e, no último verão, no Algarve, realizou treinos personalizados de alta performance com o equipamento dos leões, fazendo as delícias dos adeptos.
Entusiasmo (des)medido
Quaresma vibra com o sonho de Ricky, que já lhe confidenciou tê-lo como referência, mas o antigo jogador deixa alguns alertas para os pais cujo entusiasmo, por vezes por ser excessivo. «Hoje em dia os pais deviam meter uma coisa na cabeça: ninguém é igual a ninguém, e não se pode meter tanta pressão num miúdo de dez, onze anos. Primeiro porque não sabemos se vai dar jogador, é impossível alguém dizer isso. No futebol o que hoje é verdade, amanhã é mentira e passam-se ene coisas até chegar lá acima. Por isso é aquilo que peço é que alguns pais não ponham tanta pressão nos miúdos, deixem-nos desfrutar», realçou.
Foi ele que me pediu para ir para o Sporting, teve no FC porto não se deu bem
Quando ao futuro do filho, só deseja que seja feliz: «Foi ele que me pediu para ir para o Sporting, teve no FC porto não se deu bem. Ele já disse várias vezes que quer passarem por todo o lado onde eu passei, mas eu já lhe disse que ele não tem de pensar nisso, a vida é assim, ele é ele, eu sou eu, ele vai ter a carreira dele e eu tive a minha, espero que ele ainda consiga ser melhor do que eu e com pai fico feliz e desejo-lhe sempre o melhor.»
Por sua vez, Marinho não esconde alguma inquietude sobre um tema que considera ter cada vez mais importância na formação dos jovens: «Considero que o trabalho tem de ser mais mental do que apontar erros técnicos. A grande dificuldade desta geração vai ser mental, na resiliência, para dar a volta às adversidades. Chegam ao topo mais cedo, o que era impensável na minha geração. Atualmente um miúdo dos sub-15 já é conhecido no País. O trabalho de treinar a mente é tão importante como o trabalho de campo. Ponho-lhes os pés no chão, pois ninguém é jogador aos treze, quinze, dezasseis anos.»
Filho de Carlos Martins foi o último a assinar
Martim Martins, filho de Carlos Martins, antigo internacional português, é reforço do Sporting. O emblema leonino recrutou o jogador de 13 anos, que estava no Estoril, e que antes jogou no Malveira da Serra.
O pai, Carlos Martins, foi formado no Sporting e somou quase 100 jogos pela equipa principal leonina. Chegou a estar cedido a Campomaiorense e Académica, mas em 2007/08 saiu para o Recreativo Huelva, e daí foi transferido para o Benfica, onde fez mais de 100 jogos. Pelo meio teve um empréstimo ao Granada, e depois terminou a carreira no Belenenses.
«É voto de confiança de todos
no nosso processo formativo»
Tomaz Morais lidera a futebol de formação do clube de Alvalade, umé dos mais bem-sucedidos
a nível de formação a nível mundial, com Cristiano Ronaldo a ser a referência da cantera leonina.
Paulo Futre, Luís Figo, entre outros, despontaram para o futebol em pelados, com bolas pesadas e chuteiras de solas mais do que gastas. São dois exemplos de jogadores que não só vingaram como vieram a tornar-se mundialmente famosos tendo como trampolim um clube que, desde sempre, apostou nos seus jovens.
A 21 de junho de 2002, dia da inauguração da Academia, em Alcochete, o Sporting deu início a uma nova era no que ao capítulo da formação diz respeito. Um projeto profissional, bem organizado, com recursos dos mais modernos e mais bem equipados da Europa, a pensar no crescimento dos jogadores. Além de produzir jogadores para a sua equipa principal, o Sporting passou também a conquistar regularmente títulos nos escalões de formação, assumindo a liderança nesse sector. Cristiano Ronaldo desbravou caminho ao tornar-se no primeiro jogador da cantera da Academia a sair para o estrangeiro, depois de se ter afirmado na equipa principal, onde se estreou pela mão de Laszlo Boloni, a 14 de agosto de 2002, com apenas 17 anos, num jogo diante do Inter de Milão (3.ª pré-eliminatória da Liga dos Campeões), aos 58 minutos para o lugar de Toñito.
O resto? É história e os números falam por si. Desde 2020 a Academia passou a chamar-se Academia Cristiano Ronaldo, de modo a homenagear «o melhor jogador português de todos os tempos», como se lia na nota oficial do clube, e, assim, imortalizar o nome do maior símbolo de sempre que o Sporting formou e que será inspiração a seguir para os mais jovens.
Passadas mais de duas décadas desde a inauguração da Academia, novas gerações despontam para o estrelato, como são os exemplos de Ricky, Duarte e Dinis Tomás, Santiago Fernandes e Martim Diogo.
A BOLA falou com Tomaz Morais, atual diretor do futebol de formação do Sporting, que não escondeu o quão é importante é para o projeto dar continuidade ao ADN do dos leões.
«Para nós é um voto de confiança, de todos os pais que confiam no nosso processo formativo. É uma veia desportivo que ao longo dos anos da história do clube se vejam filhos a seguir as pisadas dos pais, seja na iniciação como na formação e, quem sabe, mais tarde, alguns deles chegarem ao alto rendimento. O mais importante é formar a pessoa, o futuro homem e mulher, que a todos nos une: o contexto social, escolar, que tenham uma boa educação, caráter, valores, disciplina e compromisso, são premissas fundamentais para o crescimento dos jogadores, além de lhes querermos proporcionar prazer. Claro, depois há uns que chegam a jogadores profissionais e outros não, que a passagem pelo Sporting seja muito vincada no que é o nosso ADN. É essa a diferenciação que o Sporting quer continuar a fazer e sempre com mais qualidade. Neste processo formativo o ADN passa pela paixão por ser Sporting», realçou.
O diretor reforçou ainda ser seu dever «incentivar a isso, os valores e virtudes do projeto de formação do Sporting, assente no Modelo Centrado no Jogador, que tem como objetivo que os jovens cresçam, atinjam os seus sonhos, joguem no futebol profissional e cheguem à equipa principal do Sporting».
Bolas de Ouro e Prata
O presidente Frederico Varandas é, obviamente, um líder satisfeito pelo sucesso da formação leonina que tem rendido bons milhares aos cofres do clube, principalmente nos seus mandatos, e ainda no passado mês de setembro, aquando da sua intervenção no Football Thinking Summit, fez questão de reavivar memórias.
«Por muito que custe a muita gente, não há nenhum clube do Mundo que tenha formado dois Bolas de Ouro [Luís Figo e Cristiano Ronaldo] e um Bola de Prata [Simão Sabrosa]. Somos o melhor clube formador do Mundo. Cristiano Ronaldo é, indiscutivelmente, o melhor jogador português da história, talvez, indiscutivelmente, o melhor de qualquer nacionalidade. Quando um miúdo entra naquele portão [Academia de Alcochete], quero que sinta que um dia possa ser o Cristiano. É justo para o Ronaldo e para o Sporting. Mostrar que o melhor jogador, talvez de todos os tempos, foi formado no Sporting», afirmou.
Tiago Ferreira foi o último a estrear-se
A Academia, que alberga as principais equipas de futebol profissional e de formação, assim como a equipa futebol feminino, tem sido profícua em dar jogadores à equipa sénior. Ao todo, desde a sua criação, em 2002, foram 70 os atletas que se estrearam na equipa principal, sendo que nos últimos cinco anos foram 24.
O último foi Tiago Ferreira, também ele filho de um antigo jogador, nomeadamente Mamede, formado no V. Setúbal que, em 2000 transferiu-se para o Reggina e por Itália continuou a jogar até 2009, altura em que terminou a carreira. Tiago Ferreira, avançado, estreou-se pela mão de Rúben Amorim, treinador que, diga-se, é apologista da aposta na juventude, em Alvalade, no jogo contra os polacos do Raków, da fase de grupos da Liga Europa, em que os leões venceram por 2-1, tendo substituído Edwards, aos 69 minutos.