CRÓNICAS DE UM MUNDO NOVO A impossível quadratura do círculo (artigo de José Manuel Delgado)
O australiano Daniel Ricciardo, 30, piloto da Renault, que possui no palmarés vitórias em 7 Grandes Prémios de Fórmula 1, previu que o regresso do ‘Circo’, marcado, em princípio, para o primeiro fim de semana de julho, no Red Bull Ring, em Zeltwed, Áustria, vai ser «uma espécie de caos controlado», que explicou com a ansiedade, que será mais evidente nos pilotos de primeiro e segundo ano, e com a circunstância de «ninguém se sentar num monolugar há quatro meses.» Ricciardo não duvida das condições logísticas para disputar, sem público e com o ‘paddock’ com o mínimo de ‘staff’, o GP da Áustria, mas antecipa um ‘novo normal’ mergulhado em dúvidas que só o futuro dissipará.
Já no futebol, o regresso condicionado dos clubes está a permitir aferir o estado de prontidão dos atletas. Por exemplo, o departamento médico do Barcelona fez saber que teve a grata surpresa de verificar que os jogadores estavam a 40% ou 45% da sua capacidade máxima, quando o previsto, após a paragem prolongada a que foram sujeitos, era que estivessem a 30% ou a 45%.
Daqui a um mês, mais coisa menos coisa, quando regressarem à competição (andam por aí as contas que se fazem em Espanha quanto ao retorno de La Liga), apresentarão, por certo, níveis físicos que os darão como prontos a jogar pelos três pontos. Acresce que a FIFA permite às Federações que adotem, pelo menos até ao fim do ano, cinco em vez de três substituições, o que virá dividir o esforço de cada jogo por mais gente.
Mas, e era aqui que queria chegar, na conjuntura que estamos a viver, nada é pacífico e nada será absolutamente consensual. Por exemplo, esta medida racional e justa das cinco substituições já teve detratores, que afirmaram que só servia para acentuar as desigualdades entre ricos e pobres; e mesmo a possibilidade de haver estádios neutralizados está a ser motivo de polémica em Inglaterra, por parte dos clubes da cauda da tabela, que fazem finca-pé em jogar em casa (e à porta fechada). Mas será que não pretendem apenas, ou que a Premier League aposte na exceção de não haver despromoções (altamente improvável!), ou (mais plausível…) que crie um paraquedas financeiro mais generoso do que o habitual, que ampare melhor, nestes tempos incertos, o tombo dos que forem relegados ao Championship?
A todos os níveis, e no desporto também, nenhum decisor poderá esperar que as medidas tomadas sejam do agrado de gregos e troianos. Como se percebe pelo que está, por cá, a acontecer com vários clubes da II Liga e do CNS, que se sentem injustiçados e não calam a indignação. Falam em recorrer às instâncias jurisdicionais federativas e quiçá, mais tarde, aos tribunais comuns, e esse é um direito que lhes assiste, neste Estado de Direito em que vivemos.
Mas, porque todos ouvimos que foi dito - com o aval das autoridades sanitárias - que haverá condições logísticas para levar até fim a I Liga e realizar a final da Taça de Portugal, 91 jogos, a possibilidade de play-offs de outras competições ficou arredada. Como fazer, então, para acomodar as legítimas expetativas de quem matematicamente podia subir de escalão e de quem, matematicamente, ainda não tinha sido despromovido?
Estamos perante uma quadratura do círculo, um nó górdio que ninguém conseguirá, consensualmente, desatar. Nenhuma decisão que seja tomada é intrinsecamente boa, resta-nos ir optando sempre pela menos má, sem nunca perdermos de vista a causa que nos trouxe aqui e o estado em que está o resto do mundo.
PS – E a propósito do estado do resto do mundo, os dados do desemprego nos Estados Unidos dizem tudo: há dois meses tinha sido alcançado o valor mais baixo dos últimos 50 anos, 3,5%; hoje, 60 dias de pandemia depois, há 14,7 por cento de desempregados, e é preciso recuar 90 anos, à Grande Depressão, para encontrar uma situação mais dramática.