Natural de Viana do Castelo, Pedro Neto foi o primeiro jogador nascido em 2000 a representar a Seleção Nacional e está entre os 26 eleitos de Roberto Martínez que sonham conquistar mais um Europeu. Esquerdino e com 1,72 cm de altura, o ADN aponta ainda para um desequilibrador nato. Só que poucos sabem que, antes das chuteiras… houve patins. Recuamos ao dia 9 de março de 2000 – data de nascimento de Pedro Lomba Neto. Talvez fosse difícil prever que iria sair um craque da bola, mas como nos conta o pai e antigo jogador de hóquei em patins, Pedro Nuno Neto, «o desporto está-lhe no sangue». A mãe, Cristina, joga vólei, as irmãs, Bruna e Débora, já foram Campeãs Nacionais de trampolins e há um primo, Martim Neto, que joga futebol no Benfica. Pedro Neto foi assim criado numa família em que só se falava a língua do desporto e mostrou desde cedo estar à altura: «Ele sempre foi um jogador empenhado, focado e que gostava muito de se evidenciar. Sempre foi muito forte com a bola no pé, driblava bem, com muita garra e acho que conseguiu transportar essas características até hoje», recorda o progenitor. Ainda assim, já em miúdo, mostrava uma competitividade acima da média: «Tinha sempre de ganhar, senão ficava bravo, mesmo se fosse um joguinho de Playstation com os primos, ou uma peladinha de futebol na praia.» Apesar das evidências, Pedro Nuno Neto não esperava que o filho chegasse a este patamar: «Sabíamos que ele era habilidoso, mas no mundo do futebol há muitos jogadores que são habilidosos e que não conseguem chegar longe… O que nos levou depois a pensar que ele poderia lá chegar foi quando conseguiu ultrapassar algumas adversidades. Ele teve um ano complicado no SC Braga, durante o qual jogou pouco e queria desistir, mas nós não deixámos.» Eu vou estudar para quê? Quero ser profissional de futebol Pelo meio deste percurso entra o hóquei em patins, que foi o primeiro grande contacto de Pedro Neto com o desporto, uma experiência contada pelo pai, que também era seu… treinador. «O hóquei nasceu porque ele ia com as irmãs e a mãe ver os meus jogos e treinos. Um dia pediu para calçar os patins e pronto…», começou por lembrar. Só que, um dia, apareceu o polémico bichinho pela bola de futebol. «O meu sogro viu-o a jogar na rua e disse à mãe ‘vou levar o meu neto ao Vianense para ver se ele tem habilidade para o futebol’. A partir desse dia acabou, o hóquei passava para segundo plano. Eu estava contra a ideia e queria que o Pedro continuasse no hóquei, porque o mundo do futebol era mais difícil e no hóquei ele iria ter sucesso mais facilmente. Depois, começou a dar-me cabo da cabeça porque continuou ainda mais dois anos a fazer as duas coisas», acrescentou. A verdade é que o tempo começou a dar razão a Pedro Neto: «Nessa altura já nos dizia ‘eu vou ser profissional’, mas eu e a mãe obrigávamo-lo a estudar. ‘Não, não, eu vou estudar para quê? Eu vou ser profissional de futebol’, respondia. Agora, fico muito contente e orgulhoso pelo trajeto que fez. O Pedro tem-nos transmitido um orgulho enorme por estar a representar Portugal Orgulho foi a expressão que mais vezes se ouviu de Pedro Nuno Neto, a acompanhar atentamente as «boas prestações» do filho no Euro 2024. «São sensações únicas viver este tipo de eventos e ele tem sentido um orgulho enorme por estar a representar Portugal. E ainda mais com esta quantidade de pessoas que os apoia e que os tem seguido para todo o lado», conta-nos, com os olhos visivelmente brilhantes de quem vê o filho realizar um sonho. É impossível esconder que as saudades apertam, mas o mais importante agora é regressar com o troféu na mão. «Essas saudades ficam um bocado para segundo plano. Ele está focado em fazer o melhor e o melhor é ir até à final e ganhar», confessou a propósito de um dos grandes objetivos da carreira do filho, ao qual, acredita, se deve juntar um Campeonato do Mundo: «Acho que não há maiores troféus do que esses.» E nem as deliciosas comidas do Alto Minho são tão saborosas como um título europeu, até porque Pedro Neto tem de manter a forma física. «Ele sabe que as comidas daqui têm os seus temperos e são muito apuradas. O Pedro tem um dia de ‘lixo’ por semana, que é como ele chama, onde pode fugir ao que está habituado a comer, mas geralmente é rigoroso», argumenta ainda. Convocatória? Ele não conseguiu dizer palavra nenhuma, só chorava Tema de conversa foi também a convocatória final de Roberto Martínez, revelada no passado dia 21 de maio, e que causou alguma surpresa entre os adeptos, depois de algumas lesões de Pedro Neto ao longo da última época no Wolverhampton, durante a qual fez 3 golos e 10 assistências em 24 jogos. «Nem sei se foram críticas, acho que foram só opiniões. Se perguntássemos a dez pessoas diferentes, cada uma levaria os seus 26 jogadores. O Pedro gerou maior polémica por ter estado lesionado, mas as pessoas não percebem que, mesmo lesionado, a Federação Portuguesa de Futebol nunca o deixou de acompanhar. Tudo se mostra dentro de campo e eu acho que o Pedro tem demonstrado estar à altura. As pessoas também se esquecem que o Pedro Neto não apareceu na seleção agora», recorda, a propósito da estreia num jogo particular em novembro de 2020, com Pedro Neto a ser titular e a inaugurar o marcador na goleada por 7-0 a Andorra. Quatro anos depois, na Cidade do Futebol, depois do de João Félix, ouviu-se o nome de Pedro Neto na lista: «Ele não conseguiu dizer palavra nenhuma, só chorava, e quem falou até foi a namorada. Dissemos-lhe que nos sentíamos muito orgulhosos e que o trabalho compensava sempre.» Secadas as lágrimas, seguiu-se a viagem para a Alemanha e a estreia no Euro 2024. Pedro Neto já sabia que não ia vestir a sua habitual camisola 7, por motivos óbvios, mas há uma explicação para o novo número nas costas: «Ele disse-nos que escolheu o 25 porque 2+5 dá 7.» Os pais foram ver os jogos frente à Turquia e à Geórgia, mas falharam o duelo com a Chéquia, onde Neto inventou a jogada que deu a primeira vitória a Portugal. «Foi fantástico, estávamos com muitos amigos no clube de Padel do meu filho e no momento em que ele pegou na bola aquilo transformou-se numa romaria. Depois do golo estava toda a gente aos saltos e foi um momento muito bonito», recorda. Mas não foi preciso esperar muito tempo para Pedro e Cristina poderem felicitar o filho e matar algumas saudades: «Houve o jantar de família e a Federação Portuguesa de Futebol tem permitido que haja esse convívio, o que dá ânimo e força aos jogadores. Antigamente, os futebolistas iam para o estágio e eram capazes de estar ali um mês sem poderem estar com a família…». Altura de também descontrair e colocar a conversa em dia, mas com o mercado de transferências a ser tema tabu. «Ele tem de estar focado agora onde está, que é na Seleção, e continuar a ser humilde. Tem de perceber que só consegue atingir esses patamares se continuar focado no que tem de fazer. Não se tem de forçar nada e, depois do Europeu, vamos ver o que é que pode acontecer», explica-nos Pedro a propósito de um interesse já demonstrado por alguns tubarões da Premier League, entre os quais o Arsenal.O mesmo se impõe sobre um possível regresso a Portugal. A Seleção é a prioridade, mas, terminado o Europeu, nada está descartado: «É sempre uma hipótese e é uma coisa que lhe poderá passar pela cabeça. Foi algo que nunca se falou, mas não se fecha a porta a clube nenhum.» Na altura da primeira grande lesão, a maioria das pessoas diziam que o Pedro nunca mais iria jogar à bola As lesões têm sido uma valente dor de cabeça na carreira de Pedro Neto. A mais recente afastou-o dos relvados entre Março e Maio, mas o pai recorda uma bem mais grave, em 2020, que o obrigou a uma paragem de quase um ano. «Ele é fortíssimo, só pode, porque na altura da primeira grande lesão, quando partiu a rótula do joelho a meio, a maioria das pessoas diziam que o Pedro nunca mais iria jogar à bola. Quase um ano depois, regressa e conseguiu voltar a ser o que era antes. É por isso que eu digo que ele mentalmente é muito forte», explica. Felizmente para Pedro Neto e para os portugueses, não tem havido problemas físicos no Europeu e agora é a fase a doer. Passada a Eslovénia, vem mais um mata-mata esta sexta-feira frente à França. Pedro acredita que o filho até pode ser opção apesar da «concorrência de peso» e até brincou com a possibilidade de, mais à frente, ser um novo Éder: «Claro que queria! Era sinal de que éramos campeões europeus e de que ele tinha marcado o golo.» E se Portugal for mesmo campeão europeu com um golo de Pedro Neto? «É uma semana de festa! [risos] Seria um sonho, mas se Portugal for campeão vai ser festa na mesma, com ou sem golo do Pedro Neto», assumiu, prometendo voltar a ir ver o filho no caminho até Berlim. Hoje em dia já há poucos jogadores com características semelhantes às do Pedro Nesta viagem ao passado de Pedro Neto, A BOLA falou ainda com Telmo Sousa, que treinou o internacional português no Perspetiva em Jogo, uma Academia Sporting em Viana do Castelo, entre 2010 e 2013, e que coincidiu com o momento em que o extremo, aos 12 anos, teve de escolher entre ser craque com a bola de futebol ou a de hóquei em patins, na altura com a camisola do ED Viana: «O Pedro uns dias treinava hóquei e noutros futebol. Apesar da paixão pelo hóquei, sentia que o Pedro sabia o trajeto que tinha de escolher. Depois tomou a melhor decisão juntamente com os pais», contou-nos Telmo Sousa, que ainda assim acredita que o hóquei em patins poderá ter ajudado Pedro Neto a formar-se enquanto futebolista: «No hóquei joga-se com um centro de gravidade mais baixo, em espaço mais reduzido, em que a tomada de decisão deve ser assertiva e muito eficaz, por isso acredito que esta modalidade o tenha ajudado.» Os elogios chegam de alguém que o conhece bem: «É extremamente competitivo e é um atleta diferenciado. Hoje em dia já há poucos jogadores com características semelhantes às do Pedro.» Lembro-me perfeitamente que, nos treinos, terminávamos as peladinhas e ele detestava empatar Hoje, não é segredo o que Pedro Neto faz com a bola, mas muito antes já Telmo Sousa via ali algo de diferente pelos relvados de Viana do Castelo: «Quando tinha 11 anos, o Pedro já demonstrava características que não eram normais para um menino daquela idade. Frente a jogadores mais velhos e maturados, já conseguia desequilibrar. Tinha uma personalidade muito forte e vincada, até porque detestava perder e era extremamente competitivo. Lembro-me perfeitamente de que, nos treinos, terminávamos as peladinhas e ele detestava empatar. Acho que esse carácter o ajudou a chegar ao patamar onde ele está.» Entre tantas recordações, há algumas que nunca se esquecem: «Na altura gravávamos alguns vídeos e ainda hoje vejo. O Pedro era um menino que conseguia segurar a bola desde o meio campo e levá-la até à baliza adversária para marcar golo. Na altura não era normal e hoje continua a não ser normal.» Motivos mais que suficientes para Neto poder ambicionar ser um concorrente de Rafael Leão na ala esquerda de Portugal durante o Euro 2024, apesar de se tratarem de jogadores diferentes: «O Rafael Leão parece-me um jogador mais vertical. Daqui a uns anos acredito que será mais de um típico 9, do que propriamente um extremo.»Já na comparação com Francisco Conceição, parece haver um elo comum: «O Pedro é também um espalha-brasas, mas acaba por ser um pouquinho mais vertiginoso.» Só quem não é do futebol é que não percebe a convocatória do Pedro Neto Quanto às críticas de alguns adeptos à chamada de Pedro Neto para a Alemanha, Telmo vai mais longe: «Só quem não é do futebol é que não percebe a convocatória dele. O Pedro fez uma época fantástica, até o momento da última lesão e nós não temos jogadores daquele calibre. Se me perguntassem se tinha de jogar sempre a titular já seria discutível, mas tinha que estar entre os 26.» Julho é mês de Europeu, mas também é mês de mercado de transferências. Mais afastado do contacto direto com o jogador, que está concentrado no Europeu, Telmo Sousa vê com bons olhos uma possível transferência para um tubarão inglês: «Já se falou no Arsenal várias vezes, e vou mais longe: se não fossem as lesões já poderia estar num tubarão. Não tenho dúvidas de que, em breve, vai ser um dos melhores jogadores portugueses.» Antes de mais uma final de Portugal, uma mensagem do antigo treinador para o antigo jogador. «Que o Pedro continue a manter o mesmo ADN. Na altura, eu brincava como ele e chamava-o de rato atómico, porque era muito rápido e muito desequilibrador. Que continue assim, mantenha a humildade que o caracteriza, que continue focado e trabalhador, porque as coisas, naturalmente, vão acontecer», rematou.