Pouco passa das quatro da tarde. Sosnowiec parece uma daquelas cidades perdidas no tempo. Carregada de um passado pesado, difícil, onde se travaram muitas batalhas. No fim, parecem apenas restar aqueles não tinham mais para onde ir. Os rostos, nos quais os traços de cansaço são visíveis até para quem olha de soslaio, detetam qualquer estrangeiro. Todos os ‘turistas’ são facilmente identificados. Natural. Sosnowiec é conhecido por ser um ponto de encontro de três fronteiras dos três impérios que dividiram a Polónia até 1918 (alemão, russo e austro-húngaro). Três fronteiras num só local. «Costuma dizer-se aqui na Polónia que quem vier a Sosnowiec é necessário um passaporte à parte do polaco», contam-nos um local que, num inglês muito esforçado, nos tentam servir um café. Mas não se alonga na conversa. Nas ruas, movimentadas mas com um silêncio que chega a assustar, há vários sinais de pobreza extrema. Becos escuros e rostos escondidos, passos apressados de quem quer chegar a casa cedo a contrastar com os muitos que se tentam abrigar de um frio gélido. O cenário chega a ser desolador. «Durante o ano aqui é tudo tranquilo. É só velhinhas e famílias. Chega a parecer um dormitório. Mas Sosnowiec tem muito má fama por ser terra de hooligans» , diz Pedro Villas, um português, natural de Cascais e que vive a escassos metros do ArcelorMittal Park, palco que irá receber o Sporting nesta 3.ª jornada da fase de Grupos da Liga Europa. «Não vou ao jogo porque sou benfiquista e tenho uma grávida em casa com quase 9 meses. Mas irei ficar atento caso algum português precise de alguma coisa, pois criei com outros portugueses uma Fundação Portuguesa neste local», justifica-se. Um subúrbio de Varsóvia Passemos ao tema que nos interessa. Só a nós. Porque o futebol é um tema delicado. Atrai problemas. Sobretudo internos. Ninguém arrisca a sair à rua com a camisola de um clube. A não ser que seja do Zaglebie Sosnowiec, o clube local (quatro vezes campeão da Taça polaca e outras tantas vice-campeão da Liga) ou do Légia, clube de maior dimensão. «As duas claques são gémeas. Costuma dizer-se que apesar da distância (de quase 200 quilómetros) que Sosnowiec é um subúrbio de Varsóvia», reforça Pedro Villas, que chegou assustar-se nos primeiros tempos por ali… Durante o ano aqui é tudo tranquilo. É só velhinhas e famílias. Chega a parecer um dormitório. Mas Sosnowiec tem muito má fama por ser terra de hooligans «Vou contar uma história. Na altura do Mundial, no ano passado, fui a Varsóvia porque organizo encontros para o pessoal português ver a bola aqui na televisão. E quando voltei para baixo no comboio vinha com uma barba de semana e meia e com a camisola de Portugal vestida. E ao sair do comboio em Sosnowiec estava a chegar um outro carregado, uns 300 adeptos do Zaglebie Sosnowiec, que são uma claque perigosa, do piorio. Quando os vejo a sair e eu com aquele aspeto com a camisola… a minha alminha saiu e foi ter com os meus avós. Pensei… já está. É agora. Mas não fizeram nada. Olharam para mim, de alto a baixo e seguiram. Cheguei a casa e contei a história à minha namorada que é daqui e ela só me disse ‘Não… Portugal ninguém te faz nada. Eles até gostam do Ronaldo, mas se tivesses com a camisola de um outro clube polaco podes ter a certeza que não saias de lá vivo.» I Love Sosnowiec Às 17 horas… todas as lojas viram placas. Zamkniete pode ler-se. Tradução… fechado. Ao fundo da artéria principal da cidade, em letras bonitas, uma mensagem: «I Love Sosnowiec». Ficamos com dúvidas, sobretudo pelo semblante das pessoas com quem a equipa de reportagem de A BOLA se cruza. Nas ruas não encontramos uma loja de desporto, nem aquele merchandising global das principais estrelas. Mas é fácil encontrar paredes de ruas pintadas a grafiti de várias alusões a clubes. E um ou outro senhor de mais idade a consultar o telemóvel para ver os golos que iam acontecendo na jornada de Champions. Pouco. Muito pouco… Raków, um conto de fadas polaco O Sporting entrou pela cidade de forma muito discreta. Poucos ligam ao que vai acontecer. Até porque o adversário dos leões é, também, quase um clube desconhecido. Nem o inédito (e surpreendente…) título polaco na última época lhe deu uma notoriedade especial. Sim, Sosnowiec, com o seu moderno recinto (dos poucos com certificação da UEFA) é casa emprestada ao Raków, clube situado em Czestochowa (a cerca de 80 kms), conhecido pela sua ligação à religião, uma espécie de Fátima em Portugal. Um clube que disparou na última época e conquistou o título muito por aquilo que fez em casa (14 vitórias e um empate em 15 jogos, 40 golos marcados e apenas 7 sofridos). Orgulho de Michal Swierczewski O Raków jogará, assim, tal como o Sporting, fora de casa. E por isso, garantem-nos, não são esperados muito mais do que cinco mil adeptos. Ainda assim, um orgulho para Michal Swierczewski, presidente, empresário de 44 anos, que assumiu a liderança do clube em 2014 quando estava na 3.ª divisão. Daí para cá tudo mudou, impulsionando uma escalada ao lado do seu braço direito (e treinador…) Marek Papszun que saiu após o título da última época. Muito disciplinado (quando chegou ao clube conciliava o treino como professor de aulas de história), com uma ideia clara de jogo (3x4x3) e uma mescla de jogadores de diversos países do leste europeu. Sérvios, gregos, croatas, ucranianos, romenos e letões, algo que ainda hoje se mantém. O legado passou para Dawid Szwarga, atual técnico que se sentará hoje no banco de suplentes, onde já esteve por diversas ocasiões até porque era o adjunto de Marek Papszun e acabou por ficar, mantendo a identidade da equipa que brilhou na Liga polaca. Repetir a proeza (Raków é o atual 4.º classificado do campeonato) poderá não mais acontecer, mas a fórmula de sucesso do passado recente, essa, irá manter-se. Este jogo com o Sporting, por estas razões, é encarado como um dos jogos mais importantes da história do clube. Pelo estatuto dos leões e dimensão da competição. Um conto de fadas do qual ninguém quer acordar...