Talento por si só não basta para um jogador atingir patamares superiores. Há muito trabalho a fazer na sombra, principalmente quando nos referimos a uma equipa B, cujo projeto é diferenciado. Os objetivos vão muito além dos resultados, aliás, a prioridade nem é ganhar jogos, mas sim moldar os jogadores à imagem da equipa principal. Neste capítulo, Filipe Celikkaya, de 39 anos, está a fazer trabalho de excelência na equipa B do Sporting, onde chegou há quatro anos. Natural de Lisboa, tem ascendência turca, do lado do pai, daí o apelido fora do vulgar. Mestre em Treino de Alto Rendimento, passou pela formação de Belenenses, Almada, Benfica, Al Ahli (Emirados Árabes Unidos), Sporting (2015 a 2017), foi adjunto nas equipas seniores de Desportivo de Chaves, V. Guimarães e do Shakhtar Donetsk, antes de regressar ao Sporting. Há muito que Celikkaya e Rúben Amorim se cruzaram. Jogaram juntos no Belenenses, quando Amorim foi prestar provas aos juvenis do emblema da Cruz de Cristo com um braço partido, mas mesmo engessado deu nas vistas (e por lá ficou durante seis anos, antes de ingressar no Benfica) e fizeram muitas viagens juntos desde a Margem Sul, um morava em Almada outro na Charneca da Caparica, e eram da mesma turma na escola. A amizade da adolescência perdura e a cumplicidade está a dar bons frutos. A BOLA teve acesso aos dados do Sporting B no Wyscout, plataforma de análise que mostra minuciosamente dados das equipas e os números traduzem que o índice de desempenho da cantera leonina domina praticamente todos os parâmetros. Vejamos: o Sporting lidera em passes de ação defensiva (6,29), posse de bola (59,7%), um contra um e drible (615), intensidade do desafio (7,3), passes (7531), corridas seguidas (315), idade mais baixa do plantel (19,1) e passes certo (86%), sendo que o registo em que os leões não estão no topo da tabela é no número de remates, com os leões a surgiram na 5.ª posição. Outro dado curioso, é o facto de os leões serem a segunda equipa que mais faltas sofre (290). Confira os dados do Wyscout na fotogaleria Apesar destes dados positivos, a equipa B leonina ocupa a 5.ª posição da tabela classificativa da Liga 3, com 27 pontos em 17 jogos (oito vitórias, três empates e seis derrotas), 22 golos marcados e 20 sofridos, sendo que hoje tem prova de fogo na receção ao Pêro Pinheiro na definição dos grupos de subida ou descida. A falta de melhores resultados, que não é a prioridade do projeto, como já foi referido, entre outros fatores, pode justificar-se com a idade mais baixa do plantel, num campeonato que conta com jogadores muito experientes, sendo de realçar que Celikkaya apenas conseguiu repetir um onze por uma vez (na 12.ª para na 13.ª jornadas), fruto da resposta que tem dado à equipa principal, tanto em treinos - frequentemente Rúben Amorim chama jogadores da formação, como em jogos (Tiago Ferreira foi o último a estrear-se pela equipa A) -, sendo que o resultado tem estado à vista: os jogadores estão no ponto sempre que são chamados por Rúben Amorim. A título de curiosidade diga-se que Dário Essugo foi o mais jovem a estrear-se pela equipa principal, aos 16 anos e um mês, seguido por Joelson Fernandes (17 anos e cinco meses) e Cristiano Ronaldo (17 anos e seis meses). Diga-se que, desde o início da época, Celikkaya já utilizou 26 jogadores, sendo que 11 são juniores. Exemplos recentes É sabido que há jogadores com diferentes caminhos: os que passam pela equipa B, sobem à equipa principal e ficam lá, outros que entram na equipa B, saem e fazem carreira fora de portas e há atletas que passam pela equipa B, saem e, mais tarde, voltam, como por exemplo João Palhinha, Esgaio, Daniel Bragança e, já esta época, Geny Catamo. Mas, além de a equipa B ser um espaço de transição entre a formação e a equipa principal, há que destacar que Rúben Amorim olha para os miúdos de uma forma especial, com sensibilidade e sem medo de arriscar. Aliás, durante esta abertura da janela do mercado de transferências, e face às ausências de jogadores ao serviço das seleções, Amorim não se mostrou preocupado com o mercado: «Temos o nosso projeto na equipa B. O nosso plano não muda com a saída dos internacionais, mas temos um projeto para o presente e futuro, sabemos que jogador queremos. E não nos podemos esquecer de que somos um clube formador e temos de arriscar com os [jovens] que temos.» Mais promissores já seguros A evolução da formação leonina tem sido notória. De realçar o facto de Cristiano Ronaldo não ter sido campeão nacional no Sporting, mas já ter ganho (praticamente) tudo o que havia para ganhar. Em 2003/2004, a equipa B do Sporting competia na 2.ª Divisão B, tinha jogadores como João Moutinho e José Fonte, e acabou por descer de divisão. Atualmente, Celikkaya tem o grupo mais jovem de sempre da equipa B do Sporting e tem servido Rúben Amorim de bandeja, com jogadores com notório potencial de crescimento, e que, também por isso, foram blindados com contratos de longa duração, nomeadamente o guardião Diego Callai (entretanto cedido ao Feirense), o lateral direito Leonardo Barroso, o central João Muniz, o defesa-esquerdo Diogo Travassos, o defesa-direito David Monteiro, o médio ofensivo Mateus Fernandes, o extremo Diogo Cabral, o extremo/ala Afonso Moreira, e os avançados Rodrigo Marquês e Rodrigo Ribeiro. «Ferramenta importantíssima» A BOLA falou com Pedro Bouças, treinador e analista de futebol, para explicar o que é o ‘Wyscout’. – Poucos serão os clubes e agentes ligados ao futebol que não trabalham com a ‘Wyscout’, fundada em 2004, pelo italiano Matteo Campondonico. Pode explicar do que estamos a falar? – Trata-se de uma plataforma de dados passíveis de análise sobre equipas e jogadores de todos os cantos do mundo onde também se tem acesso a vídeos de jogos. É, de facto, uma ferramenta importantíssima. A plataforma divide os vídeos por diversos momentos do jogo, como por exemplo bolas paradas ou contra-ataques. E a nível analítico dos jogadores, além de fornecer toda a estatística, os dados são acompanhados de vídeos. Imaginemos que um jogador fez vinte passos, temos acesso a esses vídeos, há triagem estatística da performance individual. Provavelmente noventa e nove por cento dos clubes de topo, incluindo os profissionais das várias ligas, têm esta ferramenta. – Em termos práticos, a utilização desta plataforma, que oferece um leque vastíssimo de informação, é uma mais-valia. – Sem dúvida. Além de ser possível fazer uma análise minuciosa da equipa, tanto em termos coletivos como a nível individual, também serve para fazer a análise e estudo do adversário. Por onde ataca mais, se costuma marcar de bola parada ou de contra-ataque, sempre com a mais-valia de podermos ver todos os momentos em vídeo. Se o Di María fizer quinze cruzamentos podemos ver um a um. Falando das equipas bês, a análise dos dados individuais dos jogadores é fundamental e permite ver a evolução dos atletas e, claro, perceber onde é preciso incidir o trabalho naquilo que o jogador está a fazer menos bem, sempre com os dados como ponto indicativo. – É, então, uma ferramenta usada para fazer prospecção e até contratações, tendo em conta que faz a cobertura de 250 ligas? – Diria que é mesmo fundamental no processo de contratações. Além das observações presenciais que se possam fazer, a plataforma permite olhar, realmente, para o que está a acontecer. Mas, estamos a falar de uma oferta infindável, por exemplo, podemos estar a observar um jogador no Cazaquistão, na Tailândia ou no Vietname. Em cinco minutos temos a possibilidade de saber tudo sobre um atleta em específico, sempre com a mais-valia de ter vídeos, editados e catalogados por lances, à disposição, sendo de fácil acesso e estando catalogado.