«Vamos ter de ganhar ao Benfica outra vez?» A frase, disparada ao som de uma gargalhada, revela duas coisas: mesmo à distância, o Inter continua a ser o amor da vida deste craque brasileiro, que aos 83 anos continua a ser dono de um sentido de humor que contagia qualquer interlocutor. Jair da Costa é um antigo extremo, natural de Osasco, do estado de São Paulo, que jogou dez anos em Itália entre 1962 e 1972, nove deles no Inter e um na Roma (1967/1968). Foi quatro vezes campeão de Itália, esteve nos convocados do Brasil no Mundial que a canarinha venceu em 1962 (só não jogou porque o lugar dele era ocupado por Garrincha) e ficou na história dos nerazzurri e do Benfica por ter sido o autor do golo da final da Taça dos Campeões Europeus em 1965, disputada em Milão, no Giuseppe Meazza. «O golo ao Benfica mudou a minha vida», diz a A BOLA. «É normal que assim seja porque foi só um golo, fui eu que o marquei, é algo que fica gravado para sempre, não há como apagar, irá acompanhar-me para toda a vida.» Foi uma honra vencer uma grande equipa como o Benfica do Eusébio e Simões «Foi, sem dúvida, um dos melhores momentos da minha carreira», diz, recordando o quão exclusivos eram os lugares para estrangeiros nas equipas europeias. «Foi uma honra vencer uma grande equipa como o Benfica do Eusébio e Simões. Foi um jogo muito difícil, muito disputado, mas a vitória caiu para nós e ainda bem que assim foi», lembra, entre sorrisos. É o mesmo sentido de humor que o leva a dizer que Costa Pereira, guarda-redes dos encarnados, não errou: «Não foi frango, não, eu é que era um craque e tinha um remate forte pra caramba. A bola e o relvado estavam molhados e tornou muito difícil para Costa Pereira defender.» Jair diz, na brincadeira, que não foi frango de Costa Pereira. Mais a sério, porém, admite: «Deus ajudou-me porque ele escorregou e caiu» O discurso é proferido em alta voz, porque Jair da Costa não tem telemóvel e o filho, Maurício, deslocou-se de propósito a casa do pai para possibilitar a conversa com o nosso jornal. Ao ouvir estas palavras, Maurício ri-se. Jair também. É o bom jeitinho malandro na linha do famoso Dadá Maravilha, que falava na terceira pessoa. «Jair era craque», insiste no estilo. Mais a sério, porém, baixa a guarda e admite que a fortuna esteve do lado dele. «Costa Pereira estava a defender muito a bem a baliza. O chute que dei lá… Deus me ajudou porque o guarda-redes do Benfica ia agarrar a bola, escorregou, caiu e foi golo. Mas recordo-me que ele era um grande guarda-redes. O Benfica era, aliás, uma das grandes equipas da Europa», insiste. Do que não se recorda é da lesão de Costa Pereira que obrigou Germano a ir à baliza numa época em que não havia substituições. É natural que a euforia do momento se tenha sobreposto a situações que são meros detalhes para quem está do lado dos vencedores. Com aquele golo e muitos outros que se seguiram, Jair da Costa entrou no passeio da glória do Inter e são as cores preto e azul que decoram um espaço desportivo com o nome dele, em Osasco, que inclui um campo de futebol sete e um bar. «É tudo decorado com as cores do meu clube, serei interista para sempre.» Jair confessa que já não é capaz de ficar 90 minutos a ver um jogo de futebol mas dedica «cinco minutos, se tiver tempo», para ver os nerazzurri, sempre que pode. Aos 83 anos, tem uma vida demasiado ativa para ficar pregado ao sofá. Para o jogo desta terça-feira, frente às águias, não espera outra coisa que não a vitória. «Outra vez, não é? O Benfica nunca venceu em San Siro? Pois não é agora que isso vai acontecer», regressam as gargalhadas. «MARINHO PERES ERA MARAVILHOSO» A conversa com a A BOLA não podia acabar, porém, sem uma referência a Marinho Peres, recentemente falecido, nome que fez história no futebol português. Jair jogou com ele no Santos, de 1972 a 1974, antes de o antigo central ser contratado pelo Barcelona. «Era um ser humano maravilhoso, um grande amigo e muito bom de bola. Um excelente companheiro para as boîtes», recorda, sorrindo. Não podia ser de outra maneira: mais que uma forma de falar, Jair da Costa demonstra uma enorme alegria de viver. A mesma alegria com que recorda, orgulhoso, a noite chuvosa de 27 de maio de 1965.