Conor McGregor: de lutador a terramoto político populista
Lutador de 35 anos quer ser presidente da Irlanda e adota discurso populista de direita, contra a imigração. Pretende protagonizar revolução geracional na política. Recebeu apoio de Elon Musk, multimilionário dono da plataforma X
Conor McGregor, 35 anos, irlandês, lutador de artes marciais mistas (MMA), um dos mais bem pagos desportistas de todos os tempos, entrou numa deriva política, de cariz populista, que não se sabe muito bem se é um lançamento para outros voos, ou uma nova ação de marketing em que The Notorious, assim é conhecido, é mestre. Prova disso foi a lucrativa ação em 2017 quando aceitou defrontar o pugilista Floyd Mayweather, em Las Vegas, naquele que fiou conhecido como O Maior Combate da História. Mayweather, que tinha então um registo de 49 vitórias em 49 combates, aceitou o reto de McGregor, que ostentava dois cinturões da UFC, e subiram ao ringue da T-Mobile Arena para 12 assaltos da categoria de pesos-médios-ligeiros. Perante o invencível Mayweather, McGregor aguentou-se durante nove assaltos, sendo derrotado ao segundo 65 do décimo, algo que os especialistas julgavam impossível.
Esta derrota, contudo, valeu a Conor McGregor uma bolsa de 30 milhões de dólares, que com os direitos de pay-per-view terá subido aos 100 milhões. E, no fim do dia, tudo não passou de uma ação de marketing altamente lucrativa, entre dois lutadores de artes diferentes.
É, pois, este Conor McGregor, filho da classe operária de Dublin, que o pai queria que fosse canalizador, que está a ameaçar transformar-se num terramoto político populista na República da Irlanda.
Em guerra aberta contra os partidos tradicionais do seu país, que trata vagamente como «o sistema», McGregor assume abertamente que pode ser candidato às eleições presidenciais que terão lugar em 2025, ao mesmo tempo que circula enorme especulação quanto a um possível retorno aos octógonos da MMA.
Para já, o lutador segue a cartilha dos partidos populistas de direita da Europa, que vão ganhando força no espaço comunitário, e verbera o aumento da criminalidade na Irlanda, que imputa à imigração (esquecendo-se de que a Irlanda é um país de emigrantes), arvorando-se em porta-voz de um povo negligenciado, e a viver cada vez pior, por culpa, diz, da classe política dominante.
Mas não se pense que a mensagem de McGregor está a ser levada em conta com ligeireza na Irlanda. A popularidade do astro da MMA, não evita que esteja sob investigação policial, por difundir, elementos potencialmente xenófobos de instigação ao ódio. Imparável nas redes sociais, McGregor tem mantido uma cruzada quer contra o Governo, quer contra os partidos da oposição, em nome daquilo que chama, sem explicar bem o que é, de «verdadeira democracia.»
Em 2023, quem não souber usar as redes sociais na política, não tem futuro. E se há coisa, além da capacidade dentro do octógono, que McGregor sabe fazer, é capitalizar a admiração dos fãs, que o tornam no irlandês mais poderoso no mundo dos cibernautas. Assim, Conor colocou uma auscultação de opinião (não pode chamar-se sondagem…) nas suas redes sociais, em que participaram 215 mil irlandeses, e na qual obteve uma vitória (de Pirro, para já) esmagadora: recebeu 88% dos votos enquanto Gerry Adams, do Sinn Fein se ficou pelos 5,5%, o ex-primeiro-ministro Bertie Ahern, do Fianna Fail, não passou dos 3,3% e Enda Kenny, que também foi chefe do Governo, se quedou nos 3,2%. Vale o que vale, mas valeu, pelo menos, para McGregor cavalgar a onda e afirmar que «existe um tremendo potencial se decidir ir às urnas.» E depois, sem ser muito preciso, porque enganou-se, como mais lhe convinha, na idade dos potenciais rivais (deu 78 anos a Gerry Adams, que tem 75; 75 a Bertie, que tem 72, e 74 a Enda, que tem também 72), insistiu na tecla dos compromisso de políticos que considera ultrapassados, responsáveis pelo que de mau entende estar a passar-se na Irlanda, e assume-se como alternativa diferente, nova e revigoradora da sociedade. «Tenho 35 anos», afirmou Conor McGregor nas redes sociais: «Sou ativo, jovem e apaixonado, e não tenho dúvidas em responsabilizar estes políticos pelo estado atual do sentimento público.» Depois, a inevitável demagogia: «Quem tomaria as decisões seríamos nós, eu e vocês, porque teria meios de referendar tudo, e no poder não estaria eu, mas o povo da Irlanda!»
Esta tirada valeu-lhe 54 mil gostos e não só. Elon Musk, um dos homens mais ricos do mundo e dono da plataforma X, comentou este post de McGregor dizendo:
«Creio que podias derrotá-los todos com uma só mão, e isso não seria sequer justo.» Conor, com o sentido de oportunidade sempre apurado, não deixou de comentar esta aberta de Elon Musk e respondeu-lhe que «gostaria, Elon, de pelo menos ter hipóteses de concorrer», lembrando que na Irlanda só pode ir a votos nas eleições presidenciais que tiver o apoio de pelo menos 20 dos 226 membros do Oireachtas, o Parlamento Nacional, ou de pelo menos quatro dos 34 Condados que formam a República da Irlanda.
Em 2025, quando chegar a altura de decidir quem será o sucessor de Michael D. Higgins, ver-se-á se Conor McGregor está a levar a sério este discurso populista e pretende personificá-lo, ou se, ao invés, já navega noutras águas e com outros interesses.
Culturista Schwarzenegger foi governador e o futebolista Gerald Ford... presidente
Embora não seja prática em Portugal, muitas sociedades veem com bons olhos a entrada de ex-desportistas na política. A Irlanda, por exemplo…
Há sociedades, particularmente na cultura anglo-saxónica, que abrem portas, na carreira política, a antigos desportistas. Em Portugal, contudo, essa não é uma prática comum e mais facilmente vemos um desportista a apoiar um candidato do que ser ele próprio o sujeito da votação dos eleitores.
Nos primeiros tempos da Revolução dos Cravos houve quem, da área do Desporto, desse a cara por partidos e organizações, mas nenhum desses exemplos chegou a sentar-se no Parlamento. Artur Jorge (MDP/CDE), José Maria Pedroto (PPD/PSD) e António Simões (CDS/PP) foram casos isolados de militância partidária, enquanto que outros desportistas proeminentes, Humberto Coelho, Rosa Mota ou Carlos Lopes deram a cara por outros candidatos, essencialmente numa lógica de eleições presidenciais. Exceção mais saliente é Carlos Marta, que foi deputado do PSD e presidente da Câmara de Tondela, profissional de futebol durante muitos anos - 290 jogos, 32 golos - sendo conhecido por Águas, o que talvez tenha despistado alguma pesquisa relativa à sequência verificada no seu percurso entre futebol e política.
Porém, para lá das nossas fronteiras, não faltam exemplos de ex-desportistas que enveredaram, com sucesso, pela carreira política, fazendo aquilo que Conor McGregor está agora a ensaiar. Nos Estados Unidos, Gerald Ford, que sucedeu a Richard Nixon na Casa Branca, depois do escândalo Watergate, foi um jogador com enorme sucesso na equipa de futebol americano da Universidade de Michigan, e podia ter enveredado por uma carreira profissional. Já Arnold Schwarzenneger, nascido na Áustria, antigo Mister Universo, juntou-se, por casamento, ao clã Kennedy, e chegou a Governador da Califórnia, já depois do sucesso da saga Exterminador Implacável. Foi por isso que enquanto esteve à frente dos destinos da Califórnia, era conhecido pelo Governator. Jack Kemp, que durante dez anos foi profissional de destaque na NFL, seguiu a carreira política, esteve na Câmara de Representantes e no Senado e foi secretário de Estado para a Habitação nos Governos de George W. Bush. Mas há mais: o basquetebolista Bill Bradley, estrela dos New York Knicks e medalha de ouro, pelos Estados Unidos, nos Jogos Olímpicos de Tóquio-1964, foi durante 19 anos Senador pelo Partido Democrata, e chegou a concorrer, sem sucesso, à nomeação presidencial. Porém , o caso mais estranho de interligação entre o desporto e a política foi corporizado por Jesse The Body Ventura, uma das estrelas do circuito de Wrestling quando Hulk Hogan reinava, que foi eleito Governador do Minnesota, já depois de ter participado no filme O Predador.
Mas será este um fenómeno norte-americano, onde a indústria do showbizz é poderosa e leva muita gente a confundir ficção com realidade? A resposta a esta questão é, não. Veja-se o caso de Guy Drut, francês, medalha de ouro nos 110 metros barreiras nos Jogos Olímpicos de Montreal-76, e mais tarde ministro da Juventude e Desportos num governo gaulês presidido pelo conservador Alain Jupée, na presidência de Jacques Chirac. Em Inglaterra, os exemplos são muitos, mas provavelmente o mais sonante é o de Sebastian Coe, atual presidente da poderosa Federação Internacional de Atletismo. Coe foi campeão olímpico de 1500 metros em duas ocasiões (venceu ainda duas pratas nos 800 metros) e somou onze recordes mundiais. É membro vitalício da Câmara dos Lordes.
Na Ucrânia, depois de Sergei Bubka, mítico saltador com vara, ter seguido uma carreira política alinhada com a União Soviética, sendo a seguir reciclado para o nacionalismo ucraniano, o ex-desportista que dá mais nas vistas pelas funções que ocupa é Vitali Klitscho, antigo campeão do Mundo de pesos pesados e atual presidente da Câmara de Kiev e um dos grandes apoiantes de Vladomir Zelensky.
Mas se virarmos agulha para a América do Sul, damos de caras com Zico, o Pelé branco, que foi ministro dos Desportos de Collor de Melo em 1990 e 1991, cargo que viria a ser ocupado mais tarde por Edson Arantes do Nascimento, Pelé, nos governos de Fernando Henrique Cardoso. Como em tudo o que fez na vida, o Rei também deixou marca na política ao ser autor e promotor da Lei Pelé que libertou os jogadores do direito de opção detido pelos clubes. Mais recentemente Bebeto, mas sobretudo Romário, deputado federal, mergulharam na política, num sistema em que também Jardel foi deputado regional.
Do México à Austrália
Mas se no Brasil há exemplos de sobra, no México é Cauhtemoc Blanco, 122 vezes internacional, a ser eleito, primeiro presidente da Câmara de Cuernevaca, e depois Governador de Morelos.
Na Argentina, o antigo piloto de Fórmula 1 Carlos Reutmann, vencedor de 12 Grandes Prémios, foi Senador e Governador da província de Santa Fé.
Mas se formos aos antípodas, o fenómeno repete-se: David Pocock, 78 vezes internacional pela Austrália, fundou um partido e foi eleito para o Parlamento…
E na Índia encontram-se 15 ex-jogadores de críquete e hóquei em campo a vencer eleições parlamentares. Nas Filipinas é o herói nacional Manny Pacquiao a ser primeiro congressista por Sarangani, e agora a a ser eleito Senador.
Mas, retornando a Conor McGregor, qual é a perceção irlandesa quanto à entrada de ex-desportistas na política? Fazendo uma busca básica na internet, encontram-se imediatamente 80 desportistas, muitos deles ligados aos desportos gaélicos, a ocuparem posições políticas de relevo, o que mostra que, ao contrário do que sucede em Portugal, ter na vida pública o prolongamento da visibilidade ganha como desportista, é algo visto com singular naturalidade.