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ENTREVISTA LUÍS MONTENEGRO «O Desporto pode contagiar positivamente a sociedade quanto à imigração»

DIVERSOS01.02.202510:54

O primeiro-ministro esteve nas instalações de A BOLA no dia dos 80 anos do aniversário do jornal e concedeu uma entrevista

O 119.º primeiro-ministro de Portugal, líder do 24.º Governo constitucional, esteve nas novas instalações de A BOLA, onde começou por falar de Desporto e Comunicação Social, e acabou a traçar o retrato da União Europeia e dos dias incertos que globalmente vivemos. Um depoimento desassombrado e corajoso, que fica para memória futura…

— O que é que mudou na sua vida pessoal, no seu dia-a-dia, a partir do dia 2 de abril de 2024, quando tomou posse como primeiro-ministro?

— Depois, no dia 2 de abril de 2024, a minha vida efetivamente mudou, mas já agora, aproveito para referir que não mudou muito na minha ligação ao Desporto, que continuo sempre que posso a praticar e a acompanhar também a vida desportiva aos mais variados níveis. Numa área já não tão ligada ao Desporto, obviamente que do ponto de vista pessoal, familiar, tem sido um tempo muito desafiante, mas também muito estimulante. Estou a fazer aquilo de que gosto, estou muito empenhado em aproveitar a oportunidade que os portugueses me conferiram de governar o País, para transformar e dar mais bem-estar às pessoas, para poder resolver muitos dos problemas que as apoquentam no dia-a-dia, e poder também projetar o Portugal do futuro. Há coisas que eu sei que podem ser decididas hoje, que não vão ter um resultado enquanto eu aqui andar, mas que vão perdurar enquanto elementos estruturantes para termos uma sociedade mais justa, livre e também com mais saúde.

— Já iremos lá. Antes só gostava de saber se é particularmente difícil ser líder de um Governo minoritário. E nós assistimos às conversações de aprovar o Orçamento de Estado, que não foram propriamente fáceis...

— Este não é o primeiro Governo que não tem a maioria absoluta dos deputados na Assembleia da República a suportá-lo. Os Governos que têm maioria absoluta, evidentemente que, como ponto de partida, e apenas como ponto de partida, têm mais condições, porquanto não têm a necessidade de acertar muitos dos instrumentos legislativos que que carecem de pronúncia no Parlamento. Mas, como aliás se provou com o Governo que me antecedeu, ter maioria absoluta não é necessariamente garantia de estabilidade e durabilidade, e mesmo de capacidade de execução. Aquilo que faz os Governos vingar são as suas políticas, é o seu dinamismo, é a sua capacidade de realização, e é nisso que nós estamos empenhados. Evidentemente, quando as questões passam pelo Parlamento, a complexidade hoje da composição parlamentar obriga-nos ao diálogo político, mas temos essa cultura democrática de tolerância, de compreensão relativamente às posições que são diferentes das nossas, que são legítimas e que também estão legitimadas pela vontade popular. Portanto, é nesse contexto que nós trabalhamos. Devo confessar que não me queixo das condições. A única condição que eu estabeleci e que propus ao povo português na campanha eleitoral era ganhar as eleições, ter mais um voto de qualquer outra força política para ser Primeiro-Ministro. Eu sei que na Europa há muitos Países onde isso não acontece. Em Portugal nós experimentámos uma única vez essa circunstância, mas eu acredito num sistema político onde a base da legitimação é a vontade popular. Fiz disso uma questão essencial na campanha eleitoral e foi a única condição que impus a mim próprio. A partir daí essa condição realizou-se, e a minha obrigação não é queixar-me das circunstâncias, é ultrapassá-las, superá-las, resolver os problemas.

O 119.º primeiro-ministro de Portugal, líder do 24.º Governo constitucional, esteve nas novas instalações de A BOLA, em dia de aniversário do jornal
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O GOVERNO E O DESPORTO

— Depois de um aumento no Orçamento de Estado para o Desporto em ordem de 8,3%, de 50,3 milhões para 54,5 o Governo vai ainda acrescentar uma verba de 65 milhões a sério usados entre 25 e 28 para o fomento desportivo. Quer isto dizer que pela primeira vez, desde o 25 de abril, o Desporto deixou de ser visto como uma despesa e passou a ser visto como um investimento suscetível de, a prazo, impactar positivamente nos gastos com saúde, com educação, com justiça, com a administração interna, a segurança social, numa lógica de que um País saudável, com alternativas mais diversificadas da prática desportiva para a juventude e não só, pode funcionar melhor…

— Sem dúvida. É exatamente esse o pressuposto e estamos perante uma daquelas políticas que não tem efeito, em termos de benefício para a vida das pessoas, imediato. Em primeiro lugar, temos de saber qual é o ponto de partida. Pelo facto de termos uma comunicação social especializada com três jornais diários desportivos, canais televisivos, como a BOLA TV, específicos, podemos ser levados a pensar que o País tem um nível de prática desportiva ao nível dos melhores da Europa ou do Mundo. Ora, isso é errado. Nós estamos precisamente na cauda dos países em termos de disponibilidade e prática desportiva como elemento do quotidiano das portuguesas e dos portugueses. É verdade que nos últimos anos tem havido uma evolução. Temos hoje as ruas dos principais centros urbanos, muitas vezes com novos equipamentos, para a caminhada, para o passeio, para a corrida, e parques desportivos ao ar livre, para o exercício. Mas não deixamos de estar muito atrás. E isto não se resolve com palavras, resolve-se com ações.

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— Por onde passa o vosso plano?

— O nosso plano é ganhar bem-estar, físico e mental, que também significam saúde física e saúde mental, hábitos de lazer, hábitos de convivência, hábitos de saúde que possam, no futuro, desembocar numa melhor taxa de retorno no que diz respeito, como referiu, à educação, à saúde, à capacidade até de inovação do País. Quando entramos num conceito de saúde e bem-estar, e quando entramos também num conceito de competição — e eu já vou às duas componentes — também estamos a estimular a nossa capacidade de superação, de sacrifício e de lutar por um resultado. E isso também faz o País crescer, tem reflexos económicos a médio prazo, para além dos efeitos económicos da própria indústria do Desporto, que hoje, felizmente, encaramos com profissionalismo.

— Daí que…

— O que é que nós no Governo pensámos? Pensámos que era preciso, em primeiro lugar, dotar as instituições, o Comité Olímpico de Portugal, e através dele as federações, individualmente consideradas, de condições para poderem ter melhores instalações físicas e para poderem ter melhores equipamentos e quadros para ensinar e motivar a prática desportiva. Queremos criar uma rede, que deteta precocemente os talentos, as vocações com maior afirmação, ao mesmo tempo que, com uma política de proximidade com os clubes, com as instituições, autarquias locais, podemos cultivar a prática desportiva e, a partir daí, também, no fundo, tirar partido daquilo que são os talentos que vão aparecendo. E depois há sempre uma zona que conjuga clubes, escolas, autarquias, que nos leva a abrir duas avenidas: a do Desporto de lazer e a do Desporto de competição e da alta competição, em particular.

— Quer especificar?

— Nós temos sido um case study no mundo, porque temos fabricado campeões em várias modalidades, temos muitos dos melhores praticantes do mundo e, dado o nosso limitado horizonte de recrutamento, isso é, de facto, muito, muito significativo. Os atletas de exceção são uma grande motivação para o País. Eles acabam por expressar uma cultura de identidade nacional, de valores nacionais, de coesão da comunidade portuguesa e, ao mesmo tempo, são o maior incentivo aos mais jovens e, também, aos menos jovens, mas, sobretudo, aos mais jovens, para poderem, eles próprios, ver despertar em si a prática desportiva e um caminho da afirmação, eventualmente, na alta competição.

— O que está a dizer parece-me absolutamente certo, mas não acha que existe o perigo de, nas alternâncias políticas, tudo isso se diluir? Vem um Governo que faz de uma maneira, vem outro Governo a seguir que faz de outra... Não seria tempo de haver uma espécie de acordo de regime entre os principais partidos? Porque aquilo que está a fazer hoje não vai ter resultados nas próximas eleições, vai ter resultados, se calhar, daqui a 20 anos. Aliás, vimo-lo pelo velódromo da Anadia que foi feita em 2009 e teve resultados em 2024.

— Sem dúvida. Aliás, conheço esse processo muito bem. Já era, na altura, deputado eleito pelo círculo de Aveiro e lembro-me bem da luta que foi criar as condições para fazer aquele investimento, em Sangalhos, mais propriamente, uma terra de resto com uma grande afinidade com o ciclismo. E não há dúvida que é verdade. Na altura, aquele investimento foi questionado por muita gente.

— Chamaram-lhe elefante branco…

— Há muita gente que acreditava que aquilo ia redundar num tremendo fracasso e que, mais tarde ou mais cedo, ia fechar portas. E, de facto, hoje vibramos com o ouro olímpico, que só foi possível, precisamente, por causa daquela infraestrutura e pela visão do futuro que ela comporta.

— A propósito desse ouro olímpico, em Paris, ficou na foto da medalha ao lado do Yuri Leitão e do Rui Oliveira e, na altura, prometeu mais verbas para o Desporto. Depois veio a ser acusado de demagogia e de aproveitar-se da visibilidade do ouro olímpico. Com este aumento no orçamento e com esta dotação suplementar de 65 milhões, sentiu-se vingado?

— Vou contar pela primeira vez o que se passou, com algum detalhe. Fui a Paris, com todo gosto, com um programa que estava pré-determinado e que me levava ao estádio da canoagem para assistir às provas da nossa equipa, uma modalidade na qual temos tido também muitas alegrias e grandes campeões, o maior dos quais o Fernando Pimenta, mas também o Emanuel Silva e todos aqueles que agora estão a despertar e que também já têm títulos, e estava previsto ir à Aldeia Olímpica, e ao atletismo.

Primeiro-ministro fala da foto da medalha olímpica ao lado do Yuri Leitão e do Rui Oliveira
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Fui eu próprio que quis ir assistir à prova de ciclismo, contra aquilo que eram as indicações, nomeadamente, em função do ajuste do programa e dos horários, da equipa da embaixada que me acompanhou, da equipa do Comité Olímpico, e dos meus próprios assessores. Devo dizer que, quando quis ir assistir àquela prova, estava longe de imaginar que íamos ter o sucesso que tivemos, porque ninguém conseguia antecipar que poderíamos ganhar aquela medalha de ouro. Vamos ser honestos, havia esperança que os nossos ciclistas podiam fazer uma boa prova, já tinham tido desempenhos interessantes anteriormente, mas daí ao ouro… Portanto, não fui tirar partido de nenhum tipo de desempenho, até porque, como se viu, não sabia qual é que ia ser o desfecho e a probabilidade de sucesso era relativamente baixa. Agora, devo confessar que foi das coisas mais emocionantes da minha vida! O que vivi em Paris foi indescritível. E senti, de facto, uma grande retribuição da ousadia que tive de propor-me ir assistir àquela prova, quando não estava previsto. Depois tive a oportunidade única de estar com os atletas, escassos minutos após eles terem realizado aquele notável feito e dado uma alegria incomensurável ao povo português. E foi entre lágrimas de alegria que eles, em particular o Rui Oliveira, me disseram, «não deixe de apoiar o Desporto e não deixe de apoiar o ciclismo e o ciclismo de pista.» Prometi-lhes que assim seria.

— Mas de alguma forma sente-se vingado?

— Sinto, neste momento, aquele grau de satisfação por estar a cumprir compromissos, mas também por estar a erguer uma política que crie condições para quem está hoje em atividade, e para quem vier a seguir. Faço isto por convicção, porque entendo que um Desporto mais qualificado, dar-nos-á ligação com a Academia e com a formação, para cada vez tirarmos mais proveito de todo o potencial dos nossos atletas. Assim, não é uma questão de me sentir vingado.

— E quanto à volatilidade das políticas, de Governo para Governo, quando muda o ciclo político?

— Percebo a pergunta que me fez do ponto de vista da perenidade das políticas e das apostas, mas acho que depois daquilo que nós vamos conseguir fazer nos próximos anos, não há nenhum Governo que vá desperdiçar este trabalho. Quando as coisas são bem feitas, e espero que possam agora materializar-se graças a um volume de investimento que se refletirá em acréscimo de qualidade, ficamos perante uma trajetória que ninguém terá coragem de inverter. Até direi que há um certo consenso à volta disso. Mas não estou aqui para me comparar nem com quem está, nem com quem esteve, nem com quem há de estar a seguir. Aquilo que me move, e que move este Governo, que move o ministro de Assuntos Parlamentares, e o secretário de Estado do Desporto, é a obrigação é criar alicerces fortes para termos uma cultura desportiva no País, para termos bons resultados, para termos bons atletas, para termos bons dirigentes, para termos bons treinadores.

— Até que ponto os resultados desportivos são importantes?

— Evidentemente, também procuramos resultados. Há um novo ciclo olímpico, que estamos a preparar, para que possamos abrilhantar ainda mais o excelente desempenho que tivemos em Paris. Nesta última participação olímpica, para além das medalhas, conquistámos muitos diplomas, e houve resultados a que não estávamos habituados, o que dá uma panorâmica de transversalidade da aposta desportiva que me parece muito importante. Continuamos a ser competitivos no atletismo, na canoagem, mas tivemos excelentes desempenhos no ciclismo, e até ficámos um bocadinho aquém do que já podemos, na natação. E foi notável termos uma atleta, já na fase final da carreira, na ginástica, que foi finalista do all-around. Temos uma fantástica Seleção de andebol, somos referência no hóquei em patins, e até no skate temos atletas de alta competição…

DESPORTO E IMIGRAÇÃO

— Muito se tem falado de imigração, a imigração é essencial para o nosso crescimento económico, é relevante também quando estão em causa de direitos humanos, e quase toda a gente, extremistas à parte, parece estar de acordo quanto à necessidade de uma integração rápida de quem chega ao nosso País. A linguagem universal do Desporto não deve ser vista como um instrumento fundamental para o sucesso desse processo?

— Somos um País que acolhe e integra muito bem aqueles que nos procuram, vindos de todas as geografias, desde logo dos países que falam português, mas não só. E o Desporto é, objetivamente, uma área onde os valores da solidariedade, os valores da entreajuda, do respeito, do fair play, são de tal modo intensos, que dá grandes exemplos e pode contagiar positivamente a sociedade. Temos hoje, em praticamente todas as modalidades, atletas estrangeiros em Portugal, muitos deles obtêm a nossa nacionalidade e acabam por ganhar uma afinidade tal que nos representam com uma entrega, e uma paixão, que não mostra nenhuma diferença face àqueles que aqui nasceram.

— No Desporto quem manda é a meritocracia…

— O Desporto é uma das áreas onde o multiculturalismo, a diversidade e a cultura do respeito são mais notórias e, por via disso, cumpre um papel social e civilizacional, que está hoje em dia, em cima da mesa. Em Portugal, queremos uma imigração regulada, que dignifique e valorize as pessoas, e que lhes conceda uma integração capaz de dar oportunidades, para que possam atingir os seus objetivos, que passam por ter uma vida melhor, ao mesmo tempo que criam e deixam valor. Isto vale para quem está a trabalhar na construção civil, na restauração, numa grande empresa tecnológica, numa multinacional, ou numa modalidade desportiva.

Primeiro-ministro faz a ligação entre desporto e imigração
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— Nós, que somos um País de imigrantes, devemos saber isso melhor que ninguém…

— Sem sombra de dúvida. Muitas vezes tenho dito que temos de olhar para quem nos procura da mesma maneira que quisemos que nos olhassem quando procurámos outros destinos. Até ouso dizer, que a cultura de Portugal tem de quase nove séculos de história, de universalidade, de abertura ao mundo, de construção de pontes entre continentes, entre territórios, entre povos. Tudo isso impõe-nos olhar para quem nos procura e para aqueles que cá querem ficar e estabelecer-se, como novos portugueses, porque foi também assim que aconteceu com os nossos antepassados e com alguns dos nossos contemporâneos, quando procuraram a sua oportunidade no estrangeiro. Isto não significa perder a ligação às raízes. Também tenho o objetivo, que espero poder ser uma das iniciativas que fica para o futuro, de, dando mais oportunidades aos nossos jovens, evitar a sua quase massiva opção pela emigração, pela busca de uma oportunidade no estrangeiro, ao mesmo tempo que quero implementar uma outra política que passa por fazer retornar aqueles que já deram esse passo no passado. E mesmo aqueles que porventura não queiram regressar, desejo que mantenham uma ligação com Portugal, para continuarem a vir cá, continuarem a ter cá a família e os amigos. Ao ter este pano de fundo para quem é português, não podemos deixar de replicá-lo e aplicar o mesmo raciocínio a quem não é português e vem para Portugal.

— Tenho mais duas questões para lhe colocar, a primeira tem a ver com a comunicação social. O ‘slogan’ do Washington Post é ‘Democracy Dies in Darkness’ (A Democracia Morre na Escuridão) e é emblemático do postulado de que não há uma democracia forte com uma comunicação social fraca. Em Portugal a crise no setor é pública e notória, o que muitas vezes impede um escrutínio sério sobre as instituições do Estado, e por outro lado também abre a porta ao sensacionalismo, que é sempre amigo do extremismo, e que é sempre mais barato. O que é que tem feito, e o que pensa vir a fazer nesta matéria?

— Ainda acrescento uma coisa que é preciso ter alguma coragem para dizer: uma comunicação social mais vulnerável, do ponto de vista nomeadamente financeiro, também fica mais exposta a que o poder económico, de todas as proveniências, incluindo das mais problemáticas, possa tomar conta da parte do aparelho comunicacional. Dito isto, o que é que se impõe aos Governos, e este Governo tem também um plano para a comunicação social que está em discussão pública, é, em primeiro lugar, ajudar na formação dos profissionais, não perder de vista uma cultura de exigência deontológica formativa forte para termos bons jornalistas. Ao mesmo tempo, temos hoje um programa de valorização dos equipamentos dos órgãos de comunicação social. Como aliás A Bola bem sabe, porque é um exemplo também dessa evolução, hoje com a oferta digital à qual os órgãos de comunicação social tradicionais tiveram, e muito bem, de aderir e desenvolver, é obrigação do Estado dar condições para que se possam financiar para poderem evoluir tecnologicamente e dar resposta às exigências que o mercado comporta. Fazer isto implica, obviamente, ter programas de incentivo ao financiamento e incentivo fiscal, e é nisso que estamos a trabalhar.

— Mas os problemas são muitos…

— Eu não tenho dúvidas de que uma informação independente séria é a essência de um regime verdadeiramente democrático, que faz chegar aos cidadãos uma informação fidedigna. Há várias questões hoje na comunicação social, além da sustentabilidade financeira: está latente uma guerra muito injusta com plataformas eletrónicas e digitais, que muitas vezes bebem o trabalho que é pago pelos órgãos de comunicação social, e depois são beneficiários da publicidade gerada nos seus meios de comunicação.

— Temos a pirataria...

— Sim, e ainda um outro problema, que é a desinformação, as fake news, os aproveitamentos, nomeadamente de regimes políticos com vocação ditatorial, de contaminar, de uma forma quase invisível, o espaço da comunicação, de maneira quase moldar o raciocínio e até a formação da vontade política dos povos. Isso é um ataque absolutamente medonho aos valores da democracia. Há gerações que estão hoje a crescer sob um jugo de afunilamento de pensamento de que nós nem sequer nos apercebemos, e que está aí.

— Mas a solução é a estatização?

— Temos de garantir enquanto agentes das políticas públicas, a sustentabilidade do setor, com a valorização daqueles que conseguem ter mercado, porque não teremos um bom sistema se os órgãos de comunicação social forem financiados exclusivamente pelo Estado. Isso não seria salutar para a democracia. Portanto, o que nós temos é de criar instrumentos que deem mais sustentabilidade e depois ter regimes legais. Trata-se de uma questão com a qual nós estamos muito preocupados a nível nacional, mas também a nível europeu. Temos falado nisso nas reuniões do Conselho Europeu e a Europa terá de muito rapidamente encontrar um edifício legislativo que seja sobretudo muito direto e possa pôr cobro a esta invasão de um território que, uma vez adulterado, provoca efetivamente desequilíbrios sociais imensos.

— Última questão. O mundo há 50 anos era fácil de perceber, havia uns e havia outros, separados pela Cortina de Ferro, havia um muro de Berlim simbólico, no meio, e o Terceiro Mundo ainda não tinha muito peso nas grandes decisões; hoje é tudo mais complexo e incerto, há um novo czarismo na Rússia, há uma incógnita na Casa Branca, há uma China que se tornou num ‘player’ económica e politicamente de primeiríssimo plano, e uma União Europeia que teve o Brexit e que depois disso nem sempre fala a uma só voz. Quais é que são as suas expectativas quanto ao futuro, se é possível, perante tantas variáveis, conseguir cenarizar tudo isto com uma percentagem razoável de acerto?

— A sua questão está muito bem colocada e já comporta o eixo principal do raciocínio. Nós hoje temos uma Europa que não funciona à mesma velocidade que os blocos políticos e comerciais com os quais se relaciona e que, como fez notar, são os Estados Unidos, é a China, é a Rússia, mas podemos acrescentar, a Índia, o Brasil, o Sudeste Asiático, temos muitos polos espalhados pelo globo que têm condições políticas, financeiras e demográficas diferentes das nossas. A Europa está numa encruzilhada porque é o espaço no mundo onde os valores da dignidade das pessoas, da cultura da democracia e do Estado social estão mais desenvolvidos, o que cria um problema de sustentabilidade financeira, económica e demográfica. Por isso, o que é que temos de fazer? Temos, como aliás a sua questão coloca e muito bem, de ser mais rápidos, mais ágeis e de não mostrarmos fraqueza. E a fraqueza que temos mostrado na Europa deriva da diversidade da opinião, no sentido menos positivo, porque termos opiniões diversas é natural, mas não conseguirmos consensualizar posições, nomeadamente na União Europeia a 27, mas também numa Europa mais alargada, — hoje temos um órgão que é a Comunidade Política Europeia, que junta outros países, como o Reino Unido, e a Turquia – é um problema. Temos de ter a capacidade de ser rápidos a decidir e, nomeadamente do ponto de vista comercial, sermos competitivos. Para que isso suceda não podemos ficar para trás em tecnologias como a inteligência artificial e estamos a ficar, porque quer os Estados Unidos, quer a China estão mais avançados que a Europa; não podemos ter regras de regulação que são até muito bem intencionadas, mas que provocam, objetivamente, uma perda de competitividade face às outras geografias, e estou a falar das regras ambientais, ou saúde pública…

— Quer com isso dizer que devemos retroceder?

— Não, não queremos retroceder, mas temos de nos adaptar e fazer uma calibragem das exigências que temos para com os nossos cidadãos e com os nossos agentes económicos, e que nos coloca depois numa situação impraticável face a outras geografias, onde se produzem as mesmas coisas, sem as mesmas regras e sem a mesma complexidade, que chegam ao mercado com um preço muito mais acessível. Ora, sendo a Europa, ainda por cima, uma economia muito aberta, traz-nos o problema de termos menos possibilidade de exportar e ao mesmo tempo sermos invadidos com importações. Não defendo protecionismo como solução, mas menos regras, menos regulação, menos complexidade, mais simplificação, menos burocracia e mais capacidade de investigação. A Europa tem de o fazer, tem de o fazer a uma só voz e tem de aproveitar.

— E demasiadas vezes a União Europeia fala a várias vozes…

— Eu tenho dado um exemplo, e aqui, apesar de estar num órgão de comunicação social eminentemente desportivo, acho que os portugueses têm de pensar também nisto, porque temos de pensar à escala europeia. Nós somos europeus e a Europa não é uma coisa que está lá, nós também decidimos na Europa. Eu tenho instado os meus colegas europeus, por exemplo, a porem em prática o acordo que a Presidente da Comissão celebrou em nosso nome com os Países do Mercosur, na América do Sul. É um acordo que abre uma janela de um mercado superior a 700 milhões de pessoas. É um acordo que vai permitir que possamos ter regras mais equilibradas nos sistemas produtivos da Europa e também da América do Sul e que haja menos barreiras alfandegárias, logo uma maior reciprocidade das taxas alfandegárias, porque o que acontece é que nós temos taxas baixas quando importamos produtos da América do Sul e taxas altas quando queremos para lá exportar, o que faz o mercado ficar bloqueado. Ora, a União Europeia, que comporta 27 Países, andou 25 anos a discutir este acordo comercial e agora está a hesitar no que diz respeito a ter uma maioria que possa viabilizar a execução deste acordo. Se não conseguirmos agora concretizar um acordo que procurámos durante 25 anos, se cada um dos Países da Europa estiver a olhar para o seu próprio umbigo e para o seu problema, um microproblema, muitas vezes, e inviabilizar um passo destes, estamos simultaneamente a prejudicar a nossa economia e por via disso os nossos cidadãos e ao mesmo tempo a dar ao mundo um sinal de fraqueza. Se não somos capazes sequer de implementar uma coisa a que já demos o acordo, seremos capazes de fazer o quê a 27? De ter uma política de defesa e de segurança comum, de ter um mercado interno a funcionar com verdadeira igualdade de oportunidades, onde um francês, um alemão ou um português, que seja um pequeno ou médio empresário, tenha as mesmas condições para se financiar, pagando as mesmas taxas de juros? Enfim, sei que esta matéria está um bocadinho fora do âmbito da nossa conversa, mas através do Desporto também podemos promover estas discussões.

— Há pouco disse que o Desporto é em muitos casos um exemplo para a sociedade…

— O Desporto é um palco de igualdade. É um palco onde cada um tem as mesmas armas e busca um melhor desempenho, tem que treinar, tem que lutar, tem que perseverar, tem que sofrer para ganhar. Não há ninguém que ganhe sem sofrer. E na vida dos Países é a mesma coisa. Nós temos de sofrer, e num projeto comum como é a Europa, temos de saber sofrer uns com os outros para ganharmos todos.

— Obrigado pela sua presença nas novas instalações de A BOLA neste dia de 80.º aniversário do jornal e não vai ser desta vez que lhe pergunto qual é o seu ‘handicap’, nem qual é a próxima vez em que vai jogar golfe…

— Tenho a expetativa de fazê-lo no próximo fim-de-semana. Quanto ao handicap é melhor não falarmos disso, porque o treino tem sido muito pouco.