Espaço Universidade Como Proteger a Mente? O Vírus Nº 2 - PN (Artigo de João Oliveira, 31)
Tinham passado uns dias, desde a última conversa com o Detetive Colombo, e o Treinador Wooden continuava surpreendido, com as múltiplas aprendizagens que tinha realizado, nas diversas conversas com o Detetive Colombo e curioso por conhecer quais seriam os outros vírus da mente, que condicionavam o comportamento e as consequências dele próprio e dos seus atletas.
Podia ter ficado à espera de que o Detetive Colombo o abordasse, mas sendo proativo, decidiu convidá-lo, para tomar um café, no centro de estágio do F.C. os Galácticos, onde se encontravam ambos, naquele momento. Passada a euforia e autógrafos, que os muitos sócios solicitaram ao Treinador Wooden, o café de ambos, teve finalmente lugar.
“Detetive Colombo, as nossas últimas conversas (aqui e aqui) foram muito esclarecedoras e despertaram-me a curiosidade, para saber mais. Que outros vírus podem comprometer a forma como pensamos e, por isso, necessitamos de nos proteger?” – começou por perguntar o Treinador Wooden.
A esplanada costumava estar muito agitada, mas passada a euforia, a presença do Treinador Wooden deu lugar a uma acalmia inabitual, até parecia que todos estavam a proporcionar o sossego necessária à conversa de ambos e, ao mesmo tempo, a tentar ouvir um pouco do que conversavam. Enquanto observava quem os circundava, o Detetive Colombo viu que estavam três pessoas de alguma idade, na mesa à direita– “deviam ser avôs de alguns dos jogadores” – pensou, na mesa à sua frente, encontravam-se duas senhoras, uma mais velha, com um chapéu verde e outra mais nova – “devem ser mãe e filha” – congeminou e, na mesa à esquerda, estavam dois casais – “devem ser pais de dois jogadores das escolas” – matutou.
“Treinador Wooden, sei que agora treina um grande clube, mas recorda-se quando treinava equipas que lutavam pela sobrevivência, pela manutenção?” – perguntou o Detetive Colombo. “Sim” – respondeu o Treinador Wooden. “Lembra-se de algum jogo, contra uma das equipas candidatas, que tenha corrido mal?” – inquiriu o Detetive Colombo. O Treinador Wooden lembrou-se de imediato de um, enquanto o Detetive Colombo começou a pensar que tinha provocado algum desconforto ao Treinador Wooden e, por isso, perguntou-lhe – “a minha pergunta deixou-o desconfortável?” e o Treinador Wooden acenou positivamente com a cabeça. “Se não quiser, não vamos por este caminho?” – perguntou o Detetive Colombo, mas o Treinador Wooden respondeu – “não, é importante aprendermos com os momentos em que as coisas não nos correram bem, vamos a isso”.
O Detetive Colombo encostou-se à cadeira, como que a dar espaço e tempo ao Treinador Wooden e este respondeu – “recordo-me de um jogo, em que treinava uma equipa que lutava para não descer, estávamos na reta final do campeonato e a pressão era enorme. Tínhamos preparado o jogo o melhor possível, mas o resultado foi catastrófico, perdemos 5-0, olhe precisamente contra o F.C. os Galácticos”.
“Antes do jogo, aconteceu alguma situação inabitual?” – perguntou o Detetive Colombo. “Agora que pergunta” – começou por dizer o Treinador Wooden e continuou – “realmente aconteceu. A caminho do jogo e já no autocarro, o nosso camisola 10 o jogador que organizava e criava o jogo da equipa abordou-me e disse-me algo que me surpreendeu”.
Naquele momento, todas as mesas ficaram em silêncio e as pessoas inclinavam-se ligeiramente na direção da mesa do Detetive Colombo e do Treinador Wooden.
“O que é que lhe disse esse jogador?” – perguntou o Detetive Colombo. Depois de hesitar um pouco, o Treinador Wooden partilhou – “o jogador disse-me que não podia jogar, porque se o fizesse, iria lesionar-se e, mesmo depois de lhe dizer que era um disparate o que estava a pensar, não consegui demovê-lo, porque continuou toda a viagem a dizer-me que se jogasse se iria lesionar, acabou por não jogar e as consequências foram desastrosas” – levantou a mão com os 5 dedos abertos, como que a lembrar-se dos 5-0 finais.
Enquanto o Detetive e o Treinador fizeram uma pausa, parecia estarem a refletir sobre a situação, naquele momento e nas mesas circundantes, aconteceram algumas coisas.
Na mesa da direita, dos avôs, um deles disse aos outros – “já me aconteceu uma coisa semelhante com a minha neta. Estava a levá-la para o jogo, eu conduzia e ela estava sentada no banco de trás, nas minhas costas, e estava em silêncio, o que não era habitual e, por isso, perguntei-lhe o que estava a pensar e ela disse-me que o jogo lhe ia correr mal. Embora lhe tivesse dito não penses isso, o certo é que assisti ao jogo e correu-lhe mal”.
Na mesa da frente, a mãe disse à filha – “recordas-te quando fizeste o exame de Matemática, do 12º ano, pela primeira vez, também passaste a véspera a dizer que te ia correr mal e foi isso que aconteceu”.
Na mesa da esquerda, a dos dois casais, um dos pais congeminou que já tinha passado por situações idênticas e partilhou a seguinte história – “quando comecei a trabalhar no banco, passados poucos meses, fui confrontado com a situação de ter que apresentar a forma como conseguia bons resultados nos PPR’s, durante 3 minutos, numa reunião a nível nacional, por ser o colaborador com melhores resultados, e embora fosse bom no que fazia, só pensava que aquela apresentação ia correr mal e foi isso que aconteceu.”
Entretanto o Detetive Colombo perguntou – “Treinador Wooden preocuparmo-nos com o futuro, pensar que vai correr mal e viver essa preocupação em vez da realidade é um pensamento deliberadamente construtivo, útil, aceitável e agradável, e sensato?”
O Treinador Wooden olhou o Detetive Colombo e respondeu – “não”. “Então, Treinador Wooden encontrou mais um vírus da mente, o vírus PN ou Predições Negativas, isto é, quando as pessoas são pessimistas, pensam que alguma coisa no futuro lhes vai correr mal e depois, paradoxalmente, porque não querem que lhes corra mal, ao pensarem que lhes vai correr mal, acabam por desviar a atenção e, ao fazê-lo, alimentam e concretizam, frequentemente, o prognóstico, a predição negativa, e as coisas acabam por correr mal, não por falta de capacidade, mas por não protegerem a mente do vírus PN” – disse o Detetive Colombo.
“Agora que colocou as coisas nestes termos” – começou por dizer o Treinador Wooden e prosseguiu – “este vírus já me visitou várias vezes” – e como parecia que o Treinador Wooden queria partilhar mais uma situação, o Detetive Colombo ficou calado, à espera e o Treinador Wooden continuou – “a determinada altura, treinava uma equipa pequena e não tinha departamento de scouting. Por isso, tinha de me desdobrar. Como necessitava de observar um jogador que jogava em Ferrol, meti-me no avião e, depois da escala em Madrid, acabei por aterrar em Vigo. Contudo, depois de alugar um carro, quando sai do aeroporto, chovia torrencialmente e estava uma ventania fortíssima. Entrei no carro e comecei a viagem em direção à Corunha e quando entro na autopista, para além da chuva e do vento, a estrada estava cheia de ramos das árvores. Nessa altura, pensei que podia ter um acidente, que as coisas iam correr mal, que o melhor era voltar para trás e esquecer a observação do jogador”.
“Por que razão pensou isso?” – perguntou o Detetive Colombo. O Treinador Wooden olhou para o lado e para o chão, depois para o Detetive e disse – “já tinha passado por uma situação idêntica e o resultado foi péssimo, tive um acidente e acabei no hospital”.
“Lamento. O que fez, voltou para trás ou prosseguiu a viagem?” – perguntou o Detetive Colombo. “Continuei a viagem” – respondeu o Treinador Wooden. “O que aconteceu, para seguir para a Corunha?” – perguntou o Detetive Colombo.
“Recordei a viagem semelhante, em que tive o acidente, e lembrei-me que o acidente aconteceu por conduzir demasiado rápido, para as condições da estrada, embora abaixo do limite de velocidade. Por isso, se conduzisse rápido, embora abaixo do limite, o acidente tinha mais probabilidades de se repetir, mas se conduzisse ainda mais devagar, podia ser bem-sucedido, mesmo demorando mais tempo” – respondeu o Treinador Wooden.
“Qual foi o desfecho dessa viagem a Ferrol?” – perguntou o detetive Colombo. “Cheguei ao jogo mesmo no início, observei todos os jogadores, regressei a casa são e salvo e acabei por contratar um jogador que veio a ser decisivo no sucesso da equipa” – disse o Treinador Wooden.
Nas mesas ao lado, começou-se a ouvir as pessoas a falar sobre o vírus PN (predições negativas) e como o jogo da neta, o primeiro exame do 12º ano e a apresentação pública poderiam ter sido diferentes, para melhor, se as pessoas soubessem que o vírus PN nos visita a todos, de quando em vez, e se pensassem que o futuro pode não ser uma repetição do passado, se for planeado, preparado e executado de maneira diferente de quando as coisas correram mal, em função das aprendizagens desses momentos.
Na mesa do Detetive Colombo, o Treinador Wooden pensava – “no impacto de nos protegermos das predições negativas e as desfazermos, quando se “instalam” nos jogadores, mas também nos treinadores, nos dirigentes e nos sócios.”
“Detetive Colombo, obrigado por me ajudar a conhecer mais um vírus da mente e da necessidade de protegermos a mente, se desejarmos fazer e conseguir o que somos capazes. Tenho muito que refletir, sobre situações na minha vida pessoal e profissional, como Treinador, em que este vírus influenciou negativamente a minha iniciativa ou falta dela e estou curioso por saber se há mais vírus da mente” – disse o Treinador Wooden.
“Infelizmente, há mais vírus da mente. Por exemplo, ao pensar na nossa conversa, verifique que houve dois vírus da mente que me sequestrou a determinada altura. Um eu consegui desfazer, mas o outro não” – disse o Detetive Colombo.
“Que vírus foram esses?” - perguntou o Treinador Wooden. “Um deles, abordamos na nossa última conversa, o outro, podemos deixar esses vírus para a próxima conversa?” – indagou o Detetive Colombo.
Embora curioso, o Treinador Wooden acenou que sim e, nas mesas ao lado, cada uma das pessoas pensou - “espero que a conversa tenha lugar nesta esplanada”.
João Oliveira
Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.