Consegue-se viver sem “futebol”. Será? (Artigo de João Oliveira, 29)

Espaço Universidade Consegue-se viver sem “futebol”. Será? (Artigo de João Oliveira, 29)

ESPAÇO UNIVERSIDADE06.05.202023:34

Identifico-me em várias situações com o Presidente da FPF. Jogamos a mesma modalidade, Basquetebol, no mesmo clube, FC Porto e na mesma posição, Base. Para além disso, aprecio a discrição com que lidera, fazendo muito e “dizendo pouco”. Também estou sintonizado com a oportunidade de mudança que o momento atual proporciona e, sobre isso mesmo, escrevi um pequeno ensaio (“O Futuro é Agora” - https://www.abola.pt/Nnh/Noticias/Ver/835716) e que poderá estar implícita à afirmação -“as pessoas conseguem viver sem futebol”.

Antes de explorar a resposta à questão colocada, sublinhar a utilização da palavra futebol entre aspas (“futebol”), por estar a representar desporto, entretenimento, cultura, (…).

Parece que disse que “as pessoas conseguem viver sem futebol” e o exercício que proponho a fazer é de o refletir se “SERÁ QUE CONSEGUEM?”.

Fruto dos acontecimentos das últimas semanas, a reação inicial poderá ser a de acordo. Mas será que uma reflexão mais profunda nos levará ao mesmo resultado?

Começando por “viver”, se significar ter vida, então poderemos reescrever a frase para: as pessoas conseguem TER VIDA sem “futebol”. Neste enquadramento, será que as pessoas conseguem ter vida sem “futebol”?

Subindo mais um degrau sobre o olhar imediato e tentando ver mais longe, surge uma nova questão: o que é necessário para as pessoas terem vida?

Curiosamente, a nova pergunta introduz o conceito de necessidades (“o que é necessário …”). Ou seja, a eventual resposta a esta questão poderá implicar um olhar ainda mais longe. Vamos subir mais um degrau e explorar o que poderemos passar a ver?

Surpreendentemente, a resposta a esta questão poderá ser encontrada num acrónimo: “V.I.D.A.”.

Começando pela letra “V” de vida, as pessoas têm necessidade de Viver e prosperar física e economicamente. Isto é, as pessoas têm a necessidade de terem capacidade e autonomia quer no plano físico, quer no plano económico. Será que o “futebol” satisfaz essa necessidade? Por exemplo, é ou não verdade que ao praticarem “futebol”, as pessoas podem melhorar a sua capacidade e autonomia física?

Avançando para a letra “I”, as pessoas têm necessidade de se sentirem Importantes. Será que o “futebol” satisfaz a necessidade das pessoas se sentirem importantes? À luz dos “Ronaldos”, dos muitos adeptos, dos tempos de telejornal, dos jornais desportivos, dos canais de televisão quase exclusivos desta temática, das audiências, (…), a resposta imediata é sim. Uma resposta mais refletida, que eleve a “importância” para outro plano, como o do significado e contribuição parece igualmente apoiar uma resposta positiva. Por exemplo, é ou não verdade que o lema do Liverpool – “You’’ll Never Walk Alone” – ou do Barcelona – “Mais que um Clube” – elevam a “importância” do “futebol” para o plano do significado e contribuição?

Prosseguindo para a letra “D”, as pessoas têm necessidade de Diversidade e Desenvolvimento. Ou seja, viver ou ter vida exige ter diferentes experiências. Não é também isso que o “futebol” faz? Depois de uma semana de trabalho, as pessoas podem ou não ter uma experiência diferente através do “futebol”? Durante o próprio jogo, as pessoas têm ou não diferentes experiências, quando há um golo, quando se dá a volta a um resultado, quando se testemunham momentos memoráveis, como o golo do Éder?

A terminar o acrónimo “V.I.D.A.” surge a letra “A”. As pessoas têm necessidade de Atenção, Aceitação, Aprovação, Afirmação, isto é, de se relacionarem também com os outros. Ainda recentemente, num documentário sobre o melhor jogador de todos os tempos, foi afirmado que uma das suas forças motrizes, que o faziam querer ir mais longe, era ter a Atenção do Pai. É ou não verdade que as pessoas satisfazem estas necessidades pertencendo a equipas, sendo simpatizantes, apoiantes ou sócios de um Clube?

Ou seja, se viver significar ter vida e vida a satisfação das necessidades das pessoas, será que as pessoas conseguem viver sem “futebol”?

Recordo que interpretei a afirmação inicial como uma “agitar as águas” no sentido de se aproveitar a janela da mudança.

Parecia estar satisfeito com a reflexão, mas uma voz sussurrou-me ao ouvido – “parece que há pelo menos mais um degrau, que te permitirá ver mais longe”. Curioso, decidi subir, para ver o que surgia.

O que vi?

Tal como o nascer do dia, surgiu-me uma ideia, que poderá fazer toda a diferença. A ideia envolve distinguir duas situações: uma viver e outra sobreviver. Isto é, para viver, para ter vida, para desfrutar a vida, as pessoas necessitam de satisfazer todas as suas necessidades – a “V.I.D.A.”. Quando não há condições para as satisfazer, quando surgem desequilíbrios entre estas necessidades e a sua satisfação, então começam a surgir problemas no plano físico, económico, mental, social, emocional ou espiritual. Nesses casos, a qualidade da experiência das pessoas baixa, as pessoas deixam de viver, prosperar, e passam a sobreviver. Quanto maiores forem essas diferenças, maior será o desconforto.

Esta reflexão parece sugerir duas coisas. Primeira, que o “futebol” pode satisfazer as necessidades das pessoas e, ao fazê-lo, ajudar as pessoas a viver, ter vida, desfrutar da vida. Segunda, a alteração de uma palavra podia fazer algum sentido. Isto é, reescrever a afirmação “as pessoas conseguem VIVER sem futebol”, para as pessoas conseguem SOBREVIVER sem “futebol” (recordo que “futebol” tem um sentido mais lato, de desporto, espetáculos, cultura, …).

Contudo, como a última palavra é sua, termino como comecei perguntando:

Consegue-se viver sem “futebol”. Será?

João Oliveira

Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.