O Futuro É AGORA (Artigo de João Oliveira, 27)

Espaço Universidade O Futuro É AGORA (Artigo de João Oliveira, 27)

ESPAÇO UNIVERSIDADE24.03.202022:34

A situação atual é difícil, dura e dramática. Repentinamente tudo mudou. O teletrabalho, a suspensão das escolas, o ficar em casa, o lavar as mãos a todo o momento, o tirar os sapatos ao entrarmos em casa, o distanciamento social, (…).
 

Se alguém nos dissesse que tudo isto ia acontecer, há 1 ano, será que responderíamos “nem pensar”? Contudo, está a acontecer.

Para quem estuda a mudança e tem várias publicações sobre o que complica, condiciona e compromete ou “mata” a mudança (ver Quem “Matou” a mudança em Espaço Universidade da edição de “A Bola” online), afinal parece que há casos ou circunstâncias que aceleram a mudança. Será? Antes de “degustar” a resposta a essa questão, irei abordar duas questões.
 

Primeira: realçar o “convite” das circunstâncias atuais, para ativarmos o modo de sobrevivência. Compreendemos a ativação do sistema sobrevivência como uma absoluta necessidade e consequentemente todos os cuidados para contermos a propagação do vírus e toda a concentração de meios humanos e materiais nos sistemas de saúde, segurança e serviços essenciais. Por isso, agradecemos a todas as pessoas que se arriscam e sacrificam, como médicos, enfermeiros, polícias, bombeiros, (…), em prol do bem dos outros.
 

Segunda: as circunstâncias deste momento também oferecem condições singulares de desenvolvimento e transformação e que curiosamente até podem apoiar o sistema sobrevivência. Isto é, ao concentrarmos alguma da nossa energia no desenvolvimento, podemos ajudar a sobrevivência de todos. Como?
 

Não sei se já se “tropeçou” com uma frase como esta: “all the great changes are preceded by chaos”.

Uma exploração superficial do caos, mais concretamente da teoria do caos, poderá recordar-nos duas coisas: que o comportamento futuro também é determinado pelas condições iniciais; e que, ao longo do processo, há fatores de instabilidade que “abrem uma janela” para os recomeços.
 

Neste enquadramento, do mesmo modo que um bater de asas de uma borboleta na Argentina pode provocar um furacão no Texas (conhecido por efeito borboleta) e compreendendo que o futuro não depende só das condições iniciais, estas podem ter um enorme impacto no futuro.

Por outro lado, percebemos que a instabilidade pode ser planeada e desejada ou “ocasional” e, por vezes, indesejada (caso atual), mas em ambos os casos, a instabilidade cria condições para os recomeços.
 

Por último, também nos é percetível que o balanço, o repensar o que fizemos ou a reflexão sobre o passado podem alavancar as mudanças, caso contrário arriscámo-nos a ingloriamente esperar resultados diferentes com soluções semelhantes.
 

Assim, quer as situações iniciais, quer os fatores de instabilidade de processo, quer a reflexão e aprendizagem sobre o passado podem ter um enorme impacto no futuro.
 

No caso da sociedade em geral, mas também do Desporto, podemos “olhar” para a situação atual através da “janela da sobrevivência” e, consequentemente, vê-la apenas como um problema, como quem olha para um copo com água até meio e diz “está meio vazio”, ignorando a metade cheia (“pessimistas”), como uma oportunidade, dizendo que o mesmo copo “está meio cheio” e ignorando a metade vazia (“otimistas”)  ou como uma situação exigente mas que é possível ser superada com planeamento, ambição e convicção de a superar, muita concentração, esforço e disciplina individual, melhor trabalho coletivo, uma resiliência de ferro e com o apoio dos outros (“realistas”).
 

Trate-se de um conjunto de países, uma nação, uma empresa, um clube, uma família, (…), ou uma modalidade – por exemplo o Basquetebol, Rugby, Ciclismo, Atletismo – a “janela” que se escolher para “ver” o que se passa, a do “pessimista”, a do “otimista” ou a do “realista”  poderá influenciar a forma como cada um não só irá “ver” a situação presente, mas também como poderá vir a ser o futuro.
 

Por outro lado, também é possível “olhar” para a situação atual através da “janela do desenvolvimento e transformação”. A instabilidade atual provocará uma inevitável mudança e, nestes casos, a questão não é se as coisas vão mudar, mas porquê, o quê e o como vão mudar.

Deixar o sistema sobrevivência “conduzir” a mudança poderá resultar no mesmo que ter uma pessoa embriagada a conduzir um automóvel. Contudo, se for o sistema desenvolvimento e transformação “conduzir” a mudança, esta poderá resultar no mesmo que ter um condutor sóbrio a conduzir. A “viagem” e as suas consequências serão as mesmas para os condutores, para os acompanhantes, para as pessoas dos outros veículos ou para os peões, nestes dois casos?
 

Regressando à questão inicial, SERÁ QUE HÁ CASOS OU CIRCUNSTÂNCIAS QUE ACELERAM A MUDANÇA?

Imagine-se duas situações. Uma, com um copo de água gelada, alguém a colocar um cubo de gelo nesse copo e depois arrumar esse copo no congelador. A segunda, com um copo de água a ferver e alguém a colocar um cubo de gelo nesse copo.
 

Na primeira situação, o cubo de gelo muda, ao fim de umas horas? Para mudar o estado do cubo de gelo, neste caso do gelo, porque a água do copo também congelou, necessitámos de descongelar. Nestas circunstâncias, a mudança é complicada, condicionada e comprometida ou as circunstâncias “matam” a mudança do cubo de gelo para água. Isto é o que normalmente se passa, com as organizações, com as equipas, com as pessoas, (…), e por isso, nessas circunstâncias, sem descongelar primeiro “não há” mudança.
 

No segundo caso, a água do cubo de gelo muda o seu estado sólido para líquido, em minutos. Porquê? Por que o cubo de gelo foi colocado em circunstâncias que aceleram a mudança. A instabilidade atual também proporciona circunstâncias que podem acelerar a mudança, que é tão difícil noutras circunstâncias.
 

Não compreender esta diferença e desperdiçar este momento é o mesmo que um ferreiro ter o ferro quente, deixá-lo arrefecer e só então tentar moldar o ferro. Ou seja, este pode ser um momento de “malhar no ferro enquanto está quente” e conseguir a mudança desejada mais fácil e rapidamente.
 

Concluindo, poderíamos resumir que a instabilidade atual para além de ativar e bem o sistema sobrevivência e que por isso, muita da nossa energia deve ser para aí canalizada, também oferece uma oportunidade única ao Desporto – Basquetebol, Andebol, Voleibol, Natação, Atletismo, Futebol, (…) – mas também à sociedade, a de aproveitar o estado de “descongelamento” e mudar para melhor, refletindo e aprendendo com o passado e de recomeçando com novas condições iniciais, se quisermos aproveitar que o “ferro está quente”.
 

A propósito, por condições iniciais, podemos considerar quatro dimensões, concretamente a estratégia, a estrutura, a equipa e a ética. Se assim for, colocam-se quatro questões essenciais ao Desporto e à Sociedade:

1.       Qual é o futuro desejado e que plano estratégico o apoia (o novo, do recomeço)?

2.       Que sistemas e processos (estrutura) são coerentes com o plano estratégico?

3.       Que interação (equipa) pode despoletar a eficácia?

4.       Que princípios e valores (ética) alavancam a grandeza?
 

Tal como ajuda pensar antes de agir, estar concentrado enquanto agirmos e ensaiar ou treinar entre as ações (como fazem os atletas entre as competições), aproveitar este momento de paragem, para refletir e aprender com o passado e planear novas condições iniciais para construirmos o futuro desejado, pode fazer toda a diferença.
 

Por isso, o Futuro é AGORA, a Mudança é AGORA, a questão não é saber se as coisas vão mudar, mas saber que sistema vai “conduzir” a mudança.


 

João Oliveira

Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.