Desporto: que prioridades para a nova legislatura 2019-2023 (artigo de António José Silva, 11)

Espaço Universidade Desporto: que prioridades para a nova legislatura 2019-2023 (artigo de António José Silva, 11)

ESPAÇO UNIVERSIDADE29.10.201919:05

O Desporto, infelizmente, não é uma prioridade para Portugal e se dúvidas houvesse, a análise aos programas eleitorais dos partidos políticos para as eleições legislativas de 2019, para o horizonte temporal de 2019-2023, confirmam-no.

Mais do que o Estado, os partidos políticos continuam a considerar o Desporto como uma menos-valia, ignorando a sua múltipla dimensionalidade, descartando-o enquanto: prática promotora de valores e instrumento de melhoria da qualidade de vida das pessoas; forma de combater manifestações de exclusão social; fator promotor de coesão territorial mobilidade social; indústria e; sector gerador de potenciais talentos com repercussões sociais inquestionáveis.

Não obstante a existência de propostas em quase todos os partidos, enquadram-se genericamente como propostas desgarradas que não resolvem o problema estrutural do Desporto.  

O exercício a que nos propusemos foi o de resgatar as melhores propostas de todos e recriar outras, sem repetir o que está já feito (em construção) no quadro da legislatura anterior e na projeção da nova!

Recuperámos como objetivos estratégicos principais os apresentados pelo partido que irá governar (PS): afirmar Portugal no contexto desportivo internacional, quer ao nível dos resultados desportivos; e (2) colocar o país no lote das quinze nações europeias com cidadãos fisicamente mais ativos, promovendo a coesão social e a inclusão e o combate a todas as formas de exclusão.

Propusemos medidas que sejam cumulativamente estruturantes, exequíveis e economicamente sustentáveis no quadro de uma legislatura.

Medidas globais:

1.                  Reorganização estrutural e funcional do sistema desportivo e das organizações desportivas (OD’s), mais especificamente:

a.             A afirmação do desporto enquanto área política, pela separação definitiva, em sede da área sectorial, da Juventude e do Desporto, com atribuições específicas do (novo) instituto de desporto na centralidade de todos os contratos programas com o sistema desportivo (prática desportiva; enquadramento técnico, alto rendimento, seleções nacionais, preparação olímpica e paralímpica, centros de treino de alto rendimento, gestão e organização, eventos, formação de recursos humanos, prémios e bolsas e continuidade territorial);

b.             Redefinição do papel, e funcionamento do conselho nacional do desporto, independente da tutela da Secretaria do Estado do Desporto e Juventude e do IPDJ, a exemplo do que sucede, por exemplo no Conselho Nacional de Educação;

c.              Redefinição do papel das organizações cúpula do desporto em Portugal: do COP e do CPP, pós jogos de Tóquio 2020, cabendo-lhes exclusivamente a organização das missões e outras missões desportivas estruturantes. Entregar, no âmbito do subsistema de alto rendimento desportivo, às federações desportivas com UPD, a preparação olímpica e paralímpica; da Confederação do Desporto de Portugal, como instituição representativa das OD’s junto da tutela, autónoma e sem financiamento programático do IPDJ, cofinanciada pelas Federações Desportivas; da fundação do Desporto, com atribuições exclusivas no âmbito do mecenato e captação de financiamento privado para o desporto de alto rendimento. Deveriam ser avocadas as atribuições e competências de financiamento dos centros de alto rendimento desportivo às comissões de gestão local;

d.             Implementação de um novo modelo de financiamento/fiscalização do desporto em Portugal num quadro plurianual, com mecanismos de controlo de resultados, devidamente avaliados e monitorados com a tutela, especificando:

i.Auditorias de controlo a todas as organizações cúpula do desporto, para além das federações desportivas;

ii.Financiamento programático baseado no histórico do grau de execução dos contratos programa definidos com a tutela e nos indicadores métricos da tutela relativamente às OD’s em Portugal;

iii.Modificação do modelo de financiamento do desporto, especificamente os jogos online (Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, alterado pelas Leis n.ºs 13/2017, de 2 maio, e 101/2017, de 28 de agosto), que atualmente constituem uma “coutada” que privilegia somente quatro modalidades (Futebol, Basquetebol, Ténis e Desportos de Inverno). O Imposto Especial Jogos Online (IEJO) cobrado em 2018, rondou os 47 milhões de euros, para uma receita bruta total de cerca de 108 milhões de euros. As apostas no futebol decorreram fundamentalmente do Campeonato do Mundo de 2018 (FIFA World Cup 2018), da Primeira Liga portuguesa e da La Liga espanhola (com 7,2% e 5,0%, respetivamente). No ténis, do torneio de Roland Garros (17,3%), seguido dos torneios Open de Madrid e Open de Roma (7,9% e 7,4%, respetivamente). No Basquetebol, a competição norte-americana NBA representou 43,4% do total das apostas na modalidade Basquetebol.

Medidas sectoriais para termos cidadãos mais ativos:

1.                  Criação, em estreita coordenação com o programa nacional de promoção da atividade física, de um programa nacional de promoção do exercício e do desporto, em coordenação entre a Secretaria Estado da Educação e Secretaria de Estado do Desporto, as escolas, as autarquias e as OD’s com UPD;

2.                  Aposta inequívoca na criação de hábitos de prática, através da educação física e o desporto na escola (DnE), potenciando a complementaridade entre o sistema desportivo e o sistema educativo, com as verbas já existentes, quer do orçamento de estado, via direção geral dos estabelecimentos de ensino (DGEST) para financiar os créditos horários atribuídos aos professores, quer dos jogos sociais (DR n.º 144/2017, Série I de 2017-07-27) via direção geral de educação (DGE) para, supostamente, financiar as atividades do desporto escolar, que no ano de 2018, se traduziu em cerca de 6.899.500€.

3.                  A operacionalização das expressões físicas e motoras no primeiro ciclo do ensino básico, com a obrigatoriedade de implementar a competência aquática em todas as crianças do 1º ciclo (e talvez assim se concretize a aposta no mar, sempre adiada);

4.                  Modificar o modelo de organização funcional do DnE, deixando o estado de financiar única e exclusivamente a escola para passar a cofinanciar também parceiras organizativas escola-associativismo-autarquias, mediante projetos e ações que possibilitassem a complementaridade e adequabilidade: i) do projeto do DnE com o projeto educativo (currículo associado); ii) entre o projeto de escola e o associativismo (clubes, associações e federações) e respetiva implantação desportiva; iii) entre PE e PD e as prioridades regionais/locais da administração intermunicipal/autárquica/freguesia.

5.                  A valorização e apoio material, logístico, humano, fiscal, social e financeiro do estado no papel insubstituível dos clubes desportivos, devidamente certificados, valorizando o seu papel no âmbito da formação até ao rendimento, promovendo: a isenção fiscal pela contribuição majorada para a constituição de seleções nacionais e outros critérios; o reforço do estatuto do dirigente associativo, ou voluntário, permitindo que a inclusão em projetos desportivos seja valorizada no ensino superior e/ou mercado de trabalho/formação tutelada (suplemento ao diploma);

Medidas para afirmar Portugal no contexto internacional (resultados):

Algumas das medidas mais paradigmáticas que o estado pode proporcionar para um contexto social adequado e dedicação prioritária devem passar por três níveis de intervenção básicos: i) consenso quanto à filosofia do modelo de alto rendimento desportivo em Portugal; ii) disponibilização das condições contextuais sociais no alto rendimento; iii) disponibilização das condições de treino no alto rendimento. Mais concretamente, proporcionar:

1.                  O cumprimento da regulamentação no desporto de alto rendimento, salvaguardando os direitos dos praticantes profissionais e a sua integração económica e social pós carreira e a promoção do acesso generalizado à formação de técnicos e dirigentes.

2.                  A ancoragem dos programas de preparação olímpica e paralímpica, com base na sua avaliação nas FD’s de modalidade, não os diferenciando do restante subsistema de alto rendimento desportivo;

3.                  Programas de enquadramento desportivo de atletas potenciais talentos com a necessária articulação (já feita no âmbito das UAARE’S) entre o sistema educativo e o sistema Desportivo, conciliando o sucesso académico e desportivo, agora ao ensino superior (carreira dupla),

4.                  Contextos de treino disponíveis: agilizando a utilização de infraestruturas desportivas públicas por parte dos atletas de alto rendimento desportivo e desonerando os custos de utilização por parte dos desportistas de alto rendimento desportivo nas excelentes infraestruturas existentes nos diferentes CARS no País;

5.                  Criar uma estrutura nacional de controlo e avaliação do processo de treino com valências ajustadas às necessidades dos desportistas de alto rendimento desportivo, integrando nesta estrutura os centros de medicina desportiva; o CAR Jamor; os CARS’s nacionais e os laboratórios adstritos às IES;

Não obstante ser necessário mais dinheiro, do orçamento, para o Desporto (os propalados “três” dígitos) a grande questão para a equidade e funcionalidade do sistema não se prende com mais verbas, mas sim com a necessidade, urgente, de se redefinirem, quer os programas de atividade que dão suporte às prioridades definidas quer, ainda, as organizações que são alvo de financiamento para funções e competências para as quais o estado e outras organizações existentes podem assumir, numa ótica de reorganização, indispensável, do sistema desportivo.

António José Silva é Professor Catedrático UTAD; Presidente Federação Portuguesa Natação; membro Conselho Nacional de Desporto e Conselho Nacional da Educação; Membro do Conselho Científico do Plano Nacional de Promoção da Atividade Física.