Espaço Universidade Quem “matou” a mudança? Suspeito 20 – Resistir à Eficácia (Parte 4) – artigo de João Oliveira
“O que é que torna as organizações grandiosas?” – perguntou o Presidente Mark Angie ao Detetive Colombo. Tinham passado umas semanas, depois das conversas sobre os 3 “C’s” que alavancam a eficácia, nomeadamente o Conhecimento (link), a Competência (link) e a Concretização (link) e, desta vez, o Detetive Colombo acompanhava a comitiva do F.C. os Galácticos para o grande jogo, no autocarro do Clube. “Que honra” – pensava Ele. Os jogadores seguiam no piso de cima e o Staff sentava-se no de baixo. Ao entrar, o Detetive Colombo reparou no detalhe de todas as cadeiras terem as iniciais de cada pessoa bordadas, no encosto para a cabeça e, por isso, esperou que todos se sentassem. Enquanto tirava a sua gabardine, reparou que já estavam todos sentados e que havia apenas um lugar desocupado e, enquanto se aproximava, foi surpreendido com as iniciais “DC” no encosto de cabeça desse banco. Hesitante entre se sentar ou esperar, o Presidente Angie disse – “é mesmo o seu lugar Detetive Colombo”.
Com os bancos virados uns para os outros, o Detetive Colombo trocou olhares com Robert West Diretor Geral, Brad Wooden Treinador Principal e Anthony Smith Coordenador da Academia. Todos estavam curiosos por descobrir o que é que tornava as organizações grandiosas e, já depois do autocarro arrancar, o Detetive Colombo começou por perguntar – “concordam que todas as ações – concretizações – têm uma reação, um efeito, um impacto, um desenlace ou uma consequência?” Perante o acenar de acordo com a cabeça, de todos, o Detetive disse – “o problema não está nas ações ou concretizações terem consequências, mas na qualidade das mesmas”. “Como assim?” – perguntou o Presidente Angie.
“Quando um jogador é substituído e atira a braçadeira de Capitão para o chão, não cumprimenta o Treinador ou Colegas, a caminho do banco, pontapeia as garrafas de água e na conferência de imprensa culpa os colegas, o Treinador ou os árbitros pelo desempenho, a consequência é positiva?” – perguntou o Detetive Colombo.
A resposta parecia evidente, mas todos ficaram em silêncio, antes de começarem a explorar a situação. Passados uns segunditos, o Coordenador Anthony Smith disse – “independentemente desses comportamentos poderem ser impulsivos e, muitas vezes, inconscientes, poderão ainda ser reveladores de interesses egoístas”. O Diretor Geral Robert West acrescentou – “esse conjunto de ações (atirar a braçadeira de Capitão para o chão, …) poderá ajudar o jogador a descarregar, no imediato, a energia, mas é-lhe prejudicial a longo-prazo, como já aconteceu no Clube com um jogador que teve este tipo de comportamentos e foi-lhe instaurado um processo disciplinar e acabou por ser transferido, com enormes prejuízos para Ele e para o Clube”.
Os olhares voltam-se novamente para o Detetive Colombo que, por isso, perguntou – “nos momentos em que um Treinador é condescendente com os jogadores “estrela”, permitindo-lhes atrasos a treinos e jogos, a não passarem a bola aos colegas desmarcados e a não se esforçarem nos treinos, as consequências são positivas a médio e longo-prazo?”
O Presidente Angie desviou o olhar para a janela, como a recordar alguma situação, e disse – “estou-me a lembrar de tantos e tantos talentos e de alguns Treinadores que poderiam ter tido uma excelente carreira e proporcionado excelentes momentos, mas acabaram na “rua da amargura” por tentarem agradar aos outros, aos colegas, aos treinadores ou aos jogadores”.
O olhar pensativo de todos parecia dizer – “que se estavam a lembrar de situações semelhantes” e o Detetive Colombo continuou com mais uma pergunta – “quando uma equipa ou um clube são regidos por regras e regulamentos que mais parecem um “lençol” descrevendo o que as pessoas não podem fazer e as respetivas punições para os prevaricadores, as pessoas (jogadores, treinadores, colaboradores, …) acabam por cooperar comprometida, entusiástica e criativamente?”
A pergunta parecia ser uma rasteira, mas o nível de integridade e honestidade de todos ajudou a continuar com a exploração. A confiança no Detetive Colombo parecia estar a dizer a todos – “o Detetive quer ajudar-nos a perceber algo” e, por isso, o Treinador Brad Wooden contribuiu dizendo – “bem pelo contrário. Quando comecei a ser treinador, tinha uma lista infindável de coisas que não se podiam fazer, até porque quando jogava tinha-me apercebido dos muitos comportamentos que comprometiam o rendimento das equipas. Por isso, a acompanhar esse “lençol” de coisas que não eram permitidas, havia as respetivas multas. A intenção era a melhor, que as pessoas tivessem um comportamento adequado ao rendimento, mas não era nada disso que “colhia”. As pessoas acabavam aprisionadas e a consequência era a resistência dissimulada de uns, a rebeldia de alguns, a desistência ou transferência de outros e o cumprir com o essencial de uma boa parte.”
Por esta altura, o autocarro parou. Todos saíram para alongar um pouco e beber um café. Foi um momento curioso. Os Dirigentes e o Detetive Colombo passaram esse momento em silêncio. Parecia que todos estavam a refletir. Já no regresso ao autocarro e à viagem, o Detetive Colombo colocou mais uma pergunta – “em que é que os jogadores acreditam e o que é que acham importante fazer para jogar se, por exemplo, o Treinador convocar e fizer alinhar os “talentos” mesmo que eles não se preparem, esforcem, progridam e executem o melhor para todos?”
Depois de olhar para os outros, o Diretor Robert West respondeu – “começam a acreditar e a valorizar o talento e passam a comportar-se em função dessas crenças e valores e, mais tarde ou mais cedo, a qualidade dos treinos baixará e os jogadores não se esforçarão, nos jogos, tornando muito difícil o sucesso”.
“Quais são as consequências” – começou o Detetive Colombo e continuou – “para uma organização ou equipa que “alimenta” os interesses egoístas, o melhor a curto-prazo (no imediato), o agradar complacentemente aos outros, mesmo que isso seja errado, seguir-se a “letra da lei” (regulamentos detalhados e punitivos), mesmo que sejam incoerentes e aplicados intransigentemente com os “fracos” e grosseiramente com os “fortes” ou que tenha dirigentes, treinadores ou colaboradores que “alimentem” crenças e valores com consequências nefastas?”
Sentindo todos a olharem para ele, o Presidente Angie disse – “essas organizações e essas equipas acabam por inibir e limitar o potencial humano, por mudar o mundo, mas não para melhor, por fracassar no tempo, por comprometerem toda a eficácia, no tempo. Até podem vencer um campeonato, mas dificilmente conseguirão repetir consistentemente essas vitórias, e comprometerão todas as possibilidades de deixar um legado, alcançar a grandeza.”
“Qual é a alternativa, Detetive Colombo?” – perguntou o Diretor Geral Robert West, seguindo-se outra pergunta, do Coordenador Anthony Smith – “o que é que torna o resultado, o desfecho, o desenlace ou as consequências das nossas ações em grandeza?”
O Detetive Colombo preparava-se para responder, mas esperou um segundo, o suficiente para o Treinador Brad Wooden dizer - “a sua sensatez?” Os olhos viraram-se todos para o Detetive Colombo que disse – “já lá iremos, mas antes deixam-me explorar uma ideia” – o olhar fixo de todos parecia sugerir que continuasse e foi o que fez, depois de recordar um episódio que lhe tinha acontecido – “quando deixamos cair um objeto do 10º andar, qual é a consequência?”
Todos esboçaram um sorriso que parecia dizer – “essa é fácil” e em uníssono disseram – “irá cair no chão” e o Detetive aproveitou o momento para colocar uma nova pergunta – “qual é a consequência do contacto da água no estado líquido com temperaturas de 0º C ou de 100º C?” Embora ninguém esperasse esta pergunta, o Coordenador Anthony Smith gostava de fazer experiências, desde miúdo, e respondeu – “forma gelo, no 1º caso, e vaporiza, na 2ª situação”.
Seguiu-se uma gargalhada, como que a dizer – “esta também todos sabíamos” e o Presidente Angie fez o seguinte comentário – “está a dizer que há fenómenos naturais que perante algumas condições nos permitem observar determinadas consequências em função de uma determinada lei natural ou princípio, como quando misturados azeite na água e vemos o azeite a vir á tona”.
Parecia que se estava a aproximar um momento revelador, todos avançaram os ombros e o olhar na direção o Detetive Colombo, que disse – “do mesmo modo que algumas leis naturais ou princípios, que desenvolvemos frutos da experiência ou investigação, nos permitem prever determinadas consequências, como a queda de um objeto ou a vaporização da água, imaginem o enorme impacto que poderia ter nos Clubes, nas Equipas, nas Pessoas ou em qualquer organização, conhecermos e aplicarmos as leis naturais ou os princípios que regem as consequências das concretizações, as ações das pessoas”.
O Detetive Colombo calou-se, dando espaço para todos pensarem nesse impacto e, passados uns segundos, o Diretor Geral Robert West perguntou – “qual é essa “porta” que nos permite aceder a essas leis naturais ou princípios?”
Todos estavam à espera de uma resposta elaborada, mas o Detetive Colombo disse apenas – “a nossa consciência” e de imediato, o Treinador Brad Wooden perguntou – “como assim?”
“Quando conscientemente democratizamos o nosso ego, sacrificando os interesses egoístas e gratificações de curto-prazo, será que atirávamos a braçadeira de Capitão para o chão ou pontapeávamos as garrafas de água, ao sermos substituídos?” – perguntou o Detetive Colombo e ao reparar na cabeça de todos a dizer não, continuou – “quando desenvolvemos valores e regras morais que apoiem ações / comportamentos que procuram o melhor para todos, ao longo do tempo, será que seríamos condescendentes com atrasos, faltas aos treinos ou fechávamos os olhos aos “génios” quando não dão o seu máximo?” – o mesmo gesto de cabeça repetiu-se e o Detetive prosseguiu – “se subordinássemos os valores, que “depositámos” consciente ou inconscientemente, várias vezes através do feedback dos outros, como Pais, familiares, colegas de equipa, Treinadores, Professores, colegas de trabalho, (…), e que depois os “levantámos” ou utilizámos para agirmos, repito, se subordinássemos os valores a essas regras morais ou princípios, será que as pessoas iriam “depositar” valores sensatos ou insensatos e consequentemente iriam agir e concretizar de forma sensata ou insensata?”
Estavam a caminho do jogo do ano, o ruído no exterior era enorme, mas o silêncio era absoluto, parecia que cada um estava sozinho, que não havia ninguém à volta, que não estavam no autocarro, que todos estavam a refletir.
“Quando os dirigentes, os treinadores, os colaboradores ou os colegas de equipa agem de acordo com essas regras morais desenvolvidas, com essas leis naturais da interação, com esses princípios, independentemente das consequências imediatas para elas, será que estariam a mudar o mundo para melhor?” – perguntou o Detetive Colombo.
Alguns olhares cruzavam-se e o Detetive Colombo fez mais uma pergunta – “se avaliássemos os efeitos, os desenlaces, os impactos, os resultados, enfim as consequências em função das regras morais desenvolvidas, dos princípios ou leis naturais, não estaríamos a “semear” crenças e valores sensatos e consequentemente “colher” comportamentos sensatos?”
Todos já tinham percebido a magnitude do que estavam a explorar e o Presidente Angie disse – “estaríamos sim” – e depois de uma curta pausa, continuou – “para além de libertar e concretizar o potencial humano, estaríamos a mudar o mundo para melhor e a exercer uma liderança que resiste e perdura no tempo.”
“O que é que entenderam de tudo isto?” – perguntou o Detetive Colombo.
O Diretor Geral Robert West começou por dizer – “que todas as ações têm consequências e que, portanto, a questão não é se têm consequências, mas qual é a qualidade dessas consequências”, o Coordenador Anthony Smith acrescentou – “que as consequências do comportamento são regidas por leis naturais, por regras morais desenvolvidas (Ética), por agirmos em função delas independentemente das consequências imediatas para nós individualmente (Deontologia) ou poder ser regidas por interesses egoístas imediatos, pela complacência, pela “letra da lei”, (…). Quando utilizámos a consciência sensatamente e conhecemos os princípios, desenvolvemos competência e concretizamos sensatamente com Ética e Deontologia, libertámos e concretizamos o potencial humano, perdurámos no tempo, mudámos o mundo para melhor e elevámos a eficácia à grandeza. Porém, a alternativa do ego, insensata, inibe e elimina o potencial humano, fracassa no tempo, muda o mundo, mas não para melhor e compromete a grandeza” e o Treinador Brad Wooden “rematou” – “então a questão não é move-te por valores, mas move-te por valores baseados em princípios intemporais, universais e irrefutáveis”.
Agora, o ar estava desanuviado e o Presidente Angie disse – “parece que encontrámos mais uma resistência à eficácia e também à grandeza, mais um culpado de estar a “matar” a mudança no Clube. Isto é, os resultados ou consequências insensatas”. O Treinador Brad Wooden construiu e disse – “parece que há 3 questões importantes a considerar no caminho para a grandeza: (1) estamos a utilizar sensatamente a nossa capacidade de escolha, nas diferentes situações? (2) a nossa concretização segue as regras morais ou princípios desenvolvidos? (3) as consequências apoiam essas regras morais ou princípios?” “Mas quais são e como se desenvolvem essas regras morais, que nos permitem conscientemente escolher, agir e ter resultados sensatos?” – perguntou o Coordenador Anthony Smith. Seguiu-se novo momento de silêncio, parecia que todos estavam a refletir profundamente e que tinham recebido uma importante “semente”.
O autocarro estava a aproximar-se do estádio. A multidão gritava o nome do Clube e acenava as bandeiras. Chegados ao destino, o Presidente sai do autocarro, cumprimenta alguns adeptos e dirige-se para o interior do estádio. Nesse trajeto e enquanto caminhava, pensava: “(1) o que é o melhor para todos, ao longo do tempo? (2) que grande responsabilidade tem o desporto e não só, de através dele podermos contribuir para libertar e concretizar o potencial humano ou inibi-lo e limitá-lo (3) a Ética e a Deontologia são pilares essenciais das organizações grandiosas e as leis naturais, regras morais ou princípios são a grande bússola orientadora da grandeza (4) por certo, as pessoas que recordamos como grandiosas, como por exemplo Mahatma Gandhi ou Nélson Mandela, entre muitos outros, desenvolveram, aplicaram e viveram estes princípios.
O Detetive Colombo, por seu lado, pensava apenas no seu ídolo e mestre – “Obrigado Pai e até já”.
João Oliveira
Doutor em Psicologia, Mestre em Ciências do Desporto, Licenciado em Ensino da Educação Física, Treinador de Basquetebol, Treinador de Equipas, professor de Psicossociologia das Organizações e do Desporto no Instituto Universitário da Maia – ISMAI e formador em Desenvolver Equipas Eficazes, Motivação e Gestão do Pensamento em Contexto Profissional, na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto.