«O 25 de Abril deu-nos uma visão mais aberta do mundo»
Nelo Vingada e Rui Vitória participam hoje na conferência organizada pela Universidade Lusófona ao abrigo do tema «50 anos de liberdade e educação física e desporto». Foto: ASF

«O 25 de Abril deu-nos uma visão mais aberta do mundo»

FUTEBOL22.04.202408:00

À beira do 50.º aniversário do 25 de Abril, A BOLA conversou com Nelo Vingada e Rui Vitória sobre a evolução do futebol e do papel do treinador no Portugal democrático; Vincam a abertura à academia para formar técnicos e a «justiça social»

Tendo por mote a conferência organizada pela Universidade Lusófona ao abrigo do tema «50 anos de liberdade e educação física e desporto», que se inicia hoje, A BOLA falou com os treinadores Nelo Vingada e Rui Vitória para compreender as visões de duas gerações diferentes de treinadores acerca do papel do Portugal democrático no progresso do futebol, do desporto e também em relação à própria função dos técnicos.

Nelo Vingada tinha 22 anos quando viveu a queda do Estado Novo e desfia as memórias da transição pacífica e do ambiente de abertura vivido no meio académico, numa altura em que era estudante e jogador.

«Depois do movimento de liberdade e de não haver aulas durante uns tempos, foi retomada a normalidade da faculdade e não houve saneamento daquilo que eram as pessoas consideradas fascistas, até porque existia uma proximidade grande entre os estudantes e os docentes», recordou, reconhecendo que a falta de dimensão política o levou a ter um olhar mais leve sobre a questão: «Naquela altura, não tínhamos a dimensão nem a cultura política de hoje. Falar de democracia era pouco usual no dia-a-dia, pela própria natureza do regime anterior.»

Nelo Vingada falou com A BOLA sobre o papel da academia na formação e no sucesso de treinadores em Portugal. Recentemente esteve o com José Manuel Delgado e Vitor Serpa no programa ‘Conselho de Estádio’ da A Bola TV

Sobre os progressos feitos nas infraestruturas, o técnico enalteceu o papel da junção entre a academia e a Associação Nacional de Treinadores na evolução da qualidade dos técnicos, ocorrida entre o final dos anos 80 e os anos 90.

«O nosso desenvolvimento começou a dar-se no final da década de 80 e nos anos 90. Começou a haver cursos de formação de treinadores numa junção entre o ISEF [Instituto Superior de Educação Física ] e a Associação Nacional de Treinadores, o que foi muito profícuo. Além do meu caso, nomes como o do prof. Mirandela da Costa, Carlos Queiroz, Jesualdo Ferreira, entre outros, estiveram na abertura do futebol ao meio académico, que permitiu organizar um sistema de formação que hoje ombreia com o que de melhor se faz no Mundo», sublinhou.

Da inédita participação no Mundial de 1966 até à conquista do Euro-2016 existiu um longo caminho a percorrer, sublinhando o próprio o papel do seu colega de sempre, Carlos Queiroz, em dar organização e uma visão de perspetiva à Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

«O futebol teve o contributo de pessoas fantásticas, mas faltava organização. Nos anos 80, com a visão estratégica do prof. Carlos Queiroz, conseguiu-se implementar um modelo que se estendeu ao País todo, onde foi possível tirar mais e melhor de um talento que sempre existiu, mas que não era trabalhado da melhor forma. Antes tínhamos bons jogadores, formávamos boas equipas, mas faltava uma base de recrutamento tão boa como a de agora», assentou.

Nelo Vingada e Rui Vitória, então treinadores de Marítimo e Benfica, disputaram a final da Taça da Liga, em 2016. Foto: ASF

Nascido pouco antes de 1974, Rui Vitória cresceu com a liberdade dos tempos e reconhece que esta o deixou ambicionar futuro como treinador.

«Fui das primeiras gerações que começou a pensar mais fora que o normal. À medida que fui crescendo, fui sabendo que existiam mais caminhos para se fazer e começámos a ter mais pessoas com ambições alargadas. O 25 de Abril deu-nos uma visão mais aberta do Mundo», disse o antigo treinador do Benfica, valorizando a oportunidade dada ao treinador em mostrar-se além-fronteiras.

«Deu-se a possibilidade de estarmos em pé de igualdade ou mostrarmos a nossa qualidade. A revolução abriu portas para todos e permitiu impor a marca do treinador português», assinalou.

Rui Vitória é um dos participantes do ciclo de debate organizado pela Universidade Lusófona por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, que se inicia hoje . FOTO: ANDRÉ FILIPE

Num contexto em que o treinador luso é valorizado, Rui Vitória destacou a sua «formação integral», realçando o domínio em várias áreas e as ferramentas fornecidas para lidar com os problemas.

«A nossa formação é muito integral. Os cursos e as licenciaturas dão-nos uma bagagem muito grande, que serão o suporte para podermos ir para o estrangeiro e estarmos confortáveis com o que vamos encontrar. Dá-nos versatilidade para um mundo diferente do nosso, onde não temos tempo para pensar», vincou.

Sobre as maiores conquistas no futebol com o 25 de Abril, sublinhou a «justiça social» existente. «Dar a possibilidade das pessoas se exprimirem em plenitude. Não existem limitações nos dias de hoje para que um jovem, se tiver qualidade, tenha as portas abertas. O futebol é uma área de justiça social e o 25 de Abril deu capacidade a todos de mostrarem o que valem», concluiu.

O que ainda está por realizar no futebol português

Em jeito de balanço sobre o que ainda está por realizar no futebol nacional, agora que nos aproximamos a passos largos da data do 50.º aniversário do 25 de Abril, A BOLA desafiou os dois treinadores a identificarem quais as mudanças ainda por levar a cabo.

Nelo Vingada reconhece que, em termos práticos, não falta muita coisa, mas recordou Manuel Sérgio para pedir pessoas com maior capacidade de tolerância.

«Como diz o Dr. Manuel Sérgio, falta um corte epistemológico não na qualidade do jogo ou do treino, mas sim em ter pessoas que saibam colocar o futebol na sua dimensão. É apenas um desporto e deve ter um nível educacional igual à sua grandeza», sublinha Vingada.

Já Rui Vitória prefere fazer uma abordagem mais conceptual, apelando à necessidade de o futebol estar sempre a evoluir.

«Ao longo do tempo existiu uma ideia de que no futebol já estava tudo inventado, o que não é verdade. O futebol vai estar, forçosamente, à espera e preparado para a mudança, porque não vai parar. Ainda tem margem de crescimento muito grande, mas estamos no caminho certo, no sentido de existir esta tal abertura para se descobrir. É assim com todas as modalidades e espero que não exista nenhuma limitação, porque ele tem mesmo de existir», defende.