Tanta diferença para tão pouca diferença: a crónica do Portugal-Eslováquia
Portugal ficou a dever-se uma goleada das antigas; Martinez atrasou-se 20 minutos a substituir; Na Alemanha, pela porta grande
Se disserem que isto é falar de farto, até aceito o reparo. Porque ganhar sete dos sete jogos disputados; marcar 27 golos e só sofrer dois; deixar o segundo, para já a oito pontos; e a linha de água do apuramento direto a dez; e mesmo assim dizer que na segunda parte de ontem podíamos e devíamos ter feito melhor, até pode dar ares de soberba. Mas não é. Trata-se apenas de ter consciência do potencial destes jogadores, que estão a trabalhar para disputarem ao Euro/24 como uma equipa, e ser exigente para além da satisfação pela qualificação para uma nova grande competição, a 13.ª seguida desde o Euro 2000. Ser exigente com este grupo, com este treinador, com esta estrutura que os envolve, não é petulância, é antes respeito pelo que se percebe que podem alcançar, e alguma frustração quando, apesar das vitórias, estas não se revestem da expressão que deviam ter.
Boas ideias de Martínez
O selecionador nacional escalou para a receção à Eslováquia um onze montado a maior parte das vezes em 4x2x4, que tinha nuances de 4x2x3x1 ou de 4x3x3, mas sempre virado para a frente e com uma particularidade inteligente. Com a dupla de ataque formada por Cristiano Ronaldo,q ue defende pouco, e Gonçalo Ramos, que defende muito, a opção não passou por colocar o ponta-de-lança do PSG na função de ser o primeiro defesa, como acontecia no Benfica e sucede agora em Paris, mas dar essa função (simbólica) a CR7 e reservar Ramos para se integrar na linha de sapadores formada por Bernardo Silva, Bruno Fernandes e Rafael Leão - o mais desenquadrado dos portugueses - que atalhavam as saídas de bola dos eslovacos com grande autoridade. Ao intervalo, o 2-0 no marcador era demasiado sovina para tanto e tão bom futebol saído dos pés de Cancelo, Bernardo, Bruno e CR7. A festa fazia-se no Dragão, mas a safra era curta para tanta ocasião.
O ‘apagão’ de Martínez
O segundo tempo, jogado sob chuva diluviana, que fez passar com distinção a drenagem do relvado portista, trouxe uma Eslováquia, já com Bénes na equipa, mais subida, agressiva e a tornar mais complicadas as saídas de bola nacionais. Ao mesmo tempo, percebia-se que havia unidades na turma nacional que não dispunham da frescura física ideal - Bernardo Silva, vindo lesão, era o caso mais evidente - e outros, como Rafael Leão, estavam há muito a pedir substituição. Martinez, apesar desta evidência, só mexeu pela primeira vez aos 65 minutos (Leão por Félix), com ganho imediato da turma das quinas que, mesmo assim, viu os forasteiros reduzirem aos 69 minutos para 2-1 num remate de meia-distância de Hancko, desviado em António Silva. Valeu a Portugal que o 3-1 não tardou (72), após brilhante jogada concluída por CR7 (e vão 125 golos pela Seleção!!!), e pensou-se que o jogo tinha ficado resolvido de vez. Todavia, uma estranha apatia fez com que Roberto Martinez só voltasse a mexer na equipa, injetando intensidade e qualidade, com Otávio, Rúben Neves e Jota, aos 86 minutos, já depois da Eslováquia ter voltado a reduzir para 3-2 (80), graças a uma bomba de Lobotka. O que terá feito Roberto Martinez ter esta paragem, quando o jogo estava a partir-se, o meio-campo de Portugal concedia cada vez mais espaços às iniciativas adversárias, e a dúvida quanto ao triunfo chegou a pairar no estádio do Dragão?
Houve, claramente, um atraso significativo nas substituições, que podia ter causado um desnecessário amargo de boca à turma das quinas. Se o selecionador não tivesse argumentos no banco, ainda podiam compreender-se algumas dúvidas. Porém, com a riqueza que está ao alcance de Martinez, há que dizer que a segunda parte do jogo de ontem não foi das mais felizes do treinador espanhol.
Termino como comecei, realçando que criticar um selecionador com os números de Martinez, pode nem parecer curial. Mas se quisermos estar na Alemanha para discutir o título, impõe-se uma cultura de exigência. Com todos.