ENTREVISTA «Questiono-me porque não fui mais utilizado no Euro 2020»

SELEÇÃO24.06.202409:00

André Silva esteve em plano de destaque antes do Euro 2020 mas apenas participou em três jogos dessa prova

André Silva estreou-se em europeus em 2020 [ou melhor em 2021], depois de já ter participado no Mundial de 2018. Esteve em três jogos e aos 28 anos é à distância que assiste ao Euro-2024, depois de uma época marcada por lesões, que o impediram de jogar ao nível que pretendia. O avançado não esquece o que já viveu com a camisola das Quinas e mesmo de férias, na Grécia, fez uma pausa no descanso para abrir o coração para A BOLA. Sonhador e determinado em voltar a ser (muito) feliz, o avançado recorda os momentos bons e fala da confiança com que olha para o futuro. O seu FC Porto, obviamente, não ficou fora da conversa.

Que Euro 2020 foi esse que na prática se realizou em 2021?

É verdade foi depois da pandemia. Além de ter sido, acho que o primeiro Europeu que fizemos em várias cidades diferentes, em vários países, também foi o único Europeu que foi feito no ano a seguir. E um dos momentos que eu me recordo, e que também mexeu muito comigo, foi o facto de a logística não ser tão facilitada. O tentar estar com a família, ou amigos, ou ver as pessoas que gostamos por causa das regras da organização.

Foi utilizado em três jogos. Ficou foi faltar um golo?

Sim, a verdade é que eu fui para esse Europeu com muita expectativa, muita confiança, até pela época que tinha feito e pelos números que tinha apresentado. Acho que foi a minha melhor época até ao dia de hoje, consegui números perto dos grandes jogadores e até bati alguns recordes. Na altura estava em Frankfurt e fui para o Europeu um pouco com expectativas altas, mas infelizmente as coisas não correram dessa forma. Fui utilizado em três jogos, apenas não entrei no da França. Mas, a verdade é que entrei nos três jogos. O primeiro com a Hungria, ainda estava empatado [vitória por 3-0], e os outros dois já a perder, e entrei a dez ou vinte minutos no final, o último foi vinte minutos.

«Lembro-me de estar em Budapeste e só poder ver a família através da varanda»

O que acha que faltou para que essa sua temporada se refletisse em termos de participação no Europeu como esperava?

Eu muitas vezes questiono-me, faço essa mesma pergunta e não sei. Mas, a janela que nós temos para a Seleção é o clube. É onde nós estamos a maior parte do tempo e até fiz mais do que as minhas expectativas na altura. Tinha feito 28 golos na Liga alemã, tinha sido o segundo melhor marcador, atrás do Lewandowski. Não entendo o que aconteceu e questiono-me várias vezes, mas o futebol é assim, tem muitas pessoas…  Pronto, e temos de seguir um caminho para o bem de todos e para o bem da Seleção. Eu tento fazer a minha parte, dar o meu melhor, mostrar que sou capaz e que posso ajudar e dar mais, mas não consigo responder essa pergunta.

André Silva e Renato Sanches preparam-se para entrar diante da Hungria (Miguel Nunes)

Esse Europeu teve lugar depois dessa pandemia que baralhou o mundo e que nos obrigou a reinventarmo-nos, nas mais diversas áreas. Como é que foi também para vocês gerir todo este reflexo da pandemia Covid-19?

Foi um pouco complicado, mas nós estamos habituados a tentar adaptar-nos rápido e isso também é importante no mundo do futebol. Essa época foi bastante positiva para mim, mas, infelizmente, não soube ao mesmo porque a maior parte dos golos foram feitos com estádios vazios e todas essas emoções só passaram através da televisão. A verdade é que depois no Europeu já tínhamos os estádios cheios, mas para os jogadores é bastante importante estarem rodeados das pessoas que gostam. Eu lembro-me de estar na altura em Budapeste e só poder ver a minha família através da varanda. Esses momentos eram um pouco complicados de gerir porque toda a gente tinha receio, pois houve jogadores que ficaram de fora por estarem positivos à Covid-19. Ninguém queria apanhar Covid porque não queria ficar fora do Europeu. Era uma competição bastante importante, a mais importante do momento. Mas, ao mesmo tempo tínhamos de nos tentar focar no jogo, na competição e estar preparado. Foi uma gestão complexa para nós…

Também por esse medo de apanhar Covid, o próprio convívio entre vocês, nesse estágio do Euro de 2020, foi diferente?

Sim e não. Talvez inconscientemente tivesse sido pois nós sentíamos um pouco de receio, mas acho que estando todos lá dentro sentíamo-nos todos numa bolha. Sentíamo-nos um pouco livres, nesse aspeto visto que ninguém ia ao exterior, ninguém estava com outras pessoas além das que estavam no estágio. Essa acabou por ser a nossa bolha, mas acho que no inconsciente tínhamos essa sensação um pouco de medo.

Esse foi o Europeu a seguir a Portugal a ser campeão da Europa. A verdade é que desportivamente ficou muito aquém do que cada um de vocês queria conseguir alcançar.

É verdade que nós precisamos ter a ambição para chegar porque é preciso acreditar antes de fazer as coisas. Mas, tivemos um grupo bastante complicado. Até lhe chamaram o grupo da morte, com seleções muito poderosas, como a Alemanha, a França e a Hungria. Com a Hungria jogámos em casa deles, em Budapeste, o que tinha um peso maior, mas acabámos por ganhar esse jogo, nos minutos finais, eu entrei por volta dos 81 e a partir daí fizemos a reviravolta para os 3-0. Depois contra a Alemanha jogámos em Munique e a verdade é que tivemos um jogo bastante complicado. Lembro-me de estarmos com a nossa linha de quatro defesas, mas por momentos parecia que estávamos a defender com seis. Depois quando jogámos com a França, já em Budapeste, que na altura era o atual campeão do mundo, acabámos por conseguir um empate que nos permitiu passar como uns dos melhores terceiros classificados, mas não era o que todos imaginávamos e queríamos.

A verdade é que depois desse seu primeiro Europeu voltou a ser chamado para o Mundial e agora esta época tramada que tivesse impediu, de uma forma mais real, de ser opção para este Europeu que se joga na Alemanha? É difícil para gerir esta ausência?

Sim. Eu sempre tive hábito de estar em todas as competições, desde que fui chamado a Seleção. É um pouco difícil, mas faz parte. Temos de nos adaptar, pegar nessas dificuldades e torná-las em algo positivo. Que nos sirva de motivação, de inspiração ou de força para algo. Faz parte. Neste mundo cada um tem o seu caminho e temos é de tentar dar o nosso melhor, aprender com os erros e com as dificuldades, e esperar que na próxima vez seja diferente.

«Fui inconstante porque estive sempre à procura de mais»

Esta temporada fê-lo crescer enquanto jogador, mas também enquanto homem?

Sim, eu olhando para a minha carreira sinto que tive uma inconsistência ao nível de clubes porque eu estive sempre à procura de mais À procura de algo e isso acabou por fazer com que eu andasse de um lado para o outro através das minhas escolhas e das oportunidades que tinha. Mas, olho para trás e vejo vários momentos da adaptação e de crescimento de diferentes épocas, do tipo de jogador que eu fui e do tipo de jogador que eu sou. Claramente a nível pessoal foi um crescimento enorme e a nível futebolístico igualmente porque me permite ver o futebol de outra forma. Permite-me também ver situações diferentes e o que é que eu posso, ou não posso fazer, para aprender com elas e com essas mentalidades diferentes. Já tive contacto  no futebol com culturas espanholas, italianas, alemãs e outras. Todas diferentes e acredito que isso me faz ver o futebol de uma forma bastante diferente daquela que via no início.

André Silva durante um treino da Seleção Nacional na Cidade do Futebol (Sérgio Miguel Santos)

Falou agora das experiências alemães e tem contrato precisamente com um clube alemão, o Leipzig. Vai voltar a jogar na Alemanha?

[Risos] A verdade é que eu depois do Europeu 2020, que foi em 2021, depois da época que fiz nessa altura, eu tive a sensação de que ter uma época inesquecível na Alemanha não seria a mesma coisa se tivesse tido essa época em Espanha. E uma das coisas que me fez procurar mudar de ares, e ir para a Espanha, para outro tipo de campeonato, foi precisamente a Seleção, por causas dessas sensações que teve nesse Euro. A verdade é que todos os jogadores querem estar em palcos grandes e querem ser protagonistas, e eu tento aprender com as lições, ver o que posso fazer e o que posso melhorar. Às vezes são tiros no escuro, como em tudo, são escolhas que nos levam a outras oportunidades e a outras decisões, mas eu estou orgulhoso do que fiz e continuo à procura das melhores oportunidades no futuro. Neste momento seu jogador do Leipzig, acabado o contrato de empréstimo com a Real Sociedad, mas estou sempre à procura de mais e de estar perto dos palcos grandes.

«Regresso ao FC Porto está nos meus horizontes»

Um regresso ao FC Porto e àquela casa que foi sua durante o tempo, está nos horizontes?

Está e sempre esteve nos meus horizontes, se é agora neste presente nunca sabemos. [Risos] Na altura que saí do FC Porto lembro-me de a Seleção não ter muitos jogadores que jogavam na liga a nível nacional, tinha bastante que jogavam a nível internacional. Mas, essa questão do FC Porto sempre esteve e sempre estará presente, agora não sei se estará tão para breve como noutras alturas.

Nesta fase de mudança em que se despediu dos adeptos em Real Sociedad, estás vinculado a um clube alemão, incomoda-o não mostrar o seu valor agora no Europeu para poder também ficar mais tranquilo em relação à próxima temporada?

Incomoda-me porque eu quero sempre mais, trabalho para isso e quero estar nos momentos importantes. Trabalho todos os dias com essa determinação porque o futebol é a minha paixão. Incomoda-me estar a lutar e o resultado não ser o que desejo. No futebol nunca sabemos qual é a melhor escolha e tentamos acertar. Neste momento estou nessa situação e cabe-me ter as melhores escolhas e decidir, mediante as oportunidades que eu criei e que me são apresentadas, qual é a melhor para o meu futuro e tentar desfrutar desta paixão.

Não estando dentro do campo a jogar por Portugal, vai marcar presença em algum jogo na Alemanha, enquanto adepto?

Dificilmente porque sabemos que o nosso tempo recuperação e de descanso é um bocado escasso e eu tento aproveitar ao máximo. Mas, claramente que estou com a Seleção como companheiro e amigo próximo de muitos dos que estão lá na Alemanha. Vou torcer como português, e ainda mais como jogador, para que as coisas corram bem e Portugal seja campeão.

«Acredito que a Seleção vai chegar à final e ganhar»

Até onde acredita que esta Seleção vai chegar neste Europeu?

Eu acredito que a Seleção vai chegar à final e vai ganhar. Como adepto ou como jogador a confiança é a mesma e acho importante que todos nós tenhamos esse sentimento. Acredito que todos os jogadores que lá estão também o sentem e acreditam, e nós adeptos que estamos cá fora temos de passar essa energia para que estejamos todos com a mesma ambição.

Qual é a sua melhor recordação como jogador da Seleção?

Tenho bastantes. Desde que entrei na Seleção. Lembro-me do momento em que entrei e vi jogadores que na altura via jogarem na televisão e comecei a dividir a espaço com eles. Lembro-me de quando marquei o meu primeiro golo, quando marquei o meu primeiro hat trick na Seleção. Lembro-me do no início as coisas estarem a ser bastante consistentes na Seleção. Foram dos meus melhores momentos. Sentia que cada jogo era quase como um golo e tenho momentos enormes dentro do campo e fora do campo. Vou gravá-los para sempre.

Voltar à Seleção é um dos objetivos para a próxima temporada?

Claro. Voltar à Seleção, estar nos palcos maiores e ser protagonista é sempre um dos meus objetivos e acredito que vou lá chegar.

A festejar um golo num jogo de preparação diante do Catar

Como é que descreve o significado de representar Portugal e ouvir o hino, antes de a bola começar a rolar?

É um orgulho enorme e uma boa pressão porque estando lá sinto na pela como se estivesse a defender o meu país. Imaginando que somos todos um só a lutar pelas nossas tradições, pelo que é ser português e pela nossa cultura.

Hoje quem é o André Silva, internacional português?

É um jogador e uma pessoa mais madura, mas que leva sempre dentro dele a criança que se fez apaixonar pelo futebol.

Se pudesse pedir um desejo para a próxima temporada o que é que pedia?

Um desejo em relação à Seleção é que comecemos a próxima época com a Seleção campeã europeia. Em relação a mim, que esteja num sítio onde eu consiga desfrutar, onde me queiram verdadeiramente e eu consiga ter oportunidades para mostrar o meu futebol.

Depois das lesões da temporada passada, tem o desalento arrumado e é um jogador mais feliz?

Sinto que esse é um capítulo fechado e hoje sou um jogador mais forte mais preparado, mais capaz e mais confiante do que antes, e pronto para qualquer desafio. Neste momento estou a preparar-me para desafios difíceis.

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