ENTREVISTA «Questiono-me porque não fui mais utilizado no Euro 2020»
André Silva esteve em plano de destaque antes do Euro 2020 mas apenas participou em três jogos dessa prova
André Silva estreou-se em europeus em 2020 [ou melhor em 2021], depois de já ter participado no Mundial de 2018. Esteve em três jogos e aos 28 anos é à distância que assiste ao Euro-2024, depois de uma época marcada por lesões, que o impediram de jogar ao nível que pretendia. O avançado não esquece o que já viveu com a camisola das Quinas e mesmo de férias, na Grécia, fez uma pausa no descanso para abrir o coração para A BOLA. Sonhador e determinado em voltar a ser (muito) feliz, o avançado recorda os momentos bons e fala da confiança com que olha para o futuro. O seu FC Porto, obviamente, não ficou fora da conversa.
Que Euro 2020 foi esse que na prática se realizou em 2021?
É verdade foi depois da pandemia. Além de ter sido, acho que o primeiro Europeu que fizemos em várias cidades diferentes, em vários países, também foi o único Europeu que foi feito no ano a seguir. E um dos momentos que eu me recordo, e que também mexeu muito comigo, foi o facto de a logística não ser tão facilitada. O tentar estar com a família, ou amigos, ou ver as pessoas que gostamos por causa das regras da organização.
Foi utilizado em três jogos. Ficou foi faltar um golo?
Sim, a verdade é que eu fui para esse Europeu com muita expectativa, muita confiança, até pela época que tinha feito e pelos números que tinha apresentado. Acho que foi a minha melhor época até ao dia de hoje, consegui números perto dos grandes jogadores e até bati alguns recordes. Na altura estava em Frankfurt e fui para o Europeu um pouco com expectativas altas, mas infelizmente as coisas não correram dessa forma. Fui utilizado em três jogos, apenas não entrei no da França. Mas, a verdade é que entrei nos três jogos. O primeiro com a Hungria, ainda estava empatado [vitória por 3-0], e os outros dois já a perder, e entrei a dez ou vinte minutos no final, o último foi vinte minutos.
«Lembro-me de estar em Budapeste e só poder ver a família através da varanda»
O que acha que faltou para que essa sua temporada se refletisse em termos de participação no Europeu como esperava?
Eu muitas vezes questiono-me, faço essa mesma pergunta e não sei. Mas, a janela que nós temos para a Seleção é o clube. É onde nós estamos a maior parte do tempo e até fiz mais do que as minhas expectativas na altura. Tinha feito 28 golos na Liga alemã, tinha sido o segundo melhor marcador, atrás do Lewandowski. Não entendo o que aconteceu e questiono-me várias vezes, mas o futebol é assim, tem muitas pessoas… Pronto, e temos de seguir um caminho para o bem de todos e para o bem da Seleção. Eu tento fazer a minha parte, dar o meu melhor, mostrar que sou capaz e que posso ajudar e dar mais, mas não consigo responder essa pergunta.
Esse Europeu teve lugar depois dessa pandemia que baralhou o mundo e que nos obrigou a reinventarmo-nos, nas mais diversas áreas. Como é que foi também para vocês gerir todo este reflexo da pandemia Covid-19?
Foi um pouco complicado, mas nós estamos habituados a tentar adaptar-nos rápido e isso também é importante no mundo do futebol. Essa época foi bastante positiva para mim, mas, infelizmente, não soube ao mesmo porque a maior parte dos golos foram feitos com estádios vazios e todas essas emoções só passaram através da televisão. A verdade é que depois no Europeu já tínhamos os estádios cheios, mas para os jogadores é bastante importante estarem rodeados das pessoas que gostam. Eu lembro-me de estar na altura em Budapeste e só poder ver a minha família através da varanda. Esses momentos eram um pouco complicados de gerir porque toda a gente tinha receio, pois houve jogadores que ficaram de fora por estarem positivos à Covid-19. Ninguém queria apanhar Covid porque não queria ficar fora do Europeu. Era uma competição bastante importante, a mais importante do momento. Mas, ao mesmo tempo tínhamos de nos tentar focar no jogo, na competição e estar preparado. Foi uma gestão complexa para nós…
Também por esse medo de apanhar Covid, o próprio convívio entre vocês, nesse estágio do Euro de 2020, foi diferente?
Sim e não. Talvez inconscientemente tivesse sido pois nós sentíamos um pouco de receio, mas acho que estando todos lá dentro sentíamo-nos todos numa bolha. Sentíamo-nos um pouco livres, nesse aspeto visto que ninguém ia ao exterior, ninguém estava com outras pessoas além das que estavam no estágio. Essa acabou por ser a nossa bolha, mas acho que no inconsciente tínhamos essa sensação um pouco de medo.
Esse foi o Europeu a seguir a Portugal a ser campeão da Europa. A verdade é que desportivamente ficou muito aquém do que cada um de vocês queria conseguir alcançar.
É verdade que nós precisamos ter a ambição para chegar porque é preciso acreditar antes de fazer as coisas. Mas, tivemos um grupo bastante complicado. Até lhe chamaram o grupo da morte, com seleções muito poderosas, como a Alemanha, a França e a Hungria. Com a Hungria jogámos em casa deles, em Budapeste, o que tinha um peso maior, mas acabámos por ganhar esse jogo, nos minutos finais, eu entrei por volta dos 81 e a partir daí fizemos a reviravolta para os 3-0. Depois contra a Alemanha jogámos em Munique e a verdade é que tivemos um jogo bastante complicado. Lembro-me de estarmos com a nossa linha de quatro defesas, mas por momentos parecia que estávamos a defender com seis. Depois quando jogámos com a França, já em Budapeste, que na altura era o atual campeão do mundo, acabámos por conseguir um empate que nos permitiu passar como uns dos melhores terceiros classificados, mas não era o que todos imaginávamos e queríamos.
A verdade é que depois desse seu primeiro Europeu voltou a ser chamado para o Mundial e agora esta época tramada que tivesse impediu, de uma forma mais real, de ser opção para este Europeu que se joga na Alemanha? É difícil para gerir esta ausência?
Sim. Eu sempre tive hábito de estar em todas as competições, desde que fui chamado a Seleção. É um pouco difícil, mas faz parte. Temos de nos adaptar, pegar nessas dificuldades e torná-las em algo positivo. Que nos sirva de motivação, de inspiração ou de força para algo. Faz parte. Neste mundo cada um tem o seu caminho e temos é de tentar dar o nosso melhor, aprender com os erros e com as dificuldades, e esperar que na próxima vez seja diferente.
«Fui inconstante porque estive sempre à procura de mais»
Esta temporada fê-lo crescer enquanto jogador, mas também enquanto homem?
Sim, eu olhando para a minha carreira sinto que tive uma inconsistência ao nível de clubes porque eu estive sempre à procura de mais À procura de algo e isso acabou por fazer com que eu andasse de um lado para o outro através das minhas escolhas e das oportunidades que tinha. Mas, olho para trás e vejo vários momentos da adaptação e de crescimento de diferentes épocas, do tipo de jogador que eu fui e do tipo de jogador que eu sou. Claramente a nível pessoal foi um crescimento enorme e a nível futebolístico igualmente porque me permite ver o futebol de outra forma. Permite-me também ver situações diferentes e o que é que eu posso, ou não posso fazer, para aprender com elas e com essas mentalidades diferentes. Já tive contacto no futebol com culturas espanholas, italianas, alemãs e outras. Todas diferentes e acredito que isso me faz ver o futebol de uma forma bastante diferente daquela que via no início.
Falou agora das experiências alemães e tem contrato precisamente com um clube alemão, o Leipzig. Vai voltar a jogar na Alemanha?
[Risos] A verdade é que eu depois do Europeu 2020, que foi em 2021, depois da época que fiz nessa altura, eu tive a sensação de que ter uma época inesquecível na Alemanha não seria a mesma coisa se tivesse tido essa época em Espanha. E uma das coisas que me fez procurar mudar de ares, e ir para a Espanha, para outro tipo de campeonato, foi precisamente a Seleção, por causas dessas sensações que teve nesse Euro. A verdade é que todos os jogadores querem estar em palcos grandes e querem ser protagonistas, e eu tento aprender com as lições, ver o que posso fazer e o que posso melhorar. Às vezes são tiros no escuro, como em tudo, são escolhas que nos levam a outras oportunidades e a outras decisões, mas eu estou orgulhoso do que fiz e continuo à procura das melhores oportunidades no futuro. Neste momento seu jogador do Leipzig, acabado o contrato de empréstimo com a Real Sociedad, mas estou sempre à procura de mais e de estar perto dos palcos grandes.
«Regresso ao FC Porto está nos meus horizontes»
Um regresso ao FC Porto e àquela casa que foi sua durante o tempo, está nos horizontes?
Está e sempre esteve nos meus horizontes, se é agora neste presente nunca sabemos. [Risos] Na altura que saí do FC Porto lembro-me de a Seleção não ter muitos jogadores que jogavam na liga a nível nacional, tinha bastante que jogavam a nível internacional. Mas, essa questão do FC Porto sempre esteve e sempre estará presente, agora não sei se estará tão para breve como noutras alturas.
Nesta fase de mudança em que se despediu dos adeptos em Real Sociedad, estás vinculado a um clube alemão, incomoda-o não mostrar o seu valor agora no Europeu para poder também ficar mais tranquilo em relação à próxima temporada?
Incomoda-me porque eu quero sempre mais, trabalho para isso e quero estar nos momentos importantes. Trabalho todos os dias com essa determinação porque o futebol é a minha paixão. Incomoda-me estar a lutar e o resultado não ser o que desejo. No futebol nunca sabemos qual é a melhor escolha e tentamos acertar. Neste momento estou nessa situação e cabe-me ter as melhores escolhas e decidir, mediante as oportunidades que eu criei e que me são apresentadas, qual é a melhor para o meu futuro e tentar desfrutar desta paixão.
Não estando dentro do campo a jogar por Portugal, vai marcar presença em algum jogo na Alemanha, enquanto adepto?
Dificilmente porque sabemos que o nosso tempo recuperação e de descanso é um bocado escasso e eu tento aproveitar ao máximo. Mas, claramente que estou com a Seleção como companheiro e amigo próximo de muitos dos que estão lá na Alemanha. Vou torcer como português, e ainda mais como jogador, para que as coisas corram bem e Portugal seja campeão.
«Acredito que a Seleção vai chegar à final e ganhar»
Até onde acredita que esta Seleção vai chegar neste Europeu?
Eu acredito que a Seleção vai chegar à final e vai ganhar. Como adepto ou como jogador a confiança é a mesma e acho importante que todos nós tenhamos esse sentimento. Acredito que todos os jogadores que lá estão também o sentem e acreditam, e nós adeptos que estamos cá fora temos de passar essa energia para que estejamos todos com a mesma ambição.
Qual é a sua melhor recordação como jogador da Seleção?
Tenho bastantes. Desde que entrei na Seleção. Lembro-me do momento em que entrei e vi jogadores que na altura via jogarem na televisão e comecei a dividir a espaço com eles. Lembro-me de quando marquei o meu primeiro golo, quando marquei o meu primeiro hat trick na Seleção. Lembro-me do no início as coisas estarem a ser bastante consistentes na Seleção. Foram dos meus melhores momentos. Sentia que cada jogo era quase como um golo e tenho momentos enormes dentro do campo e fora do campo. Vou gravá-los para sempre.
Voltar à Seleção é um dos objetivos para a próxima temporada?
Claro. Voltar à Seleção, estar nos palcos maiores e ser protagonista é sempre um dos meus objetivos e acredito que vou lá chegar.
Como é que descreve o significado de representar Portugal e ouvir o hino, antes de a bola começar a rolar?
É um orgulho enorme e uma boa pressão porque estando lá sinto na pela como se estivesse a defender o meu país. Imaginando que somos todos um só a lutar pelas nossas tradições, pelo que é ser português e pela nossa cultura.
Hoje quem é o André Silva, internacional português?
É um jogador e uma pessoa mais madura, mas que leva sempre dentro dele a criança que se fez apaixonar pelo futebol.
Se pudesse pedir um desejo para a próxima temporada o que é que pedia?
Um desejo em relação à Seleção é que comecemos a próxima época com a Seleção campeã europeia. Em relação a mim, que esteja num sítio onde eu consiga desfrutar, onde me queiram verdadeiramente e eu consiga ter oportunidades para mostrar o meu futebol.
Depois das lesões da temporada passada, tem o desalento arrumado e é um jogador mais feliz?
Sinto que esse é um capítulo fechado e hoje sou um jogador mais forte mais preparado, mais capaz e mais confiante do que antes, e pronto para qualquer desafio. Neste momento estou a preparar-me para desafios difíceis.