ENTREVISTA EXCLUSIVA A BRUNO FERNANDES - PARTE 1 Quer ser playmaker? Bruno Fernandes revela-lhe tudo em que tem de pensar
Capitão reconhece que o Manchester United não pode jogar como o rival da mesma cidade; Admite acabar a carreira como médio-centro; Tem um passe diferente para cada colega em campo
A propósito das dificuldades que o Manchester United tem sentido no ataque posicional, Bruno Fernandes foi desvendado a sua linha de pensamento sobre a forma de jogar da equipa e acabou por traçar diferenças para o rival da mesma cidade e até para a Seleção Nacional. Uma pérola num entrevista exclusiva a A BOLA.
- O papel de 8 que tem na Seleção não tem sido replicado no Manchester United, mesmo que algumas das críticas feitas à equipa incidam sobre as dificuldades de construção a meio-campo. Falou-se até várias vezes em jogadores que poderiam ser contratados, como o Frenkie de Jong, para ajudar a resolver essa situação. Mas com o Bruno a mostrar na Seleção o que pode valer como 8, chegou a discutir com o treinador a aplicação do mesmo modelo no clube? É que nos últimos jogos, até tem jogado ainda mais subido, ao lado do McTominay ou até sozinho na frente…
- Neste momento, estou a jogar a ponta de lança mesmo…
- A falso 9, não é?
- Não, não é a falso 9. Não faço esses movimentos. Os que faço não são de um falso 9 porque não estou muito habituado. Tento ao máximo fazer aqueles movimentos que o treinador quer. Ele também me pede para baixar, porque as minhas qualidades não são de estar ali na última linha e lutar com os centrais, embora possa e tente fazê-lo ao máximo quando é preciso e a equipa necessita. Já joguei, no entanto, sobretudo na época passada com o mister Ten Hag, mais baixo. Inclusive, contra o Everton, joguei a 6 e ainda acho que foi dos jogos mais completos que fiz, a todos os níveis. A nível do passe, da organização de jogo, defensivo, tático… Tenho um pouco na minha cabeça que vou acabar a carreira mais para trás, porque toda a gente que aí começou e passou para 10 acabou por recuar no campo no final. É uma posição que gosto, jogar mais baixo, mais de frente para o jogo. Com bola, facilita muito o meu jogo porque tenho uma visão mais ampla do jogo e ideal para aquilo que falámos do último passe… que pode, por vezes, sair de mais baixo no terreno. O jogo com o Everton foi aquele em que mais ocasiões de golo criei mesmo jogando mais baixo e não jogando como 10.
- Falávamos das dificuldades do Manchester United na construção…
- A construção de jogo não se deve à defesa, ao meio-campo ou só ao ataque, porque é, muitas vezes, feita por várias movimentações, por várias componentes necessárias para que a equipa tenha as opções corretas para conseguir sair a jogar. Se nós temos jogadores de transição, acaba por ser difícil que se transformem em jogadores de posse de bola. As suas qualidades estão mais no contra-ataque do que no ficar com a bola. Temos de ter a noção de que na nossa equipa os extremos e pontas de lança, e excluindo provavelmente o Martial, que gosta mais de vir buscar jogo, que é um avançado mais de bola no pé, de segurar os defesas, são mais de contra-ataque, de transição ofensiva, mais de bola na profundidade do que propriamente de bola no pé. A bola no pé surge mais no último terço, de maneira a que depois consigam entrar no 1x1, outra das suas maiores qualidades.
Não posso pedir ao Rashford ou ao Garnacho que façam o mesmo que o Bernardo
- É uma realidade bem diferente da do Manchester City…
- A identidade do Manchester United nunca foi de jogar muito futebol apoiado, é uma equipa de muita intensidade, de futebol intenso e ofensivo. Essa é a ideia do clube. Por vezes, cai-se no erro de achar que todas as equipas têm de jogar em posse de bola… Eu quero jogar em posse de bola, quero ter a bola o mais possível. É óbvio, porque os jogadores que gostam de jogar com bola querem tê-la o mais possível, mas por vezes temos de nos enquadrar no ambiente em que estamos. E não é possível jogarmos da mesma maneira que o Manchester City, porque o Manchester City tem extremos de apoio, muito bons no 1x1 também, mas futebolistas que gostam muito de jogar em apoio e também por dentro. Eu não posso pedir ao Rashford e ao Garnacho, extremos puros de linha, para jogarem por dentro da mesma maneira que outros que se calhar começaram as carreiras como médios ou como números 10 e foram caindo para as linhas. Não posso pedir ao Rashford ou ao Garnacho para fazerem o que o Bernardo faz quando joga a extremo. É uma ideia completamente errada, porque o Bernardo sabe estar entre linhas, está habituado a estar no meio e a jogar de costas e jogar de costas não é assim tão simples quanto parece. As pessoas têm por vezes essa ideia de que todos os jogadores têm de fazer o que os outros fazem. Não, temos características específicas que nos definem enquanto jogadores e fazem com que sejamos muito bons a fazer aquilo que fazemos. As pessoas têm de entender que fazemos o que potencializa a qualidade do jogador ao nosso lado. As pessoas dizem ‘o Bruno tem de ficar mais com a bola’, mas obviamente se estou a jogar na posição 10 e a bola entra entre linhas e eu rodo… e quando a bola entra entre linhas é porque a pressão estava alta… No momento em que rodo, a pressão está nas minhas costas e eu não consigo voltar para trás, porque se voltar para trás vou ao encontro da pressão. A bola vem e posso jogar de apoio ou, simplesmente, ficar com esta e ir para uma lateral. No entanto, se eu rodo e tenho os meus dois extremos a fazer o movimento em profundidade, a minha opção ou é conduzir bola, fazer parede com o meu avançado ou assistir a profundidade dos meus extremos. Se os meus extremos ficam mais abertos, o que acho eu que eles querem? Bola no pé para aproveitar o 1x1. Tenho de jogar com a qualidade que tenho ao meu lado.
[Nota do entrevistador: aqui fica tremendamente interessante e não quisemos interromper todo o raciocínio, deixámos que continuasse]
- Quando vou à Seleção não vou dar profundidade ao Bernardo. Eu sei que o Bernardo não vai correr na profundidade, nem é uma característica sua que potencializa a nossa equipa. Mas se eu pegar na bola e o Leão já estiver a correr provavelmente vou meter a bola à profundidade, porque sei que ele tem uma velocidade incrível. Ou então espero um bocadinho mais para que a defesa adversária baixe e o Leão alargue mais, e dou-lhe a bola para aquilo que ele mais gosta, que é ir no 1x1. Se jogar o Félix, então provavelmente já lhe vou dar um passe mais forte entre linhas. Se for o Jota vou dar um passe em profundidade entre central e lateral. Ao Pedro Neto tanto posso ir na profundidade na área como no pé, porque também é um jogador de 1x1. E podia continuar aqui… Se jogar o Cristiano, tanto posso jogar de parede como naqueles movimentos que ele gosta de fazer por detrás do avançado. A diagonal curta… Com o Gonçalo Ramos já é mais um movimento quando estou perto da área, ele dá a volta ao central e gosta de ver o cruzamento, ou dá a volta ao central pela frente e ataca o primeiro poste. Tenho de conhecer os jogadores que jogam comigo. Eu faço muito bem essa leitura, mas percebo que, de fora, as pessoas queiram jogar de uma determinada maneira e não percebam a leitura do jogo ou do jogador.
- Há aí tanto de treinador já, não há?
- (Risos) Não sei se é de treinador ou não, gosto de fazer a leitura, eu gosto de saber como… Porque também gosto que as pessoas que jogam comigo me potenciem ao máximo… Se um extremo vai na situação de 1x1 a atacar a área e sabe que eu estou ali ainda fora da mesma, acho que a maior parte deles sabe que gosto da bola devagarinho para trás para chutar à baliza, porque é uma das minhas maiores qualidades. Ou, por exemplo, quando o Bernardo arrasta o lateral e trava, e eu estou ali no bico da área, ele sabe que quero a bola devagarinho para meter um cruzamento. São pequenas coisas. Se nós conhecermos o jogador vamos potencializar o nosso companheiro e, ao mesmo tempo, a equipa.