Obrigação cumprida em jogo comprido: a crónica do Liechtenstein-Portugal
Não foi a goleada que se antecipava. Experiências de Martinez não trouxeram solidez. Islândia para um fim de festa só com vitórias.
Não foi a primeira vez, e não será, por certo, a última, em que duas equipas que são de galáxias diferentes proporcionam um espetáculo desenxabido, com a mais forte a não meter intensidade na partida, e a mais fraca a manter-se fiel ao autocarro estacionado em frente ao seu guarda-redes, numa lógica de que perder por dois é melhor do que perder por três, e por aí adiante. Pode levar-se a mal ao Liechtenstein, número 200 do Mundo, esta atitude? Não creio. E a Portugal, sexto do ranking FIFA? Quando tudo já estava resolvido, quando os estímulos são residuais, para lá de ficar sempre a sensação de que devia ter sido feito mais, será de bom senso, ao mesmo tempo, perceber o jogo e as suas circunstâncias, e dar desconto à primeira parte cinzenta, lenta e previsível, de Portugal, e a um segundo tempo melhor a espaços, mas ainda assim pouco interessante. Valeram as três estreias - José Sá ainda salvou um golo, Toti Gomes deixou boas sensações e João Mário entrou completamente desinibido -, valeu o excelente golo de Cristiano Ronaldo (e vão 128 em 204 jogos) e valeu ainda o belíssimo jogo de João Cancelo, o único entre os portugueses que esteve à altura do que sabe, pode e vale.
As opções de Martínez
Perante uma das seleções mais fracas do mundo, o selecionador nacional optou por encharcar a equipa com avançados, que pisaram os mesmos terrenos e tornaram o jogo, em muitas alturas, altamente confuso. Teria sido melhor, mesmo aceitando a colocação de Rúben Neves como central-opcional, que tivesse atuado mais um médio ao lado de Bruno Fernandes, em detrimento de Félix ou Jota, que em muitas alturas se anularam. Com mais um médio, haveria um controlo mais assertivo da partida e uma pressão maior sobre o adversário. Mas Roberto Martinez também tem direito a fazer experiências e, do ponto de vista da ocupação de espaços, não foram das mais felizes. Portugal, mesmo com a intensidade baixinha que meteu no jogo, e não esquecendo a muralha adversária que só queria destruir, criou oportunidades para sair de Vaduz com o recorde de golos numa fase de qualificação já do seu lado, não tendo de esperar por marcar pelo menos duas vezes à Islândia, para isso acontecer. Mas será que após nove vitórias em nove jogos, falamos de fartos? Se calhar. Mas que o jogo não foi dos mais entusiasmantes, isso não foi...
O esboço e o desenho
O_treinador espanhol de Portugal ensaiou um modelo híbrido em que Toti Gomes se transformava em defesa esquerdo e Rúben Neves em defesa central, obrigando Diogo Jota e João Félix a pisar os mesmo terrenos, e deixando Bruno_Fernandes demasiado sozinho na tarefa de construção. Mesmo quando Cancelo optou pelo jogo interior, ou Bernardo descolou da linha do lado direito, a posse de Portugal nunca foi cristalina. Prova disso é que na primeira parte apenas por uma vez, à passagem da meia hora, Cancelo e Bernardo criaram uma jogada vistosa, que Gonçalo Ramos desperdiçou, de cabeça. Mas será que este modelo, que usou muitos atacantes sem ser gritantemente ofensivo, deverá ser replicado, mesmo contra adversários de menor gabarito? Dificilmente a resposta a esta questão será positiva, porque embora Roberto Martinez goste de uma certa capacidade camaleónica nas suas equipas, a descaracterização foi por demais evidente. Chegou para o Liechtenstein, mas não este o caminho para um grande Campeonato da Europa em 2024.
O equilíbrio que é fundamental
Portugal sente-se mais confortável em 4x3x3 ou mesmo em 4x4x2, e será por aí que Martinez deverá aprofundar os processos, quer para continuar a rentabilizar Cristiano Ronaldo, quer para potenciar alguns dos melhores jogadores do Mundo, que estão habilitados a oferecer, ao mesmo tempo, qualidade na posse de bola, intensidade constante e pressão sobre o adversário, tudo, afinal, que pouco se viu na Seleção.