Esplendor na relva em gala de futebol: a crónica da goleada de Portugal
A primeira hora da seleção portuguesa foi uma obra de arte coletiva; Jogar com ou sem Ronaldo não é, de todo, a mesma coisa
Foi, antes do mais, uma grande gala de talentos. Será, aliás, difícil de encontrar uma seleção nacional onde a soma de tantos talentos consiga contribuir, de forma tão generosa e solidária para a fantástica dimensão de uma verdadeira obra de arte coletiva.
Trata-se, de facto, de uma seleção sublime, que durante a primeira hora de jogo ofereceu um espetáculo de esplendor na relva e que reune uma invulgar característica em equipa de tão pura classe: a total ausência de egoísmo, mais do que isso, o gosto de fazer brilhar o companheiro e de sentir felicidade no seu sucesso.
OS PÉS ASSENTES NO CHÃO
Não queremos, porém, que destes elogios se entenda que Portugal é uma equipa inultrapassável. Não existem invencíveis no universo do desporto. Devemos, aliás, baixar as expectativas que a exibição e o resultado neste jogo de preparação com a Suécia possa ter causado nos adeptos portugueses. É importante que se diga que toda a classe individual beneficia muito de jogar sob pouca pressão e a Suécia, que começou o jogo com ar de poucos amigos, criando muitos problemas na primeira fase de construção dos portugueses, acabou por se tornar dócil e pouco ativa, do ponto de vista coletivo, abrindo imensos espaços, onde jogadores como Bruno Fernandes e Bernardo Silva deram um magnífico recital e jogadores como Rafael Leão ou Nelson Semedo puderam dinamitar a frágil organização defensiva dos nórdicos.
Seja como for, mesmo que se deva detetar e procurar remediar a evidente dificuldade da equipa sair a jogar desde a sua grande área, o que também aconteceu pela maior dificuldade de Rui Patrício jogar de modo mais trabalhado com os pés, há que assinalar a forma como Roberto Martinez conseguiu juntar criatividade com organização, a maneira como incentiva a demonstração do talento ao serviço da equipa e a forma como a todos parece ter convencido de que toda essa classe se evidencia melhor com espírito coletivo.
COM OU SEM RONALDO
Ninguém diria, depois de ver a seleção jogar, ontem, em Guimarães, que ainda tenham faltado oito jogadores que podem também ser considerados como de primeira escolha. Entre eles, claro, o maior de todos: Cristiano Ronaldo.
E será que esta Seleção poderá jogar exatamente da mesma forma com ou sem Cristiano Ronaldo? A resposta, na minha perspetiva, é não. Porque jogar com Gonçalo Ramos na frente é ter, além de um fazedor de golos, um primeiro homem a defender quando a equipa perde a bola e um elemento de agitação no sistema do adversário libertando mais Bernardo ou Bruno. Com Ronaldo é ter um puro sangue na frente do ataque e perceber que, estando ele em campo, é impossível ignorá-lo em cada momento do jogo, em cada palmo de terreno. E, poderão perguntar, isso é bom ou é mau para a Seleção? Julgo que a resposta certa é dizer que será diferente. São óbvias as vantagens de ter na equipa um monstro do futebol mundial e um eterno viciado pelo golo. E são inevitáveis as desvantagens de prender mais a dinâmica de uma equipa que sente a necessidade de o procurar em campo.
Curiosamente, foi o que ontem se passou quando Jota fez a sua festejada estreia na Seleção e os seus companheiros tanto quiseram oferecer-lhe a prenda de um golo na sua casa.
Para a história da Seleção ficará um resultado expressivo, uma exibição de encher o olho, um espetáculo entusiasmante e, acima de tudo, um teste bem conseguido.
Ficou, no entanto, a ideia de que Portugal precisaria de se experimentar perante um adversário de topo mundial. Um daqueles adversários que exigem o máximo de cada jogador e de cada sistema. Da longa lista de derrotados que já consta no currículo de Roberto Martinez falta a prova dos maiores.
Certamente que houve critério na escolha de ter nesta fase de preparação uma Suécia poucochinho e uma Eslovénia pouco notável, mas daquilo que se viu não há dúvida de que as sensações são boas.