A BOLA NO EURO 2024 A difícil ressaca da última dança da Seleção no Euro
A BOLA visitou Centro Português de Harburg; Tristeza e orgulho nos arredores do palco da eliminação lusitana; Elementos do Rancho Folclórico com opiniões divergentes sobre a última dança de Cristiano Ronaldo no torneio
HAMBURGO - As caras não enganam, no Centro Português de Harburg, 25 quilómetros a sul do palco onde a Seleção Nacional disse adeus ao Campeonato da Europa 2024. O ensaiador do rancho folclórico até comemora mais um aniversário, mas não há muitos sorrisos na associação. A explicação podia estar no cansaço, tendo em conta que muitos dos presentes foram ao Volksparkstadion assistir ao jogo com a França, mas o que se sente no ar é uma enorme tristeza. As conversas demoram a arrancar - enquanto se pede um café, um galão ou uma imperial — mas a televisão mostra imagens do penálti falhado de João Félix e incentiva a análise. O sentimento geral é de frustração, claro, mas ouve-se falar mais em orgulho do que em desilusão, na ressaca da última dança da Seleção no Euro-2024.
Engrácia Simões é secretária do Centro Português, nome curto para Grupo Cultural, Recreativo e Folclórico Português em Harburg. Vive na Alemanha há quase 40 anos, e nunca tinha visto a Seleção ao vivo. Anteontem esteve no estádio do Hamburgo, onde também nunca tinha entrado, para ver a equipa das quinas. «Achei que era uma experiência única, pois talvez nunca mais tenha oportunidade de ver a Seleção», refere à equipa de reportagem de A BOLA. Passou a tarde no bairro português de Hamburgo e depois seguiu no cortejo para o estádio. «Até à primeira parte do prolongamento estava tudo bem. Depois o coração… a idade já pesa! Não consegui ver os penáltis, não olhei mais para baixo», recorda, emocionada, antes de considerar que a equipa das quinas fez o melhor jogo no torneio e «sai de cabeça erguida».
A mesma opinião tem Marco Dácio, o ensaiador do rancho. Viu o jogo no Centro Português, e não no estádio, mas realça o «grande orgulho» que foi receber a Seleção em Hamburgo. «Foi duro, mas também estou muito orgulhoso. Fizeram um jogo excelente. Eu não percebo muito de futebol, mas não esperava que jogássemos assim contra a França. Merecíamos ganhar. Estou triste, mas também sinto orgulho pelo jogo que fizemos, e saímos de cabeça erguida», afirma o aniversariante, que explica que a mágoa maior nem é tanto a derrota, mas sim a consequência. «É por não poder ver mais jogos da Seleção. Ver o futebol aqui no estrangeiro é algo que nos une ao nosso país. Já não há tanta ligação à cultura portuguesa, por isso existe o rancho, também, e adoramos ver a Seleção jogar», reforça.
Sofia Faria, anfitriã da nossa equipa de reportagem, ainda recupera de um dia intenso. «Foi uma oportunidade boa. Nunca tive a oportunidade de ver a Seleção aqui, e se calhar nunca mais vou ter», diz a integrante do rancho, que adorou acompanhar o cortejo até ao estádio e viver o jogo no meio da claque. Até acordou um pouco rouca, mas o único lamento que guarda da véspera é mesmo a eliminação da equipa nacional. «Não faz mal. Aqui somos unidos, continuamos a confiar na Seleção, e a adorar ver os jogos, seja com Cristiano ou sem Cristiano», acrescenta Sofia, que já viu o capitão «mais forte», mas ainda assim convicta de que este «ainda vai fazer um bom Mundial».
Passaporte CR7
Opinião (bem) diferente tem Alécio Ferreira. Está acompanhado pela namorada, Mariana Marcelo, mas decidiu gastar bom dinheiro para fazer uma surpresa e levar ao estádio o pai, que «tem um orgulho no caraças na Seleção». Na ressaca da eliminação entende que Portugal defrontou a França «com um jogador a menos». «O Cristiano Ronaldo é muito bom. Teve o seu tempo, mas podia entrar outra pessoa, para jogarmos 11 contra 11. Foi um dos melhores do mundo, da história, mas agora, aos 39 anos, deve acabar. Mas o Pepe, com 41 anos… caraças! Para mim foi um dos melhores», diz este jovem português, que ainda não largou a camisola alternativa da equipa das quinas.
«Tenho muita pena que ele não tenha marcado nenhum golo, pois merecia», diz Marco Dácio. «Estamos muito gratos por tudo o que ele fez no estrangeiro. Antes dele, a maioria dos alemães com quem trabalho, ou mesmo muitos que conheço, nem sabiam onde era Portugal. Pensavam que era uma cidade de Espanha, ou parte de Espanha. Desde que existe Cristiano, isso mudou. Por isso estou agradecido por tudo o que fez e continua a fazer, dentro e fora do relvado. Tenho pena que ele não tenha marcado, pois merecia mais do que qualquer pessoa, mas não resultou…», lamenta o ensaiador.
«Se ele sair agora, sai em grande na mesma, apesar de não ter marcado. A Seleção chegou onde chegou, não conseguiu mais, mas ele deu o contributo dele, como todos», diz Engrácia Simões. «Podia ter corrido melhor, mas o Cristiano tem sido o nosso passaporte para fora de Portugal, como disse o Marco. Antigamente ninguém sabia onde ficava Portugal», acrescenta a secretária da associação portuguesa.
Quase 45 anos a promover a cultura
Os jogos da Seleção Nacional no Euro 2024 foram acompanhados no Centro Português de Harburg, com direito e ecrã gigante, bebidas e petiscos tradicionais. Uma oportunidade especial para promover a cultura portuguesa, numa edição do torneio disputada precisamente na Alemanha, que deu vida a um espaço criado precisamente para manter a ligação às origens.
«Este centro nasceu no dia 25 de dezembro de 1979, por um grupo de pessoas, de várias partes de Portugal, que sentiram necessidade de ter um espaço para cozinhar, costurar, jogar às cartas, falar uns com os outros, etc. Não tinham mais nenhum sítio para se juntar», contextualizar Engrácia Simões, a secretária do Grupo Cultural, Recreativo e Folclórico Português em Harburg, que explica ainda que, na altura, para ter direito a apoios estatais, era preciso ter uma atividade cultural, o que impulsionou, logo no arranque da associação, a formação de um rancho folclórico. Engrácia faz questão ainda de frisar que o grupo de dança e música presta tributo a todas as regiões do país, e muitas vezes os integrantes escolhem o traje de acordo com a região a que estão familiarmente ligados.
O Centro Português, atualmente com cerca de 140 associados ativos, já teve cursos de costura e de soldadura, ou um grupo de fanfarra, mas o maior chamariz para a comunidade foi sempre o rancho, que anima várias festas ao longo do ano, para além dos convites para eventos noutros locais.
Sofia Faria, que já nasceu na Alemanha, mas com raízes em Aveiro, começou a ser levada para a associação lusa bem cedo, pela mão do avô. «Ele jogava aqui às cartas, estava aqui na comunidade dele. Um dia disse-me: ‘Sofia, está lá um grupo de rancho, e eu sei que tens só três anos, mas vais ver o que é’. E foi assim que ele me trouxe para cá», explica a jovem. «O grupo está sempre a mudar. Há pessoas que mudaram de vida, mas quando regressam para as festas, ou algo assim, dizem que têm saudades», garante.
Marco Dácio nasceu em Lisboa, mas foi viver para a Alemanha, com os pais, quando tinha apenas três anos, e entrou logo para o rancho. Há 10 anos transitou para a função de ensaiador, mas chegou a sair, ainda antes da paragem forçada provocada pelo Covid-19. «É sempre difícil conciliar com a vida profissional», diz, enquanto segura ao colo a filha, Neuza, que o fez voltar ao grupo. «Tinha pena que ela não conhecesse a nossa cultura, e então decidi vir ajudar novamente o rancho, para ela ter um futuro mais ligado à nossa cultura», justifica.
Marco lamenta que antigamente as comunidades «fossem mais fortes do que agora». «Muitos emigrantes não falavam alemão e tínhamos de vir a este sítios para comunicar e fazer amigos», acrescenta.
O associativismo já não é o que era, mas ainda permite aproximar pessoas. Por vezes até do ponto de vista amoroso. Ir para o rancho — ou pelo menos experimentar — foi a condição imposta a Mariana Marcelo para aceitar sair com Alécio Ferreira. Hoje em dia formam dupla na dança e na vida. «Fomos para Itália, pela escola, e no regresso eu perguntei se ela queria ir sair comigo. Eu gozava com ela por ser do rancho», recorda o namorado. «Eu disse que, se ele quisesse ter alguma coisa comigo, tinha de ser o meu par», sustenta, a sorrir, a namorada, que entrou para o rancho com apenas quatro anos de idade, já que a tia foi uma das fundadoras. Alécio começou por ficar no canto, a observar, mas lá ultrapassou as hesitações e experimentou. Agora não quer outra coisa, e Mariana, conquistada nos passos de dança, diz que o namorado até já treina os passos em casa, nas horas livres.