Vitória com ambição. Sem falta de noção
Sentido de pertença é a opinião quinzenal de André Coelho Lima em A BOLA
1 — Este janeiro está-se a revelar mais desastroso para as equipas portuguesas do que seria expectável. Benfica e Porto com resultados, no mínimo, incomuns, Braga a manter exibições e resultados titubeantes, só o Sporting parece estar a conseguir sair da depressão coletiva em que entrou após a saída de Rúben Amorim. Esta corrente de ar invernal gélido está também a afetar o meu Vitória, com resultados e exibições pobres, que não fazem jus ao que tem sido o resto da época. Estávamos esperançados numa entrada diferente para a segunda volta do campeonato, mas empate em casa com o Arouca e derrota em Cascais frente ao Estoril deixam-nos compreensivelmente consternados. Mas, espero, não esquecidos.
2 — Não esquecidos de duas circunstâncias que creio serem muito importantes: em primeiro lugar, do que já fizemos esta época, designadamente do nosso percurso europeu; em segundo lugar, de que ainda agora começou a segunda volta do campeonato, que tem cumpridas apenas duas das suas dezassete jornadas. A nossa posição classificativa e o nosso nível exibicional não satisfazem, mas é importante confiar em Luís Freire, que revela ser um treinador atento à importância da dimensão motivacional de atletas e equipa. E confiar sobretudo na equipa que tantas alegrias já nos deu.
3 — Disse não esquecer o que já fizemos esta época e sublinho. O Vitória conseguiu não apenas apurar-se para a fase de liga da Liga Conferência como, sobretudo, ficar em 2.º lugar numa liga com 36 equipas, atrás do Chelsea (1.º) e à frente da Fiorentina (3.º). Um conseguimento à partida impensável. Além disto, o Vitória é uma das quatro equipas de toda a Europa que está invicto nas provas europeias esta época, considerando todas as competições: V.Guimarães (Portugal), Liverpool (Inglaterra), Manchester United (Inglaterra) e Lazio (Itália) são as únicas equipas invictas nas competições europeias esta época. Não é uma coisa qualquer. E foi esta época mesmo, não foi na de Marinho Peres e Paulinho Cascavel!
Aliás, mantendo a conversa no patamar europeu verificámos ser o Vitória o maior contribuinte de entre os clubes portugueses para o ranking da UEFA. Notável. E, já agora, nesta jornada europeia, jornada em que o Vitória não participou, Portugal não somou um único ponto já que todos os clubes portugueses foram derrotados; infelizmente.
4 — Considero importante referir isto porque o atual momento mais negativo da nossa equipa não pode, se formos minimamente justos, tirar ou fazer esquecer estas conquistas. A esta época e à nossa História. É evidente que o Vitória tem a obrigação de assegurar a qualificação europeia, sem a qual o que conseguimos esta época — em recordes de tudo, resultados, classificações e vendas — não terá sequência. Mas aquilo que nós sócios exigimos, e foi assumido pelo clube sem hesitações como objetivo, é a quarta qualificação europeia consecutiva. Ora, convém sempre recordar que o Vitória só por uma vez em todos os seus 102 anos de vida conseguiu quatro qualificações europeias consecutivas. Nos anos gloriosos de:
1995/96 — em que fomos eliminados pelo Barcelona após termos eliminado o St.Liège;
1996/97 — em que fomos eliminados pelo Anderlecht depois de termos eliminado o Parma;
1997/98 — em que fomos eliminados pela Lazio;
1998/99 — em que fomos eliminados pelo Celtic.
Ou seja, apesar de não termos tido grande brilho na progressão (porque nunca passámos da 2.ª fase) foi a única vez que conseguimos apurar-nos para a Europa quatro vezes consecutivas.
5 — As frustrações com os resultados levam sempre a comportamentos relativamente irracionais. É relativamente compreensível, mas com limites. Já li por aí críticas à SAD por ter vendido os jogadores que vendeu que, toda a franqueza, só ao nível da total perda de racionalidade consigo admitir. Mas alguém no seu perfeito juízo enjeitaria vender o Alberto Costa por 12,5M€ à Juventus ou o Manú Silva por 12,5M€ ao Benfica? Alguém conseguia responsavelmente segurar o Rui Borges depois do interesse do Sporting? Conseguia tanto como o Sporting conseguiu segurar o Rúben Amorim… Podemos ser emocionais, mas temos de ser sérios.
E mais do que sérios, querer ser honrados. Nós que temos o dever de saber que o Vitória tem um passivo aproximado de 70M€ e um défice anual de 17M€ (até final deste ano civil) pelo que só por irresponsabilidade se pode ser contra estas oportunidades únicas que nos apareceram. Eu sou dos que gosta de ter um clube, além de vencedor, honrado e que paga as suas contas.
6 — Ficarmos subitamente insaciáveis e ambicionar até vencer a Liga Conferência pode ser apenas consequência do nosso sucesso. Ainda bem. Mas penso que temos o dever para connosco próprios de não nos esquecermos que neste século — e descontando obviamente estas três consecutivas — temos apenas 7 qualificações europeias em 20 possíveis. Agora já conseguimos três e estamos — e bem — a exigir a quarta.
Esta é a nossa realidade. Ignorá-la ou querer esquecê-la, além de ingrato para com o que os nossos rapazes conseguiram, não é responsável. Ambição, sempre! Mas com memória...