Vítor Bruno e o síndrome de Calimero
O FC Porto, apesar da crise de resultados que viveu entre 7 e 28 de novembro, com quatro jogos consecutivos sem ganhar — três derrotas (Lazio na Liga Europa, Benfica e Moreirense no campeonato) e um empate (Anderlecht também na prova europeia) —, chegou a Famalicão com hipóteses de alcançar o Sporting na liderança do campeonato, fruto também da queda leonina registada desde que Ruben Amorim deixou o emblema de Alvalade para ir treinar o Manchester United. Depois de uma vitória com o Casa Pia (2-0), o empate 1-1 em Famalicão, com lance para 2-1 revertido em penálti que Diogo Costa defendeu, e a liderança continuou a ser uma miragem. No final do jogo Vítor Bruno encontrou um culpado:
Sim, são decisões que são tomadas e aquilo que mais me incomoda é ver critérios diferentes em jogos diferentes, é não haver aqui uma uniformidade que devia orientar toda a gente. É premiar muitas vezes o antijogo, não valorizamos o nosso futebol, a equipa adversária vai perdendo tempo, em cada reposição. Foi desde o início do jogo que foi demasiado evidente e depois no final temos pouca coragem, em alguns jogos temos coragem, em outros não temos tanta coragem e repor aquilo que tem de ser reposto no final
A culpa, sim, também foi do treinador, o grande responsável e tal. Mas a grande culpa foi do árbitro. E Vítor Bruno mais tarde, já fora do dia do jogo de Famalicão, a ser questionado e a voltar ao tema arbitragem:
O preço mais alto que se paga por se ser incongruente só o sente mesmo quem sofre dessa incongruência. É o que me apetece dizer neste momento, porque é demasiado evidente. É estranho e mau para o futebol português termos lances recentes que não caem bem a ninguém e nos quais há muita gente que fica mal na fotografia
E outra vez ainda, desta vez sobre se a tabela da Liga pode estar afetada pela arbitragem:
Pode eventualmente haver esse sentimento, não só meu, mas de muita gente que vive o futebol. O que me incomoda é haver pessoas com critérios diferentes perante lances que possam ter alguma similitude. Não podemos dizer muita coisa, sob pena de sermos penalizados
Houve um tempo, numa altura em que o FC Porto e o Benfica dividiam entre si os títulos nacionais, que muitos chamavam os sportinguistas de calimeros, adeptos, jogadores e dirigentes, sempre com um dedo pronto a apontar à arbitragem. Não estou aqui a julgar se Vítor Bruno tem ou não razão de queixa, se os leões tinham ou não razão de queixa naquela altura, se o Benfica teve ou não razão de queixa quando também se queixou dos árbitros. Mas a conclusão a que chego é que calimeros são todos: quando se ganha, as arbitragens fazem parte do jogo, errar é humano e no final das contas vence quem é melhor equipa. Mas quando se perde a tentação de sacudir para cima dos homens do apito é grande…
Nisso, justiça seja feita a Ruben Amorim, que nunca se queixou, congruente mesmo nas épocas de insucesso. E fez escola em Alvalade, onde se deixou o queixume de outrora mesmo quando houve razões para isso. Resta saber se a saída do treinador não leva a doutrina…
Voltando ao Dragão, a rutura com o passado prometida por Villas-Boas saúda-se, mas há tiques dos quarenta anos anteriores que aparecem amiúde — as conferências com as claques à porta do Dragão em noite de contestação, as confusões no túnel… Se é para mudar, que não se mude para o apontar do dedo a tudo e todos, arbitragem incluída. Porque não serve dizer que elas fazem parte do jogo apenas quando se ganha. Ou calimeros somos todos…