V. Guimarães: aviso à navegação
Boavista, de Salvador Agra, esteve a perder 0-2 com o V. Guimarães, de Tiago Silva, mas resgatou um ponto (Foto: Liga Portugal)

V. Guimarães: aviso à navegação

OPINIÃO08.10.202408:30

Sentido de pertença é o espaço de opinião quinzenal de André Coelho Lima, associado do Vitória Sport Clube, jurista e empresário

1. «Humildade, precisa-se!», esteve para ser o título para esta crónica. Pareceu-me contudo mais apropriado optar por um título mais de alerta que de condenação.

Talvez esta seja a hora de recordar as palavras de Rui Borges após muitas das várias vitórias que fomos colecionando esta época, em que alertava que não íamos ganhar sempre, que iriam surgir percalços e resultados indesejados. Estamos nesse momento. Mas se há resultados — como a derrota em casa contra o FC Porto — que apesar da expressão exagerada dos números acaba por ser enquadrável como um outcome expectável, este empate contra o Boavista, pela forma como ocorreu, não é fácil de aceitar. Não obviamente pelo resultado em si, aliás, cumpre antes do mais felicitar o Boavista pelo seu querer, pela sua entrega, pela forma como jogadores de um clube com dificuldades financeiras que não contrata há quatro janelas de mercado se apresentaram disponíveis a deixar tudo em campo, com um espírito de David contra Golias que acabou por resultar a seu favor no final. Nesse sentido, merecidamente.

2. Há no futebol um problema de cultura. Este desporto maravilhoso, que nos apaixona e mobiliza multidões assenta em princípios ético-sociais do pior que a sociedade gera. Os jogadores — de todas as equipas e campeonatos! — deitam-se para o chão numa fita teatral que todos sabem não ser verdadeira, mas considera-se normal que assim se faça para procurar obter um benefício, ainda que notoriamente ilegítimo. Todos consideram normal que se perca tempo de forma falsa, desrespeitando adversários e público, se se estiver a vencer. E todos pactuámos com esta cultura de atropelo à verdade material, como se fizesse parte do jogo. A manhosice é erigida à categoria de atitude-exemplo.

No râguebi, considera-se que tirar o pé quando se está a vencer por muitos é uma forma de condescendência que representa falta de respeito pelo adversário. No futebol, pelo contrário, a soberba toma não raras vezes conta dos protagonistas. Sentem que o jogo está ganho e perdem o respeito pelo adversário. Eu não consigo compreender que haja cansaço ou gestão de esforço no início de outubro.

3. É por isso que isto é um aviso à navegação. Muitíssimo mais que o resultado, incomodou-me a atitude do Vitória perante o Boavista, uma soberba que saiu cara a quem a praticou. E que vinha na sequência de idêntica postura na segunda parte do jogo contra o NK Celje, não obstante a vitória, por 3-1. Por isso é que esta é a altura para registar os erros, aprender com eles, e seguir em frente.

A equipa tem feito uma época fantástica, mantenho que Rui Borges foi a melhor contratação desta época, mas, por favor, quando estão em campo com 15.000 pessoas que se deslocaram num dia de dilúvio para vos ver e aplaudir, o mínimo que se exige é empenhamento e profissionalismo durante os 90 minutos. Não se exige mais. Não o fazer é não respeitar o público, é não respeitar o espetáculo. Se estão cansados, dê-se mais um dia de folga. Não se descansa em campo, nem nunca se toma um resultado por adquirido.

O Vitória tem, na sua próxima deslocação europeia — à Suécia para defrontar, a 24 deste mês, o Djurgarden na segunda jornada da fase de liga da Liga Conferência —, a possibilidade de fazer a oitava vitória consecutiva nas competições europeias. Com isso consolidar-se-á como a equipa com mais vitórias consecutivas nas competições europeias. Um feito extraordinário. Que não é exigível nem fácil de atingir. A única coisa que é exigível é a humildade, respeito e profissionalismo. O resto vem naturalmente.

4. No artigo anterior informei que bimestralmente passaria a partilhar este espaço com outros vitorianos que, como eu, assumem orgulhosamente o seu sentido de pertença a um clube e à representação que este faz de uma região e da sua comunidade. O meu primeiro convidado, na próxima edição do Sentido de Pertença, no dia 22 de outubro, será Rodrigo Areias. Vimaranense, vitoriano, realizador e produtor de cinema; realizador do recente 'O Pior Homem de Londres' e produtor de 'Listen', vencedor do prémio de Melhor Filme no Festival de Veneza. Um homem de cultura a falar, não apenas de futebol, mas de tudo o que tudo isto significa.