V. Guimarães: Aquecimento global
'Sentido de pertença' é o espaço de opinião quinzenal de André Coelho Lima, jurista, empresário e associado do Vitória SC
1 - Há muito que somos sensibilizados para deixarmos de ter frio no Inverno e calor no Verão, mas não era necessário um janeiro tão quente para nos demonstrar que o aquecimento global é uma realidade científica incontestável… com tanto para falar, nem sei por onde começar; talvez pela Taça de Portugal. Um magnífico elogio ao futebol. As gentes de Elvas engalanaram-se para receber o Vitória exatamente como são recebidos os que se dizem grandes, o que nos orgulha e devemos registar. Os vitorianos deslocaram-se, como sempre, em número elevadíssimo para a festa do futebol. Um jogo com 6.000 espetadores em casa de um clube do Campeonato de Portugal. Os elvenses a recordarem que O Elvas tem muita história no futebol nacional e querem recordar-nos do tempo em que emprestámos o Basaúla para O Elvas, que se encontrava então na 1.ª Divisão.
E houve Taça! O meu clube perdeu, custou muito a digerir, mas houve Taça. O David venceu o Golias e fez por o merecer. Foram humildes, foram trabalhadores, acreditaram e tombaram o gigante. Mérito para a equipa do Elvas. Claro que houve demérito dos jogadores do Vitória, mas recuso-me a alinhar na perspetiva de que quando uma equipa maior perde, é sempre por culpa sua desprezando o mérito do vencedor. O Elvas foi mais humilde e teve mais querer. Mereceu passar e o Vitória mereceu ser eliminado. É a realidade dos factos.
2 - Na pendência deste resultado, mas, creio, sem ter nada que ver com ele, Daniel Sousa sai do Vitória após apenas 3 jogos. É obviamente algo de altamente incomum e inusual. Que não pode ter na eliminação da Taça a resposta. As razões não sabemos e dificilmente saberemos. Deito-me a adivinhar. Há um programa muito engraçado no Canal 11 que se chama «Sagrado Balneário», nome que nos recorda uma frase antiga do futebol que destaca a importância que tem o balneário numa equipa de futebol. Sabemos duas coisas: sabemos que a saída de um treinador a meio de uma temporada que estava a correr tão bem, é sempre um processo potencialmente traumático. E sabemos ainda que a grande força deste Vitória é a força do seu balneário; já o escrevi aqui várias vezes e ouvimos frequentemente atletas e treinadores a afirmarem isso mesmo como sendo a grande característica do Vitória 2024/25.
Só a dimensão sagrada do balneário pode justificar atitudes radicais como esta. E se o foi, a mim como adepto só me cabe confiar em quem toma uma decisão desta natureza, da qual ninguém sai bem na fotografia, pelo que só se pode tomar para proteger um bem maior. Se foi o caso, antes cedo que tarde.
3 - Alberto Costa foi vendido para a Juventus por um negócio que ascende a 15M€ (12,5M€ + 2,5M€ por objetivos). Um magnífico negócio para o Vitória e em várias dimensões.
Em primeiro lugar, trata-se de mais um produto da cantera de Guimarães que chega aos grandes palcos nacionais. A formação do Vitória que já gerou Pedro Mendes (Tottenham e Glasgow Rangers), Fernando Meira (Estugarda e Zenith S.Petersburgo), Bernard (At.Madrid), Raphinha (Barcelona), André Almeida (Valência), Dani Silva (Verona) conduz agora Alberto Costa para a Vecchia Signora. Uma mensagem importante no mercado do futebol juvenil, que é melhor a opção por um clube que não seja dos que se designam grandes onde as oportunidades poderão surgir mais facilmente e onde, como se vê, se pode atingir os grandes patamares.
Em segundo lugar, uma circunstância que pode parecer menor mas tem, quanto a mim, uma relevância enorme: o Vitória vender diretamente à Juve. O Raphinha (contratado com 18 anos para a equipa B do Vitória por isso somo à conta da cantera do clube), foi vendido ao Sporting e só depois entrou nos patamares internacionais. O Pedro Mendes e o Fernando Meira, lá atrás na primeira década deste século, idêntico percurso, tendo um sido vendido ao F.C.Porto e o outro ao Benfica. Os maiores clubes para os quais o Vitória vendeu diretamente foi o Bayer Leverkusen (Tapsoba), o Valência (André Almeida) e a Fiorentina (Bruno Gaspar). Conseguir vender agora este enorme ativo para um dos maiores clubes do Mundo é colocar o Vitória na rota do 1.º mercado, é passar o Vitória e os seus atletas para um nível de atenção e visibilidade incomparável com o que sucedia até aqui. E esse facto, podendo parecer menor é, creio, da maior importância.
E depois, naturalmente o encaixe financeiro que proporciona. O Alberto Costa é contratado pela Juventus devido à sua qualidade e ao seu potencial, é um defesa direito com uma verticalidade ofensiva e uma agressividade defensiva únicas, pode ser um caso sério para o futebol português. Mas também é contratado pela Juventus devido ao percurso europeu que o Vitória está a fazer. Que deu a necessária visibilidade ao jogo estonteante que ele fez em Estocolmo e à forma como dizimou completamente o Parisi (defesa esquerdo da Fiorentina) em Guimarães. É claro que desportivamente era preferível manter um jogador com esta qualidade e este potencial, mas se largarmos a mão da Alice e a deixarmos a caminhar sozinha no País das Maravilhas, não é necessário ser um ás na matemática para perceber que um clube que é deficitário em 17M€/época (pelo menos até podermos voltar a receber os 7M€/época que nos são subtraídos todos os anos por terem recebidos antecipadamente pela administração anterior), tem forçosamente que vender 17M€/época apenas para não dar prejuízo.
Ora, num cenário destes e num clube que, além desse défice anual, tem ainda um passivo de dezenas de milhões de euros, uma notícia destas contribuirá para conseguirmos alcançar a estabilidade financeira que vemos perdida há tantos e tantos anos. E, melhor ainda, sem ter posto em causa os resultados desportivos já que nos últimos três anos assegurámos três qualificações europeias consecutivas (o que só havia sucedido uma vez na nossa História).
Um janeiro quente em Guimarães mas que se espera seja para navegar sobre águas calmas na restante temporada.