Única ‘derrota’ de Rui Nabeiro
Tenho pena que o futebol tenha afastado a família Nabeiro
«CAMPO Maior perdeu um pai no dia do pai». Assim se referia uma habitante desta vila alentejana no dia 19 de março, horas depois de se saber da morte de Rui Nabeiro. Uma tristeza por saber que há moldes que se partem quando partem exemplares únicos de humanidade.
Conheci Rui Nabeiro como jornalista de A BOLA, na década de 90, devido ao Campomaiorense. Lidei até mais com o filho João, que entretanto assumiu a presidência. E bastava chegar a Campo Maior para me sentir bem vindo, tratado com cortesia e respeito, e para perceber que era um clube diferente. Imagine-se que até o facto de pagar religiosamente o ordenado ao plantel, ao dia marcado e por transferência bancária, como qualquer funcionário da Delta, era uma boa novidade. E cedo percebi também que a família Nabeiro iria estar em apuros. Por um lado, porque os níveis de ruído e toxicidade no futebol português violentavam princípios básicos de Rui Nabeiro e valores que a Delta sempre procurou defender; depois porque Rui e o filho João Nabeiro nunca esconderam o desalento pela concorrência desleal. O Campomaiorense pagava o que podia, mas religiosamente. Numa altura em que não havia ainda autorregulação, outros clubes acertavam salários bem mais altos, contratavam melhores jogadores, mas pagavam tarde e a más horas, quando pagavam. E lá se mantinham na I Divisão, ao contrário do que aconteceu com o Campomaiorense.
Rui Nabeiro terá acreditado que, tal como aconteceu em todas as áreas da vida, conseguiria pelo exemplo mudar o futebol para melhor. Foi, infelizmente, a sua única ‘derrota’. Viu-se forçado a sair e acabou o futebol profissional em Campo Maior, ficou apenas a formação.
Num país com patrões a mais e empreendedores a menos, dói ver partir Rui Nabeiro. Alguém que percebeu que tem mais a ganhar em distribuir do que em acumular; para quem cada funcionário tem um nome, uma família, sonhos e preocupações; alguém que sempre valorizou as raízes; alguém que percebeu que é melhor inspirar do que mandar; alguém que sempre fez do acolhimento uma forma de arte. É também por isto que faço questão de ter a Delta sempre ao pé de mim. Tem tudo o que preciso num café: um abraço servido numa chávena.