Um galático em Portugal

Temos pela primeira vez em tempo real um futebolista que todo o mundo quer ver, ler sobre ele, falar sobre ele. Não há melhor marketing que este para uma Liga carente de estrelas

Ladies and gentleman, eis que na sequência de uma série de circunstâncias o campeonato português tem o seu primeiro jogador planetário em tempo real. Já houve muitos que atingiram esse estatuto, mas só mais tarde e depois de passarem a fronteira. Com níveis diferentes de impacto, porém todos a comer na mesa do restaurante do último andar: de Figo a Ronaldo, de Di María a Bruno Fernandes, de Falcao a João Félix. E o que é isso do jogador planetário? À luz dos hábitos atuais de consumo é aquele tipo de futebolista que todos querem ver, ler sobre ele, ouvir sobre ele. Em Espanha, no Brasil, em Inglaterra ou na Indonésia.

Ainda não há métricas para avaliar o vertiginoso aumento de fama mundial de Viktor Gyokeres, mas a quase duplicação de seguidores no Instagram após o hat trick frente ao Manchester City para a Liga dos Campeões é um barómetro que merece ser analisado sob vários pontos de vista além da profusão de notícias, nas mais diversas latitudes, sobre avançado do Sporting, hoje por hoje o jogador da moda a nível europeu. Uma espécie de galático. O homem da máscara.

Não vejo grandes diferenças entre o impacto mediático atual do sueco e o interesse à volta de Erling Haaland quando o norueguês alinhava no Dortmund, na Bundesliga. Tirando a diferença de idades (o atual jogador do Manchester City espantava a Europa aos 20 anos, o sueco aos 25) há traços muito semelhantes: porque ambos parecem ter saído da mesma fábrica de cyborgs, alimentando o eterno fascínio humano que já vem da Grécia Antiga por seres acima das capacidades naturais, capazes de resolverem o que escapa ao comum dos mortais. Deus ex machina.

Se não sair em janeiro, não é só o Sporting que irá ganhar dentro e fora de campo com ele. É a própria Liga. Recordo o exemplo do campeonato saudita: quando Cristiano Ronaldo assinou pelo Al Nassr ninguém transmitia o campeonato; mas uma semana volvida as televisões de todo o mundo incluíam nas suas grelhas os jogos daquele campeonato que antes só se ouvia falar em notas de rodapé.

As realidades são obviamente diferentes, mas esta seria (é?) uma excelente oportunidade para reforçar a internacionalização do campeonato português. Porque os três golos de Gyokeres apontados a uma das melhores equipas do mundo (e a sensação de que poderia ter marcado mais) ameniza, nem que seja por alguns meses, a ideia generalizada de que é fácil marcar golos por estas bandas. Sei bem do que falo, porque há uns anos quando Portugal ocupou o quinto lugar do ranking da UEFA (a França estava em sexto) e discutindo o tema em reunião para a atribuição da Bota de Ouro da temporada seguinte, os meus colegas do Norte da Europa defendiam que o coeficiente de 2 pontos por golo teria de passar a ser atribuído apenas aos quatro primeiros, justificando que «era mais fácil marcar golos ao Gil Vicente». Respondi alegando que era mais difícil Bas Dost fazer um hat trick ao Paços de Ferreira do que Messi marcar quatro golos ao Levante ou ao Leganés. Proporcionalmente, a desigualdade era muito maior. Porque os melhores deles eram muito melhores que os nossos. Felizmente houve acordo em não mexer, infelizmente Portugal viria mais tarde a cair para sexto.

Portanto, toca a arrepiar caminho. Mesmo que seja por pouco tempo.