Um autocarro aberto ao Mundo
Enzo Fernández trocou o Benfica pelo Chelsea, em janeiro, a troco de 121 milhões de euros

Um autocarro aberto ao Mundo

OPINIÃO22.07.202410:00

Enzo Fernández mostrou mais do que queria na festa da Argentina; de Messi, nem uma palavra; do presidente Javier Milei, as ações erradas

Enzo Fernández mostrava, num direto no Instagram, a festa no autocarro após a vitória da Argentina na Copa América. Mas de repente o júbilo rapidamente deu lugar a precipitação. Surgiu entre os jogadores um cântico racista dirigido às ascendências dos jogadores franceses. Fora ‘inventado’ por adeptos durante o Mundial 2022, e fez o seu caminho até aos jogadores, mesmo quando a festa nada tem a ver com a França. E dois anos depois ainda lá está. Enzo desligou o direto, mas era tarde de mais. No dia a seguir já toda gente sabia e rapidamente se publicou uma lista dos jogadores que não estavam no autocarro – Otamendi, Emiliano Martínez, por exemplo, e, de forma conveniente, Messi.

Wesley Fofana, colega no Chelsea, falou, e bem, em «racismo desinibido» mas depois caíram naquela coisa que só pune os influencers: ele e outros colegas deixaram de o seguir nas redes sociais. O equivalente a um castigo, a uma manifestação, hoje em dia. Como será o ambiente quando Enzo voltar a Londres? O Chelsea e a FIFA abriram um inquérito. A França queixou-se. Enzo, que não estava sozinho no autocarro (desses jogadores e seus clubes apenas silêncio), pediu desculpa em inglês, mas que dizer do conteúdo? « Bato-me contra a discriminação de todas as formas e peço desculpa por ter sido apanhado na euforia das nossas celebrações.» De todas as formas, claramente, não.

De Paul, companheiro de Enzo na seleção, disse não perceber «o show», que os incomodados falassem diretamente com Enzo. Desinibido, de facto. Se calhar por isso acham que podem cantar qualquer coisa no autocarro. De Messi, nem uma palavra; do presidente Javier Milei, as ações erradas: demitiu o subsecretário do Desporto, Julio Garro, que defendeu que o capitão deveria vir a público pedir desculpas, mesmo não tendo estado presente. Devia, pois. Mas a Argentina pós-II Guerra Mundial terá normalizado muita coisa, o que faz com que num autocarro cheio de adultos – e ainda que talvez com umas cervejas a mais – seja considerado normal tal cântico. E nem uma foto de Enzo a brincar com um menino negro consegue apagar isso.