Candidatos ficarem separados por dois pontos ao fim de 14 jornadas é um sinal de competitividade, mas é uma luta que se faz por baixo
Num relvado mediano e sob uma luz artificial medíocre que omite a bancada do telespectador (o oposto do que devia ser a experiência de um jogo de futebol via TV), o Benfica desperdiçou na Vila das Aves a oportunidade de depender de si próprio para ascender ao primeiro lugar antes do Natal, um desígnio bem menos superficial do que se pensa face ao histórico e ao simbolismo que a quadra representa para o Sporting, rival que a águia queria (quer) apear do primeiro lugar.
Há sempre duas formas de analisar o resultado e a exibição dos encarnados diante da equipa agora dirigida por Daniel Ramos: foi um percalço normal com alta probabilidade estatística (afinal, é impossível ganhar os jogos todos) ou a confirmação da quebra de dinâmica depois de passar o efeito-Lage – para ser mais generalista, o efeito-chicotada, em que os jogadores tendem a responder positivamente a novos estímulos numa reação em cadeia.
Benfica venceu um e empatou dois dos últimos três jogos. Marcou dois golos. Rematou menos que V. Guimarães e Aves SAD. Amdouni, mesmo com poucos minutos, foi quem mais apertou o gatilho e mais vezes acertou na baliza. Marcou um golo
Inclino-me para a segunda, embora sejam desproporcionais os cenários sombrios que os benfiquistas tendem a criar ao primeiro contratempo. Em circunstâncias normais, um treinador com taxa de 77,8 por cento de vitórias deve ter sempre o devido respaldo tendo em conta que três dos quatro jogos que não venceu (em 18) foram na Champions - derrotas com Feyenoord e Bayern, empate com Bolonha e, agora, empate com o Aves SAD.
O problema de Lage, porém, é a memória dos benfiquistas. Porque a última imagem é sempre a que fica. Para os adeptos pesa mais o treinador que perdeu um campeonato com sete pontos de vantagem do que aquele que o ganhou com sete de atraso e por essa razão a sua margem de erro será sempre muito mais reduzida.
Mas há uma diferença de fundo entre o tal campeonato que Bruno Lage perdeu para o FC Porto em 2020 e a edição 2024/2025 da Liga: não há um favorito à conquista do título, logo, parecem situar-se todos num patamar muito semelhante. Em circunstâncias normais isto deveria ser uma boa notícia. Afinal, a possibilidade de os três grandes poderem ficar separados por dois pontos ao fim de 14 jornadas (se o Benfica vencer o jogo em atraso frente ao Nacional) é tudo o que se pede a um campeonato. Mas a verdade é bem menos vistosa: leões, dragões e águias lutam atualmente pelo estatuto de menos mau e não pelo de melhor entre os demais. Estão nivelados por baixo, portanto, embora por razões e contextos diferentes que se podem resumir assim: os azuis e brancos vivem um processo de reestruturação no clube, os encarnados sofrem com uma planificação de época que dotou o treinador (seja ele qual for) de soluções a mais para o ataque e menos para a defesa (gritante a falta de alternativa para Bah, mas não só) e os leões ainda lambem as feridas abertas pela saída de um líder com letra maiúscula.
O tempo não ajuda, as assistências decaem e o FC Porto não deslumbra, mas a verdade é que soma pontos de forma justa e assume o segundo lugar por pelo menos três dias
Sem querer fazer qualquer exercício de adivinhação, acredito que se João Pereira conseguir aguentar o barco (e Gyokeres não sair em janeiro) o Sporting é aquele que continua a ter melhores condições para vencer o título. Basta, para isso, que se aproxime ligeiramente dos níveis de outubro. Dito de uma forma mais simples: dos três, o leão é aquele que tem maior margem para crescer, lembrando os gráficos da economia pré e pós-Covid: quebra abrupta seguida de subida a pique. Ascendem aqueles que, estruturalmente, são mais sólidos, ultrapassada a crise. Com os melhores jogadores e o plantel mais equilibrado.