Todos no Benfica já carregaram no botão de autodestruição
Rui Costa, presidente do Benfica (Foto: Miguel Nunes)

Todos no Benfica já carregaram no botão de autodestruição

OPINIÃO31.08.202400:19

Encarnados já perderam cinco pontos em quatro jogos no arranque da temporada, mas não será mais do que um reflexo do que se passa fora de campo: a perda de rumo

É, talvez, o momento mais difícil e negativo da gestão de Rui Costa.

E se há imagem que o reflete é precisamente essa, a de abandonar a bancada antes do fim da partida com o Moreirense.

Provavelmente, irão interpretá-la como o lado emocional de um presidente-adepto. Para mim, e lamento dizê-lo, uma vez que Rui Costa foi, em campo, uma referência tremenda, mostra sobretudo falta de liderança.

Digo-o sem ter qualquer certeza de que haja alguém neste momento, a movimentar-se para tal ou na expetativa, que pudesse ser melhor solução. As eleições são irrelevantes no contexto deste artigo, por mais que para o dirigente não o sejam ou até mesmo para os adeptos. E, sinceramente, é assunto que não me interessa.

Se Rui Costa acarreta um princípio que entendo como fundamental para a evolução da modalidade em Portugal - ser alguém do jogo a tomar as decisões - a verdade é que desde que se enfiou num gabinete não reflete essa personalidade futebolística e está aconselhado precisamente por pessoas que carregam vícios antigos ao seu lado.

Quantas das que levou para a Luz permanecem? Quantas das que se permitiu herdar continuaram? E as que levou, acrescentaram realmente algo?

Precisamente porque não é obrigatório que saiba de tudo, inclusive de futebol – continua-se a insistir na erradamente premissa de que o jogo não esconde segredos de um grande ex-jogador, o que está longe de verdade, como se tem provado um pouco por todo o mundo – as primeiras más decisões começaram aí. E essas levaram a outras, cada vez piores.

A política desportiva dos encarnados, que vem desde a época passada, e apesar das aparências de alguma consistência no início do verão, parece ter sido criada no Absurdistão. As contratações sugerem apostas de circunstância, a leitura das lacunas do plantel demasiado colada ao discurso público. Carecem de análise bem mais profunda.

Ou seja, ainda que identificado por Roger Schmidt, as fragilidades do grupo são muito maiores do que um problema de finalização. A falta de capacidade na construção/ataque posicional e até na ocupação da largura, continua negligenciada. Até terá sido reduzida. O clube da Luz tem 48 horas de mercado para provar o contrário.

Outras decisões, como recusar 20 milhões por Morato para não lhe dar minutos suficientes para evoluir e valorizar, e acabar por transferi-lo por 11 (mais bónus) um ano depois, não fazem sentido. Já para não falar de que se tratava do único central canhoto, mesmo num momento de forma abaixo do exigível.

Mais: não defendendo que Marcos Leonardo deva ser vendido, o jovem brasileiro poderá vir a passar no futuro por situação idêntica. É que os encarnados deverão retê-lo agora para continuar a ser suplente, perante uma oferta árabe de 40 milhões. Ou, então, ainda o deixarão sair e desfalcarão mais as opções.

E o que dizer da saída de David Neres? Foi inteligente retirar uma excelente opção individual a um processo coletivo que está longe de estar afinado?

Rollheiser, por exemplo, andou a ser trabalhado para médio-centro, e agora faz falta para desequilibrar à frente.

Claro que um Renato Sanches em bom estado pode atenuar a saída de João Neves, mas por alguma razão um joga no PSG e o outro foi dispensado do mesmo clube. Ficou melhor o Benfica com a troca?

Até João Mário, que para o treinador era importante e que seria necessário mediante determinados contextos, está a ser empurrado para fora do clube pelos próprios adeptos, também eles há muito a carregar no seu botão de autodestruição.

A política desportiva apresenta-se completamente desfasada das necessidades da equipa. Mesmo que Amdouni traga consigo a esperança de maior contundência ofensiva, o plantel empobreceu.

Toda a instabilidade e falta de rumo passam para dentro de campo.

Não tenho dúvidas de que Roger Schmidt não chegará ao final do contrato. Dificilmente estará no final da época ou até mesmo do ano. E todos, de Rui Costa aos adeptos, ficarão descansados. No entanto, o problema estará longe de ficar resolvido.

É verdade que o alemão, que há muito todos despediram e deixaram a queimar em lume brando meses a fio demasiado só, já esteve menos perdido.

Na época passada, a transição defensiva era miserável, porque o técnico apostava em demasiados jogadores ofensivos (Di María, Rafa, Neres, Arthur Cabral, Neves e Kokçu). Na atual, anda desde o início a ser contestado por fazer alinhar um duplo-pivot de sustentação, quando nem tinha opções para fazer algo diferente ou as que tem não querem jogar aí. A equipa, naturalmente, defende um pouco melhor, mas constrói menos.

Poderia realizar melhores exibições? Claro que sim.

Kokçu faz sentido à esquerda? Nem por isso.

Otamendi e António Silva formam a melhor dupla de centrais? Tomás Araújo não estava a jogar bem e a ser importante?

Mas é preciso também olhar para o resto.

Havia opções diferentes em Moreira de Cónegos para que não jogassem Leandro Barreiro e Florentino? Só Kokçü, que esteve na esquerda, onde não havia Aursnes, Tiago Gouveia ou João Mário, uma vez que Renato Sanches e Rollheiser vinham de lesões.

Carreras esteve mal em quase todas as decisões ofensivas, sobretudo no cruzamento, e  inclusive no golo sofrido, mas Beste estará fora várias semanas.

Sim, Schmidt até já perdeu por completo o controlo da comunicação, em que nunca foi brilhante. Já disse duas vezes que não sabia por que razão as coisas não tinham funcionado. Não é, obviamente, a melhor mensagem. Para todos.

Só que o problema, amigos, é muito maior do que quem ocupa ou venha a ocupar o lugar no banco. É estrutural. E cada vez mais profundo.

Todos, mas mesmo todos, já carregaram no botão de autodestruição. De Rui Costa a Roger Schmidt, adeptos incluídos.