Pesadelo comunicacional protagonizado por Frederico Varandas, sem qualquer explicações para o falhanço de João Pereira e cada vez mais fragilizado na sua liderança
Frederico Varandas apresentou mais um. Sem explicações racionais, perdido em pausas autodestrutivas, numa postura nada assertiva e em frases-feitas que nada querem dizer, como aquele «João Pereira não pôde ser João Pereira». Mas o que é ser João Pereira? Se nenhuma experiência tinha em contexto igual ou semelhante, o que é que isso significa? Ser líder? Bom treinador? Ser criativo? Duro? Inspirador? Nunca o saberemos, o que até favorece o presidente do Sporting, já que, mesmo que volte do abismo em que agora caiu, esta primeira experiência forçá-lo-á a ser um outro João Pereira quando nos voltarmos a cruzar. E, já agora, porque é que tem a certeza de que «Rui Borges pode ser Rui Borges»?
«Chegámos à conclusão de que não correu bem…» Varandas não explicou ainda por que razão não protegeu o treinador como prometeu antes de o atirar aos lobos, ainda que com o seu consentimento, verdade seja dita. Que não conseguiu defender, apesar da maior onda de lesões no plantel desde que foi eleito, de uma série de «arbitragens infelizes» e depois de ter assinado após a saída de um técnico com ligação emocional fortíssima aos jogadores, de acordo com as próprias palavras. Com tantas atenuantes e tantas competências enumeradas ainda durante o seu discurso sobre o ex-treinador, simplesmente «João Pereira não pôde ser João Pereira». Não pôde ou não soube? O que mudou para que Rui Borges possa? Ou saiba?
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As frases-feitas continuaram com os crónicos elogios ao envenenado técnico por não ter querido nem mais um cêntimo, apenas os dias em que trabalhou. Lembrou a ideia de continuidade de sistema e jogadores para justificar a cooptação, algo que agora, afinal, não parece ser tão necessário para Borges. Antes de um dérbi, o ex-V. Guimarães vai ter jogar no modelo de outrém ou ajustar o seu, e com três dias de treinos pela frente. Mais uma vez, com o consentimento do próprio.
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A aposta pode resultar, porém o líder leonino continua a fazer muito pouco por isso. Será que João Pereira seria capaz ganhar o dérbi? Não o saberemos. Não seria fácil, obviamente, porém se o conseguisse talvez encontrasse aí a sustentação de todo o seu processo. O risco era grande, mas não haverá também demasiados inerentes a uma mudança neste momento? Há sequer respostas certas a esta questão?
Olho para Rui Borges e notam-se diferenças do antecessor na forma como se apresentou aos jornalistas. Pareceu genuíno, tranquilo e isso pode ser lido como um «pronto para o desafio». Aquele «sou mirandelense com muito orgulho e ali trabalha-se» soou bem e sublinhou um lado emocional que o aproxima mais de Amorim do que de João Pereira – e que poderá estabelecer ligação mais rápida e eficaz com os futebolistas; sendo que não há jogadores iguais e o técnico ainda não teve de lidar com estrelas –, cuja emotividade foi mais pessoal e relacionada com temas familiares.
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Os bons trabalhos e de exigência crescente em Viseu, Moreira de Cónegos e Guimarães, com a Liga Conferência e o recente jogo na Luz como cartões de visita, sustentam essa confiança. Todavia, todos sabemos que nada prepara um treinador para a chegada a um grande se não tiver no currículo emblemas com ambição semelhante. Por muita pressão ou obrigações já vividas noutros contextos. Por muito que as ideias que tenha apresentado ao serviço de clubes de menor dimensão se adequem à equipa dominadora, de posse e ofensiva que o Sporting quer sempre ser.
Ao contrário de João Pereira, Rui Borges parte igualmente com algo a ganhar. Se chegar ao fim campeão, ser-lhe-á atribuído o mérito de interromper a queda no abismo. Se não o conseguir, a leitura falará de um conjunto demasiado quebrado, emocionalmente destruído. E, se acabar na luta, terá, acredito, mais uma oportunidade para o ano, com pré-época e um mercado inteiro para moldar o plantel ao seu jeito. Então, sim, sem margem de erro.
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Voltando a Varandas, o presidente do Sporting tentou camuflar a ideia de ter tido mais um impulso quando avançou para Rui Borges, ao explicar que segue o técnico desde Moreira de Cónegos. Mal de um grande, português ou estrangeiro, se não estiver atento a tudo o que se passa em seu redor e, nos tempos que correm, o Minho é praticamente periferia. Impulso ou não, uma vez que afinal são apenas seis meses à frente de um clube de dimensão considerável, concordemos que Rui Borges vinha a reivindicar uma aposta a médio, longo prazo e que o Sporting assim apenas a antecipa. Tem mais experiência do que João Pereira, porém não tem galões pelos quais puxar. Terá de ganhá-los nos treinos e depois nos jogos. No seu discurso, percebeu-se que está consciente de que essa é talvez a sua missão mais importante: conquistar rapidamente os jogadores.
Varandas falou do seu perfil de liderança e ainda de preferir a comunicação interna à externa, por não se importar de ficar fragilizado. Contudo, espero que o presidente leonino saiba que se trata de muito mais do que isso. Não pode esperar que o que diz aos jornalistas, positivo ou negativo, não tenha impacto no grupo de trabalho. A decisão de despedir João Pereira foi só para fora? As explicações que deu quando o apresentou? As que ofereceu agora, no momento do despedimento? Não conseguirão os atletas ver aí congruência ou incongruência, sentir o projeto mais ou menos frágil, vislumbrar um rumo ou sofrer bastante para encontrá-lo?
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Um líder deve ser inspirador e Frederico Varandas tem de reconhecer que não o é, mesmo com os óbvios méritos que teve no saneamento financeiro do clube. Deve ser agregador, pelas palavras, mas também com os atos, com as decisões que toma no dia a dia. Esse elemento sempre foi Ruben Amorim, ainda que com o risco latente de um dia ter de olhar para si em primeiro, algo que não foi acautelado. Conseguirá Rui Borges um dia ser treinador, diretor desportivo e também a voz do clube, para dentro e para fora? A missão é brutal. Amorins não nascem de debaixo das pedras, é verdade, todavia, os leões já paravam de os procurar aí. É tempo de criar uma verdadeira estrutura para os que não o são, mas podem crescer e um dia vir a ser.