OPINIÃO DE JOÃO CAIADO GUERREIRO Shisha e cerveja 'viking'
Direito ao golo é o espaço de opinião quinzenal de João Caiado Guerreiro, advogado
Viktor Gyokeres foi apanhado a fumar um cachimbo de Shisha, numa discoteca, num dia de folga. Aursnes, do Benfica, a beber umas cervejas, numa esplanada, também num dia de folga. Em suma, os dois a divertirem-se num dia de folga. Logo surgiu a reação de alguns adeptos, do Sporting e do Benfica, que questionaram se o comportamento dos dois jogadores era profissional. Permite a lei que atletas de topo, tão bem remunerados, andem por aí em noitadas e copos?
Permite sim, mas com limitações. A ideia subjacente ao contrato de trabalho é que durante o horário de expediente o trabalhador está sujeito à autoridade e direção do empregador. Mas só isso. Fora do horário de trabalho há limites, mas poucos, porque felizmente ainda temos liberdade e somos adultos. Vejamos: cada um de nós é um ativo da empresa em que trabalha. Mas há diferenças óbvias: não somos valorizados como os futebolistas, cujo valor até aparece no balanço das SAD e é tido em conta pelos bancos na hora de financiar o clube.
Ou seja, o jogador de futebol, ao contrário de um trabalhador não desportivo, tem um valor de mercado. E parte desse valor é da empresa. Veja-se os 10M € que o Sporting vai receber pela saída de Rúben Amorim, se esta se concretizar. Aqui o contrato pode mesmo ser vendido. O contrato, não o jogador ou treinador, que aliás tem que concordar com a transferência.
Tudo parece indicar que o trabalhador desportivo tem especiais deveres para com a entidade empregadora de preservar e manter a sua forma física. Mas isso levanta a questão de saber até que ponto é que os clubes podem exercer disciplina sobre os atletas.
O art.º 13 da Lei do Contrato de Trabalho Desportivo diz que «(...) são deveres do praticante desportivo, em especial: c) preservar as condições físicas que lhe permitam participar na competição desportiva objeto do contrato». Esta norma não tem paralelo no direito do trabalho que se aplica aos outros trabalhadores. Aí, a liberdade é, e deve ser, quase absoluta.
Diz-se que Alex Ferguson, lendário treinador do Manchester United, perguntava aos jogadores, antes de os contratar, se eram casados/namoravam. Considerava este fator importante, já que segundo ele as mulheres controlavam os companheiros, impedindo noitadas e asneiras que prejudicam a performance desportiva.
O entendimento daquele preceito legislativo tem que ser feito com bom senso. A relação entre a vida laboral e a privada tem de ser equilibrada. Não se pode proibir um Aursnes ou um Gyokeres de se divertirem: não podem é andar em noitadas em dias de trabalho. Mas se de vez em quando bebem uns copos ou fumam Shisha, tudo bem, porque não podemos esquecer algo importante: se um jogador, ou qualquer um de nós, estiver mentalmente feliz, o desempenho é sempre mais elevado.
O Direito ao Golo desta semana vai para o Sporting e para Rúben Amorim. Que carreira fantástica do treinador nos últimos cinco anos! E que futebol bonito e eficaz tem praticado o Sporting, com muitos títulos ganhos. Boa sorte a ambos, parece-me que vão precisar.