Seminário, qual Gyokeres
Seminário voltou Portugal em 2004 (Foto A BOLA)

Seminário, qual Gyokeres

OPINIÃO13.06.202412:00

O sueco, o homem da máscara, é o Seminário (ou o Balakov) da atualidade

A adolescência é uma fase marcante da nossa vida. Aquela idade da transformação, das descobertas, de novas experiências e, também, de algumas parvoeiras. Há dias tivemos oportunidade de conviver com colegas da nossa antiga Escola Comercial Veiga Beirão. Que rico ensejo para desfiarmos memórias desse tempo. Mais de trinta companheiros, todos da minha geração, a rondar os oitenta, participámos numa visita guiada (muito interessante) à Casa Museu Anastácio Gonçalves, ali ao Saldanha, antes do repasto, no restaurante da Ordem dos Engenheiros, em Lisboa. Estes convívios, muitas vezes realizados em passeios recreativos e culturais, fora da capital, são dinamizados anualmente por Cardoso Luís e Vítor Claro. E são bom pretexto para cultivar amizades de longa data e recordar memórias da nossa juventude.

Por acaso, não sou assíduo. Mas, por insistência do sportinguista Orlando Rosa, desta vez não faltei. E ainda bem, porque encontrei rapazes que já não via desde os tempos de estudante. «Olhó Seminário!», exclamaram alguns, quando me viram. Porque Seminário era a minha alcunha na escola. Isto por causa da idolatria que havia pelo Juan Seminário, o famoso avançado peruano que veio para o Sporting na época 1959/1960 (emprestado pelo Barcelona, porque tinha excesso de estrangeiros no plantel). Um extremo-esquerdo que encantava os jovens com a sua maneira de jogar, em velocidade, as suas fintas, em habilidade, e os seus golos. Era o nosso ídolo. De tal forma que eu, com 14 anos de idade, recortei dois números 1, em pano negro, e fui pedir à D. Alice, costureira da minha rua, que os cosesse na camisola branca da ginástica. Vejam bem…

E assim me apresentei na aula, com o número 11 nas costas, o número do Seminário. Para espanto e galhofa da malta. Dessa forma ganhei uma alcunha… relembrada neste convívio, 64 anos depois. Naquele tempo era tudo improvisação. Não havia claques, não havia Loja Verde, nem camisolas à venda.

Curiosamente, pensando bem, casos semelhantes de idolatria sempre aconteceram ao longo dos tempos.
Por exemplo, nos anos 90, quantas alcunhas Balakov nós conhecemos? E agora temos o caso do sueco Viktor Gyokeres. O homem da máscara, grande ídolo da juventude. Ele é o Seminário (ou o Balakov) da atualidade. Quantos miúdos se assumem Gyokeres nas suas futeboladas?

Em 2004, com o patrocínio do jornal A BOLA, Juan Seminário veio a Portugal para ser homenageado com o prémio Rugidos de Leão, instituído pelo Museu do Sporting de Leiria. Foi há vinte anos. Acompanhei-o como jornalista, num feliz ensejo para rever o ídolo.

Fantástico professor Vilar Moreira

Esta confraternização com a malta da Veiga dos anos 60 trouxe-nos à ideia recordações das nossas vivências e peripécias. Numa escola sem espaços para recreio, era cá fora, no Largo do Carmo, ali ao lado do Convento e da Leitaria Académica (das deliciosas bolas de Berlim), que vivíamos os intervalos das aulas.

Sempre fui popular entre a família escolar. Desinibido, dinâmico e ativo. Chefe de turma, eleito pelos colegas. Era um desportista, jogava nos principiantes do Sporting e comandava a equipa de futebol da Veiga Beirão, em estreia, no campeonato escolar. Com jogos no Estádio Nacional (que luxo!), defrontando os Pupilos do Exército, a Escola Agrícola da Paiã, a Casa Pia de Lisboa (Colégio Pina Manique), o Colégio D. Maria Pia (Madre Deus), a Academia Militar, o Liceu Pedro Nunes...

Consegui convencer o diretor da escola, Augusto Reis Góis, para a compra dos equipamentos (só camisola, calção e meias) com os preços imbatíveis da Casa Amaral, no Intendente. Mais barato que na Socidel, na Casa Peyroteo ou na Casa Senna. As botas eram por nossa conta. Naquele tempo havia clubes que alugavam equipamentos. Tudo isto no âmbito da Mocidade Portuguesa, através da delegação existente na nossa escola, onde havia um espaço para atividades desportivas, recreativas e culturais.

Graças ao professor de Educação Física, o fantástico Vilar Moreira, a Escola Veiga Beirão era forte na prática do voleibol, badminton, ginástica, espeleologia, mergulho e jogos de ginásio. Também havia teatro, xadrez e damas. O Ruaz Ramos estava sempre por lá e entendia que eu seria bom elemento para o grupo. Mas eu só queria futebol. Aos 15 anos já jogava federado no Sporting. Nos principiantes, tendo José Travassos como treinador: eu, o Pupo, o Carlos Manuel, o Ramiro, o Carlos Pinto e o Vítor Hugo. O Folgado, o Vidinha, o Inácio, o Anino, o Veríssimo, o Fernandes, o Eduardo, o Arlindo, o Vieira e o Fróis na equipa da escola.

Mesmo sem espaço de recreio e sem instalações desportivas, a Veiga era uma fonte de jovens talentosos no desporto. O meu amigo Aurélio, defesa-central, jogava no Benfica e morava no Pote d’Água. E ao fim da tarde, depois da escola, vendia jornais no cruzamento do Campo Grande com a Av. do Brasil. O Delfim Soares, do Bairro Alto, era campeão nacional de ténis de mesa, pelo Sporting. Usando o top spin (bola com muito efeito), foi o primeiro jogador a derrotar o famoso Alberto Ló (macaísta-chinês), do Benfica. O José Bento campeão nacional de badminton, pelo Benfica. O Zé Tibúrcio e o Raúl da Eira, campeões de hóquei em campo pelo Futebol Benfica, o Fófó. O Vítor Fonseca, campeão e recordista nacional de natação (mariposa), olímpico em Tóquio (1964). O António Fernandes, do atletismo, no Sporting. O Rafael Baptista, no voleibol. O Eleutério, no voleibol e badminton. Havia ainda o Joaquim Vieira, grande amigo, que tocava guitarra no conjunto Os Ekos, e foi empregado na secretaria do futebol do Sporting.

O orgulho da Escola Veiga Beirão

A propósito, recordo com saudade três nomes de enormes figuras do Sporting que se diziam orgulhosos por terem estudado na Veiga Beirão: o Fernando Mendes e o Alexandre Baptista (campeões de futebol e vencedores da Taça das Taças da Europa) e o professor Hermínio Barreto, campeão enquanto jogador e treinador de basquetebol… do Sporting.

Naturalmente, ao falar da velha Veiga Beirão veio à conversa o nome dos contínuos: o chefe Paulino, o Rodrigues (do portão), o Cid e o Mendes (que à noite trabalhava como arrumador no Teatro Tivoli). E as alcunhas dos professores: o Zé Sopapo, de Ciências; o Cebola, de Francês; a D. Cândida, de Português; o Mãe Preta, de História; e o Barriga de Bicho, da datilografia e caligrafia… E o meu querido amigo, Dr. José Fernandes? Era o médico escolar, grande sportinguista e dirigente dos Leões de Santarém, clube que disputava a 2.ª Divisão e foi extinto em 1968 (na fusão com o Operário), para dar lugar à União de Santarém. Sem esquecer outro amigo leonino, o distinto professor Luís Borges de Castro, filho de um fundador do Sporting. Foi muitos anos o presidente do Grupo Cinquentenários do clube.

Recordar é viver! Fomos a um passado longínquo, quando a escola só tinha frequência masculina. A feminina era na D. Maria I, ao fundo da Calçada do Combro. Onde íamos esperar as miúdas. E as longas viagens no elétrico do Lumiar para os Restauradores. E a subida das escadinhas e da calçada do Duque… A Escola Comercial Veiga Beirão, fonte de cultura e conhecimento de milhares de alunos, de várias gerações, encerrou portas há mais de vinte anos. Ai que saudades, ai, ai!