Schmidt  no papel de Hamlet

OPINIÃO Schmidt no papel de Hamlet

OPINIÃO14.03.202411:30

Um estimado e fiel leitor enviou-me há dias um e-mail a contar que não dormiu bem na noite da goleada do Benfica no Dragão. Na manhã seguinte, decidiu ir ao ginásio por entender que lhe ia fazer bem. E reparou que havia mais gente e mais silêncio no ginásio do que o normal. Não lhe foi difícil concluir que havia mais benfiquistas como ele… Se Roger Schmidt estivesse também naquele ginásio, talvez sentisse no silêncio de rostos fechados a razão de ter sido colocado no centro do palco no papel de Hamlet: «Pedir ou não desculpa, eis a questão...»  

Schmidt respondeu que não tinha de o fazer e justificou: não fez de propósito. Discordo. Se tivesse sido goleado de propósito, não era um pedido de desculpa que os adeptos ficariam à espera, mas da carta de demissão… Na ausência dela, o despedimento sumário com justa causa e em ambos os casos com pedido de indemnização. Um pedido de desculpa não se impõe apenas quando se comete um erro deliberado ou negligente e do qual nos arrependemos, mas também quando desiludimos pessoas que contam connosco, confiam em nós e que são a razão da grandeza da instituição que Schmidt representa. A chave da discussão não está na análise objetiva dos erros e no elencar de graus de culpa, mas no impacto emocional que esses erros têm nos outros, mesmo sendo Schmidt a primeira vítima. E isso só é possível quando nos colocamos na pele do outro. Chama-se a isso empatia. 

Dito isto, deveria Roger Schmidt ter pedido desculpa? Não. Confuso? Passo a explicar: não há pedido de desculpa que cumpra o papel de apaziguamento sem sinceridade do autor e autenticidade da mensagem. Seria pior a emenda... Entre não ser simpático ou ser falso, Roger Schmidt tomou a opção certa. Porque a verdadeira razão para não ter pedido desculpa foi assumida na conferência de imprensa seguinte: não faz parte da sua personalidade pedir desculpa por ter perdido um jogo que correu mal mas tentou vencer.

Roger Schmidt tem direito a ser como é, a agir segundo a sua consciência, personalidade e até cultura. Tem direito a não se identificar com certas latinidades. Tem direito a mostrar enfado com algumas perguntas dos jornalistas. Tem o direito a considerar injustas as críticas dos adeptos. Tem o direito a dizer que não ouviu os assobios, não viu os lenços brancos e — quando se torna impossível não ver e ouvir — pedir aos adeptos que o contestam que fiquem em casa. Tem é de estar ciente que os adeptos também têm direito ao mesmo e estar disponível para aceitar as coisas boas e más das decisões, opiniões a comportamentos que toma, aceitar até não ser compreendido e não ser amado. Nem sempre se pode ter o melhor de todos os mundos.  

Após o empate do Benfica com o Rangers, Roger Schmidt falou em «boa exibição». E o que disse o capitão Otamendi?: «Temos de sair desta situação de merda em que lamentavelmente estamos». Schmidt tem direito a acreditar e defender na sua análise. Não pode é estranhar que os adeptos se tenham identificado mais com Otamendi. Que nem teve de pedir desculpa, bastou mostrar que está a sofrer, revoltado e com vontade de dar a volta. Sentiu o que os adeptos sentem.

Otamendi também no papel de Hamlet: «Ser ou não ser, eis a questão: será mais nobre em nosso espírito sofrer pedras e setas com que a fortuna, enfurecida, nos alveja, ou insurgir-nos contra um mar de provocações e em luta pôr-lhes fim?»