São Gonçalo vota Al Ahli
Vini Jr deve ficar no clube do século ou rumar à segunda equipa mais importante da segunda cidade saudita? Nem toda a gente acha a resposta óbvia - JAM Sessions é o espaço semanal de opinião de João Almeida Moreira
Em São Gonçalo, a principal cidade do chamado Leste Metropolitano do estado do Rio de Janeiro, são baleadas por mês 51 pessoas, em média, segundo o Instituto Fogo Cruzado, como as irmãs Izabela, 15 anos, e Caroline, 8, apanhadas, por estes dias, no meio de mais um tiroteio entre polícias e traficantes de droga.
Os gonçalenses sabem que por dia haverá duas trocas de tiros e uma morte nos limites da localidade, só precisam de adivinhar em qual bairro para não passar por lá.
E o problema não são só os tiros: a 22 de julho passado, José Paulo dos Santos, 58 anos, motorista de Uber, em vez de levar uma passageira até ao interior da favela do Pombal, como ela pedira, optou por deixá-la à entrada, porque aquela comunidade só é notícia nas páginas de crime dos jornais e ele ficou receoso.
Afinal, a cautela não serviu de nada a José Paulo: furiosos com a discriminação, moradores da favela do Pombal mataram-no à paulada ali mesmo à entrada da comunidade.
E o que tem esta tristeza toda a ver com futebol? A 11 minutos do Pombal, nasceu, no bairro do Porto do Rosa, no dia 12 de julho do ano 2000, Vinícius José Paixão de Oliveira Júnior, o popular Vini Jr.
Por isso, nem toda a gente responde “Real Madrid!” quando se pergunta se o multimilionário e multicampeão jogador, no auge da carreira, à beira de ganhar o primeiro troféu de melhor do Mundo, deve continuar no histórico, tradicional e vencedor até às vísceras clube espanhol ou, em contrapartida, rumar ao Al Ahli, o quinto clube com mais títulos na Arábia Saudita.
Para os gonçalenses favelados que já não confiam – nunca confiaram, na verdade – no poder público, os 200 milhões de euros por ano, os 550 mil euros por dia, os 22,9 mil euros por hora, os perto de 400 euros por minuto que Vini Jr auferiria na Arábia Saudita podem mudar-lhes a vida.
Porque quanto mais dinheiro o filho da terra tiver no banco, melhor: o jogador já prometeu investir perto de três milhões na aquisição de um imóvel, que serviria de sede ao Instituto Vini Jr em São Gonçalo, com o objetivo de promover educação, cultura, tecnologia e desporto de graça às favelas da cidade. E pode investir muitos milhões mais
Por outras palavras, o ilimitado dinheiro do petróleo do Médio Oriente pode transformar o Porto do Rosa ou o Pombal e, a prazo, salvar a vida de outras Izabelas, Carolines e José Paulos, enquanto gera novos Vini Jr em potencial.