Ruben Amorim, o ‘authentic one’

OPINIÃO13.11.202408:02

Os quatro anos e meio do treinador no Sporting criaram uma das mais belas histórias do futebol português. O filme ainda não foi feito, mas vou já reservar os bilhetes

Um, dois, três, quatro. A comemoração dos austríacos é audível num estádio de bancadas vazias, recentemente aberto tal como todos os outros depois de um par de meses de indefinição e da adoção de um novo normal que lembra as distopias escritas na primeira metade do século XX. O vírus do Covid-19 ainda anda aí, as dúvidas na sociedade são maiores do que o futuro do Sporting.

Alguém é entrevistado a falar desse 1 de outubro de 2020 e a derrota com o LASK Linz por 1-4 que elimina os leões da Liga Europa. Um ex-jogador, por exemplo. Que dirá algo do género: ‘Pensei que aquilo ia ser o início do fim’. Correm print screens do que os adeptos dizem das redes sociais: que o treinador «é lampião» e foi demasiadamente caro. O som dos cânticos «E oh Varandas o que é que fazes aqui» acompanham as imagens.

Fast forward até 11 de maio de 2021. Um mar de gente invade as ruas de Lisboa, ali não há regras de distanciamento, a pandemia é um detalhe numa explosão de energia contida durante 19 anos. Novo depoimento, desta vez de um dirigente, pintado com imagens de golos ao cair do pano de Coates ou da frase espontânea do treinador que virou mantra: «Onde vai um vão todos.»

«Quero ver quando for com público». A provocação de um comentador/adepto do painel na TV serve para ilustrar a cultura de alguma esquizofrenia de Alvalade e a tendência para o fatalismo de décadas a perder para os rivais. O presidente ainda não é consensual e as bolsas populistas aproveitam qualquer deslize para recuperar o tapete e privilégios que lhes tinham sido retirados. Como os vários flops, por exemplo: Rúben Vinagre, Bellerín, Sotiris, Tanlongo, Arthur Gomes.

Mas por cada Bellerín há um Porro e uma espécie de mudança cultural profunda: por muito que abane, a estrutura não cai. Passam imagens do FC Porto a celebrar, depois o Benfica e o salto para o aeroporto e um tipo loiro, ainda meio desconhecido, a querer fugir por entre os repórteres que estão ali para documentar a chegada do reforço mais caro de sempre.

Disparam-se 29 flashes de golo, a entrega de A BOLA de Prata a Gyokeres, a incrível festa no Marquês, o «vamos ver» de Ruben Amorim que é entendido como um sim, que vai ficar. E fica. O Sporting voa, tudo o que foi feito de mal ficou definitivamente para trás e tudo o que foi feito de bom está otimizado praticamente à potência máxima. O leão está em ponto de rebuçado.

Pausa para o choque, manchetes dos jornais em pop up: os ingleses estão aí, o treinador decide que é agora ou nunca. Mas pelo meio há que ganhar batalhas, mesmo que outras maiores já estejam na cabeça do authentic one. Afinal, o futebol é cruel e muitas vezes a última imagem é que fica. O que se segue são duas vitórias épicas, feitas de competência, atitude e alma, decalcadas dos grandes filmes de boxe.

O treinador sai a bem, ao contrário de outros que ao contrário dele ganharam em Portugal e na Europa: José Mourinho nem festejou a conquista da Champions e André Villas-Boas surpreendeu na rapidez como deixou a cadeira de sonho. A ideia final vai nesse sentido: o espectador é conduzido para o homem e não apenas para o treinador; para a empatia e não só para os golos; para um sentimento de pertença. Os quatro anos e meio de Ruben Amorim no Sporting deram-nos uma das mais belas histórias do futebol português. O filme ainda não foi feito, mas vou já reservar os bilhetes.