Ruben Amorim, João Pereira e o luto por fazer
Rúben Amorim e João Pereira (A BOLA)

Ruben Amorim, João Pereira e o luto por fazer

Quando um casamento termina e há drama, há alguém com culpa? Será do cônjuge que saiu, do cônjuge que ficou ou do novo amor do cônjuge que ficou? Não nos esqueçamos: há segundas relações que acabam por correr bem, mesmo começando mal.

Imaginemos um casamento feliz. Há dinheiro, amor, comunicação e filhos criados. De repente, porém, um dos cônjuges decide sair. Encontra alguém com mais dinheiro e amor e sai. Pede desculpa ao outro cônjuge e aos filhos, mas diz que não podia deixar fugir aquela oportunidade. Era agora ou então, se deixasse fugir essa hipótese, o futuro amado não esperaria. O cônjuge traído fica destroçado, mas aceita. Tal como os filhos. Choram todos, mas sabem que, enquanto estiveram juntos, foram muito felizes. Felizes como há muito não eram.

O cônjuge que sai vai para casa do novo amor e continua a ser feliz. Há dificuldades, sim, a vida não é fácil, mas passa a ser amado pela família do novo amor, até porque há mais dinheiro e mais possibilidades de concretizar sonhos que seriam quase impossíveis com o anterior cônjuge. Os enteados, agora tratados como filhos, dão tudo por tudo para que a nova relação resulte. O cônjuge que saiu continua feliz, agora no lugar onde, diz, sempre quis estar. Só estranha uma coisa: não está habituado a falar tanto. Fala um bocadinho antes de entrar em casa, outro bocadinho quando sai, um grande bocado numa espécie de reunião de condóminos e, por fim, numa longa reunião com pessoas que já fizeram parte daquela família e que agora são, normalmente, contestatárias de tudo o que acontece no interior dela. Na anterior relação falava menos e raramente lhe faziam perguntas difíceis. O cônjuge que saiu continua, ainda assim, a seguir os passos da ex-família. Até porque também o cônjuge que ficou tem novo amor. E que é amigo, calcule-se, do cônjuge que saiu.

O problema centra-se no cônjuge que ficou e no seu novo amor. A relação começa com estrondo e fica a sensação de que, desde que o novo amor nada estrague, tudo continuará como dantes. Porém, dias depois, recebem a visita de uma família estrangeira e tudo corre mal: refeição esturricada, talheres sujos, vinho estragado, copos partidos. Não faz mal, pensam. Era amigos estrangeiros e o que interessa são, sobretudo, os portugueses. Logo de seguida, nova visita: tugaria. A história repete-se: refeição esturricada, talheres sujos, vinho estragado, copos partidos. E a família, antes unida, começa a pensar que a culpa é do cônjuge que saiu e do novo amor do cônjuge que ficou. O cônjuge que saiu porque traiu o cônjuge que ficou; o novo amor do cônjuge que ficou porque, dizem, é ainda demasiado imberbe para entrar numa família em que tudo corria bem. E há quem pense, como eu, que a culpa é apenas e só do luto por fazer. Ninguém termina sem drama um casamento feliz. E há segundas relações que acabam por correr bem, mesmo começando mal.