Querem honrar Constantino?  Cumpram os seus desígnios…

OPINIÃO Querem honrar Constantino? Cumpram os seus desígnios…

OPINIÃO13.08.202410:00

A vontade do presidente do COP era que Portugal fosse um País de Desporto, coisa que a classe política nunca valorizou. Palavras bonitas não chegam, venham ações concretas.

Ao mesmo tempo que, em Paris, Léon Marchand extinguia a chama olímpica, em Lisboa apagava-se a vida física de José Manuel Constantino, presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP). É difícil encontrar maior simbolismo do que este, para alguém que dedicou a vida à causa do Desporto e levou a sua missão até ao fim, tendo ainda presenciado in loco, num momento sublime, a medalha de bronze de Patrícia Sampaio, na capital gaulesa.

A lutar contra a doença há muito tempo, José Manuel Constantino foi sempre um exemplo de coragem na forma como foi superando as dificuldades, com uma vontade indómita de continuar a olhar para o futuro, com uma miríade de projetos a fervilharem-lhe naquele cérebro prodigioso. Num passado muito recente, o Vítor Serpa e eu entrevistámo-lo, nas instalações do COP, para a BOLA TV e para A BOLA, numa conversa notável em que o entusiasmo que colocou nas ideias lhe permitiu superar o incómodo físico que uma longa entrevista televisiva, sem pausas, inevitavelmente lhe provocou.

Em junho passado, quando lancei o livro Pulsação, convidei-o para a apresentação. Porém, sabendo as limitações de mobilidade que tinha, fui na véspera ao Comité Olímpico oferecer-lhe um exemplar com dedicatória, dizendo-lhe que estava perfeitamente à vontade para não comparecer no dia seguinte, tanto mais que o lançamento seria no piso ‘menos um’ da livraria Barata, o que requeria descer três lanços de escadas. Resposta de José Manuel Constantino, que tinha acabado de chegar do Hospital, onde tinha realizado tratamento, e onde devia regressar na manhã seguinte: «Podes ter a certeza de que só não irei se ficar internado. Caso contrário, lá estarei.» E assim foi, auxiliado na fase das escadas, e depois na cadeira de rodas, onde assistiu à apresentação do livro na primeira fila, entre Fernando Gomes, presidente da FPF e Daniel Monteiro, presidente da CDP.

Em José Manuel Constantino sentiu-se, até ao fim, uma vontade de viver e continuar a dar o seu contributo para um Desporto melhor em Portugal. O que nos leva a uma outra abordagem da ação pública de José Manuel Constantino. Pensador profundo do Desporto, muito crítico relativamente às práticas públicas que nunca levaram a atividade realmente a sério, a Constantino a voz nunca doeu para não só criticar as más práticas recorrentes da classe política, como ainda para apontar caminhos que levariam, por certo, Portugal a outros patamares competitivos e os portugueses a uma vida muito mais saudável. Estou certo de que, perante a sua morte, todos os políticos, da esquerda à direita, vão enaltecer a figura desaparecida e tecer leoas à sua personalidade, exarando-lhe, por certo, pelo menos, um voto de louvor parlamentar. Porém, querem, realmente, honrar José Manuel Constantino? Então levem à prática aquilo por que ele pugnou toda a vida e a que, quase sempre, nas questões de fundo, fizeram orelhas moucas. Essa é a única homenagem à altura do presidente do COP, e é o desafio que aqui deixo.

Em 2016 fiz a cobertura, para A BOLA, dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Chegado a Lisboa, recebi um telefonema de José Manuel Constantino a desafiar-me para escrever um artigo pós-Rio para a revista Olimpo, do COP. Avisei-o: «Escrevo com todo o gosto, mas vai ser a doer…», ao que me respondeu, «nem eu esperava outra coisa.»

E, oito anos volvidos, infelizmente aquilo que plasmei preto no branco na Olimpo, repeti quase na totalidade na edição de ontem de A BOLA, a propósito dos Jogos de Paris, porque, infelizmente, apesar da luta sem quartel mantida por José Manuel Constantino e mais um punhado de homens e mulheres que veem o Desporto não como uma despesa mas como um investimento nos portugueses, Portugal continua a não ser um País de Desporto.

Regressando a José Manuel Constantino, amigo há décadas, torna-se evidente que deixa a fasquia da presidência do COP muito alta e quem pegar no facho olímpico para o próximo percurso deverá estar à altura de um legado intelectualmente superior, politicamente independente, e de uma coragem de colocar o dedo na ferida, sem se importar com consequências pessoais, sem limites.