Quando o rei vai à bancada
INSTAGRAM

OPINIÃO Quando o rei vai à bancada

OPINIÃO16.04.202409:00

Com lugar no autocarro e na bancada, Ukra voltou a aproximar o futebol da ‘vida real’

No canto do Estádio José Gomes, entre os fiéis seguidores do Rio Ave, lá estava André Monteiro. Saiu de Vila do Conde pela fresquinha, viajou em família no autocarro 5, com direito a pausa para piquenique, e depois lá esteve no calor da bancada, a apoiar a equipa de Luís Freire frente ao Estrela. O empate arrancado aos 90+9’ animou a segunda metade da viagem, concluída quando o domingo já se preparava para passar o testemunho à segunda-feira.

Entre os adeptos rioavistas que se deslocaram à Amadora terão estado bancários, operários fabris, empregados de restauração ou pescadores, que no dia seguinte voltaram a acordar cedo, mas para ir trabalhar. Tal como o André. A única diferença é que o André, que até já em casa deve ser Ukra, está com a equipa do Rio Ave todos os dias. Faz parte da mesma, por mérito próprio, e tem perfeita noção do privilégio que conquistou.

Ukra tem apenas seis jogos realizados esta época e nenhum como titular. Menos de 90 minutos em campo e onze desafios completos no banco. Nem sequer foi convocado pelo treinador, Luís Freire, para o encontro de domingo. Podia ter ficado a aproveitar o dia na piscina, mas agarrou na família e foi ver a sua equipa. Podia viajar no conforto de um carro de luxo, e até fazia publicidade ao stand, mas decidiu ir na excursão. Podia ter cravado um convite para a sombra do camarote, mas preferiu instalar-se no setor visitante, ao lado dos seus. Equipou-se na mesma, e ajudou a equipa do lado de fora.

Ukra foi formado no FC Porto, clube pelo qual ganhou Supertaça, Liga, Taça de Portugal e Liga Europa, em 2010/11. Foi campeão da Liga 2 com Olhanense e Rio Ave, passou ainda por Varzim, SC Braga e Santa Clara, teve uma curta experiência na Bulgária e aproveitou ainda a oportunidade de fazer um pé-de-meia no Al Fateh, na Arábia Saudita. Um internacional português com uma carreira rica, ao alcance de poucos.

Aos 36 anos, Ukra podia estar a borrifar-se para a escassa utilização e contava os dias para o próximo cheque. Ou puxava dos galões e aproveitava os momentos mais delicados para boicotar o treinador. Estava até no seu direito dar um murro na mesa e ir jogar mais para outro lado.

André Monteiro agradece o que tem. É feliz em Vila do Conde e faz com que o Rio Ave seja um clube mais feliz. É dos melhores embaixadores do futebol português e não apenas pelos momentos de boa disposição. As redes sociais não deixam esquecer o traje de Borat ou a entorse peniana, sem esquecer os vídeos mais ousados que mostram a cumplicidade com a esposa Neuza. Mas Ukra é muito mais do que isso. Ele será o primeiro a dizer que não deve ser levado muito a sério, mas mesmo no Instagram, entre gargalhadas e publicidade, encontramos bons exemplos de amizade, simplicidade, gratidão e solidariedade.

Ukra aproxima o futebol da vida real, e continuará com essa missão quando pendurar as chuteiras, venha a ser treinador, diretor ou outro Cândido Costa. O palmarés é muito digno, mas Ukra sabe que o maior tesouro de um jogador são as amizades que conquista e as histórias de balneário acumuladas. Por isso é que o rei continua feliz no seu território.