Pequenos que são grandes
O que têm em comum Petit e um modesto clube das Ilhas Feroé
Na semana que marca o início formal das competições da UEFA é normal que os apaixonados do futebol em geral convoquem todos os seus sentidos para os emblemas por que torcem e também para os grandes tubarões, cujo campo magnético tende a ser cada vez maior à medida da sua capacidade de investimento.
Mas ocasionalmente surgem casos como o Klaksvík Ítróttarfelag (também conhecido apenas por KÍ, o que favorece a saúde de todos aqueles que têm a escrita por profissão) que desafiam o poder instituído e nos fazem acreditar que ainda existem milagres no futebol. O KÍ é o primeiro clube das Ilhas Féroe a participar, à séria (pré-eliminatórias não contam), numa prova da UEFA.
Começou nas qualificações da Champions, eliminando o Ferencváros da Hungria, depois vencendo o campeão sueco Hacken, mas posteriormente perdendo com o Molde (também da Suécia) e depois frente ao Sheriff (Moldávia), caindo para a fase de grupos da Liga Conferência.
Quinta-feira, em Bratislava, frente ao Slovan, este grupo de jogadores amadores que exercem profissões nobres como eletricistas ou operários da indústria pesqueira farão história de um arquipélago de apenas 50 mil pessoas.
Há uma tendência muito humana de torcer pelo sucesso dos mais desfavorecidos. Neste caso, como se cada golo seja também a metáfora de milhões de vidas reais em busca de novas inspirações. Como não torcer, por exemplo, pelo guarda-redes Jonathan Johansson, que há dois anos decidira acabar a carreira, mas para não perder o gosto do futebol andou a jogar como central numa equipa amadora da Noruega, tendo posteriormente sido convidado pelo atual treinador do KÍ, Magne Hoseth, que se lembrava dele e não quis saber do hiato competitivo (e hoje é titular e com novo contrato)? Ou como ficar indiferente ao trajeto de Arní Frederiksberg, avançado de 31 anos, autor de seis golos em seis jogos que ganha mais como técnico de vendas do que como futebolista?
Muitos acreditam que este conto de fadas pode ter semelhanças com a epopeia da Islândia no Euro-2016, cujo pináculo foi a vitória frente à Inglaterra nos oitavos de final, em Nice. Sem equipas portuguesas (para já, e esperando que isso não aconteça, pois significaria uma saída pouco airosa do Sporting da Liga Europa), aí está uma boa razão para encarar a Liga Conferência como um laboratório de sonhos. Cada vitória do KÍ será uma forma de nos reencontrarmos com um certo futebol que havíamos esquecido.
Outro trajeto assinalável é o do Boavista. Independentemente dos salários em atraso, o que ressalta é a qualidade de jogo e a organização criada por Petit, um treinador que precisou de muito mais tempo que outros para ganhar a imagem que tem hoje: a de um técnico altamente competente e não apenas um bombeiro para as horas de aperto que só sabe jogar à defesa. Como jogador, Petit percorreu um caminho alternativo e demorado até atingir o ponto mais alto (campeão no Boavista, campeão no Benfica, titular na Seleção semifinalista no Mundial-2006 e mais tarde titular no Colónia, da Bundesliga) e talvez isso tenha sido uma escola para ele, tendo a paciência necessária até agarrar um projeto que tem a sua cara.
Não se sabe o que acontecerá à pantera nos próximos tempos em termos de instabilidade financeira, mas não há dúvidas de que se os jogadores sorriem em campo daquela maneira como assistimos na goleada ao Chaves no Bessa é porque têm um líder com letra maiúscula no banco. Esta vitória, para já, ninguém tira a Armando Gonçalves Teixeira.