Pepe: herói e vilão nacional
Pepe foi o diabo de azul e branco e o salvador quando vestia vermelho e verde
Pepe cometeu pecados. Sempre foi um futebolista de extremos, entre o amor e o ódio, a admiração e a crítica. Muitas vezes, pela mesma pessoa. Porque aqueles que o amaram na seleção odiaram-no no clube. Embora Pepe fosse o mesmo. Aqueles que afirmaram que nunca viram um central como Pepe, que tomava a iniciativa perante os avançados, criticaram-no consoante a cor da camisola que vestia.
Sim, Pepe foi um jogador de excessos. Foi excessivo para lá do imaginável quando pontapeou como pontapeou um adversário em Espanha; mas também foi excessivo nos clássicos- e ninguém os jogou como ele, com tudo, às vezes com mais do que tudo, o que lhes custou algumas sanções - mas também foi excessivo na dedicação ao FC Porto, ao Real Madrid e a Portugal - no Besiktas também terá sido, mas essa é apenas uma questão de lógica.
Pepe nasceu no Brasil, mas atrevo-me a dizer que foi Portugal quem o salvou. A sua passagem em campo pela seleção é indiscutível. Creio que foi em Setúbal que Pepe declarou primeiro amor às quinas. Questionado numa noite no Bonfim se achava que podia chegar à seleção brasileira pela forma como estava a jogar no FC Porto de Adriaanse, a resposta foi mais ou menos assim: «Brasil? Eu quero é a seleção portuguesa.» Já no Real Madrid, e com todas as condições de representar a grandiosa canarinha, Pepe reiterou o mesmo desejo numa entrevista à Marca. Estava à espera de obter nacionalidade e jogar por Portugal, objetivo que tinha «desde os 20 anos» para retribuir ao país.
Talvez seja por essa atitude, talvez seja por essa rivalidade que Pepe acarreta com ele, talvez seja por ser o diabo de azul e branco e o salvador de encarnado e verde que há muito se deixou de questionar o lugar de nascimento de Pepe. O mesmo não se dizia de Deco, Liedson ou Diego Costa, como não se dirá ainda de Otávio. Matheus Nunes esteve entre a seleção portuguesa e a brasileira, mas «ao fim de pensar muito» achou que seria mais feliz aqui. É legítimo, mas diferencia de Pepe, que não teve de pensar em nada, simplesmente seguiu o coração. Pepe jogou sempre com as emoções à flor da pele e foi por isso que não deixou ninguém indiferente, fosse por bons ou maus motivos.
Não se trata aqui de elogiar na hora de uma eventual despedida, nem de lembrar o que de mau fez Pepe em campo. Trata-se dele nos obrigar a refletir. Nalguns temas recorrentes e vindos de trás. Como a naturalidade e a nacionalidade dos representantes na seleção, se ela deve ser mero documento ou deve ser sentida. Ou que excessos permitimos aos nossos e não permitimos aos outros. E ainda: se uma seleção é representação do país, pode admitir alguém que teve alguns dos comportamentos que Pepe teve, mesmo já castigado pelas instâncias apropriadas? Haverá respostas discordantes a tudo isto, provavelmente sem meios termos. Tal como Pepe foi: odiado por uns, amado por outros, herói e vilão ao mesmo tempo.