BOLA DO DIA Pacto de gratidão em Alvalade
Parte da turbulência era evitável, mas as declarações de Amorim e Varandas ajudaram a normalizar a saída do técnico e a valorizar o trabalho realizado (por ambos) nos últimos anos
Basta um telefonema para mudar uma vida. Rúben Amorim, que há três anos brincava com um eventual contacto do Manchester United, dizendo que não atendia números desconhecidos, agora não resistiu à chamada. Quem o censura? Só uma minoria, provavelmente de adeptos levados pelo irracional da paixão (clubística), e muitos mudariam de emprego se a empresa do lado oferecesse umas dezenas de euros a mais. O dinheiro conta, mesmo que Amorim venha dizer que já lhe ofereceram três vezes mais, mas não é difícil perceber que é o desafio que torna o convite irrecusável. Quantos treinadores podem dar-se ao luxo de recusar um convite do United, referência da melhor liga do mundo e um dos emblemas com maior dimensão à escala global? Não o (ainda) treinador do Sporting, que já tinha deixado escapar um ou outro avião, e não podia desperdiçar a vaga aberta neste voo, a não ser que tivesse destino melhor garantido para o verão.
Amorim até garantiu que o Manchester United era aquilo que queria, e a viagem tornou-se inevitável a partir do momento em que o telefone tocou, até porque ninguém verdadeiramente razoável pode insistir na ideia de que seria adiável para o final da época. Para encontrar uma solução de equilíbrio arrastou-se o processo mais do que seria desejável, mas no final imperou uma espécie de pacto de gratidão. Agora pode ser difícil separar o natural do preparado — entre o momento da chegada ao estádio, com presidente e treinador lado a lado, à conferência de imprensa das explicações —, mas a despedida de Amorim exigiu essa cordialidade. Foi tão evidente a aflição do técnico por abandonar agora a equipa como o desconforto por ficar mais dez dias em «modo tarefa». Mas isso nunca poderia colocar em causa a gratidão ao emblema que lhe proporcionou «a melhor fase da carreira», depois de uma aposta de risco que justifica todos os louvores para Hugo Viana e Frederico Varandas. E se o treinador teve a semana mais desafiante para a sua virtude comunicativa, condicionado na transparência habitual, o presidente do Sporting apresentou uma segurança invulgar no discurso. Talvez tivesse sido útil falar antes, mas Varandas até jogou com o humor para contornar a questão mais sensível, a da cláusula dos 10 milhões de euros, evitada pelo treinador.
Ultrapassada a turbulência houve o cuidado de defender o passado e salvaguardar o presente. Abriu-se a porta grande para Amorim sair.