Otávio bate bem da cabeça...
Otávio, central do FC Porto, admitiu ter recorrido a ajuda psicológica
Foto: IMAGO

OPINIÃO Otávio bate bem da cabeça...

Nos Estados Unidos diz-se que quem não tem um psiquiatra não é bom da cabeça... Em Inglaterra, um jovem com Síndrome de Down acredita que Nuno Espírito Santo é um bom homem. Por cá, eu sou o Jorge Pessoa e Silva e esta é a crónica semanal do meu Livro do Desassossego

Se nos doer os dentes e formos a um dentista, alguém tem vergonha em partilhar com os outros que procurou ajuda? Não.

Se nos doer um ouvido e formos ao serviço de otorrino, alguém tem vergonha em partilhar com os outros que procurou ajuda? Não.

Se detetamos uma mancha na pele que nos parece estranha e procurarmos a ajuda de um dermatologista, alguém tem vergonha de partilhar com os outros que procurou ajuda? Não.

Sendo o cérebro mais um órgão do corpo humano, porque razão haveríamos de ter vergonha de dizer que procurámos ajuda de um profissional de saúde mental?

A boa notícia é que, por exemplo, no mundo dos atletas de alta competição o tema é cada vez menos tabu. Otávio, central do FC Porto, foi o caso mais recente ao partilhar que procurou ajuda psicológica para atravessar uma fase profissionalmente complicada, com exibições menos conseguidas, somatório de erros, descrença nas próprias capacidades e perca de estatuto na equipa. Do profissional ao pessoal, um fósforo que incendeia com dúvidas, ânsia e inseguranças.

Igualmente elogiável, a declaração do treinador Vítor Bruno, que desconstruiu uma séria de complexos sem sentido, saudando a decisão de Otávio e seguramente deixando-o mais tranquilo. Os jogadores não gostam de dar parte que consideram fraca, disfarçam o que têm de disfarçar com medo de perderem o lugar, mas vão acabar por perdê-lo porque ninguém é uma máquina. Como alguém escreveu um dia, não tiramos tempo para cuidar de nós, depois somos obrigados a tirar tempo para ficar doentes...

A procura de ajuda é, em si mesmo, um sintoma de sanidade mental. O primeiro passo para a recuperação. O trabalho seguinte são os treinos diários em que se dá musculatura emocional..  Tal como quem vai para os treinos para tratar da parte física, técnica e tática. O processo entre o pedido de ajuda e a alta é uma aprendizagem que fica para a vida.

Quem não tem um psiquiatra não deve ser bom da cabeça

O ambiente cultural é também importante. Os povos latinos terão mais dificuldade em admitir problemas de saúde mental. A sociedade americana, por exemplo, já resolveu isso há muito tempo. Até se criou a piada de que «quem não tem um psiquiatra não deve ser bom da cabeça…»

No dia em que deixarmos de querer ser super-heróis, de ser  imunes às fragilidades e de sermos dependentes do faz de conta, talvez tenhamos mais tempo para tratar de nós e sermos felizes. E no dia em que metermos mesmo na cabeça que as vitórias mais saborosas são as que conseguimos em equipa, transformando as fragilidades de cada um na força de todos, talvez percebamos o caminho da realização e do sucesso e o valor de um abraço. Na vida, precisamos mais de cúmplices do que de admiradores. Precisamos daquele sentimento único de olhar nos olhos os camaradas de armas e nem precisarmos de dizer nada para, em comunhão, exclamarmos que vencemos.

O meu abraço, neste momento, vai para todos os otávios deste mundo… A começar por mim, que também já precisei de ajuda e mereço um abraço meu.

 

Nuno Espírito Santo é um «good man»

Nuno Espírito Santo – que está a fazer um excelente trabalho no Nottingham Forest – é muito boa pessoa. A conclusão não é minha, que o não conheço, mas do Joseph, um rapaz inglês que sofre de Síndrome de Down. Juntamente com outros na mesma condição, vestiu o papel de jornalista na sala de imprensa, na melhor conferência que alguma vez ouvi do treinador português.

Humor, gargalhadas genuínas, humanismo, sorrisos comovidos, olhos brilhantes. Muitas perguntas curiosas e que apanharam Nuno Espírito Santo de surpresa. Algumas até que o fizeram transpirar…  E Joseph, após várias respostas, não teve dúvidas em exclamar que Nuno Espírito Santo é um «good man», deixando o treinador emocionado.

Por razões várias, tenho um carinho enorme por pessoas com Síndrome de Down. Eternas crianças em corpo de adulto, no que de mais puro e  verdadeiro as crianças representam. Genuínas e muito carinhosas. Lembro agora um dos elogios que mais me sensibilizaram na vida, feita pelo Francisco. Apesar de comunicar muito pouco, fez questão de dizer à mãe que gostava de pertencer ao grupo de jovens da minha paróquia porque achava que eu era engraçado… Como não amar o Francisco? Como não acreditar no Joseph? Logo, Nuno Espírito Santo é um bom homem. Bem haja por isso.